As debutantes da pandemia
Elas adiam a comemoração para os 16 anos e fazem festa em drive-in. Jovens encontram formas de viver o sonho do baile de debutante na pandemia
Desde os sete anos de idade, a jovem paulistana Maria Eduarda de Medeiros sonha em fazer seu baile de debutante. A principal inspiração vem de duas fontes: das histórias que a mãe contava sobre sua própria festa e do álbum do evento, cujas páginas recheadas de fotografias antigas a pequena não cansava de virar. A ansiedade era tanta que, aos 13, já começou a correr atrás dos preparativos, sempre com o apoio da mãe. Finalmente, a festa ficou marcada para agosto de 2020, quando Duda, como é conhecida por família e amigos, completaria seus 15 anos.
“Quando minha mãe falou que ia acontecer mesmo, foi a realização de um sonho, foi muito emocionante”, lembra a adolescente.
Para o tema do baile, ela voltou o olhar ao Oriente Médio. Não o verdadeiro, mas aquele romântico, de dunas douradas, palácios esplêndidos e heróis aventureiros, imaginado nas telas de cinema. A noite da Arábia (e o dia também) tinha seduzido Duda desde quando assistiu pela primeira vez à versão live action do filme “Aladdin”, da Disney. A fotografia de tons puxados para o roxo e o dourado, os personagens e as músicas levaram a adolescente a rever o longa várias e várias vezes. Era a escolha natural para uma festa temática.
Começamos a planejar novamente e a mudar algumas coisas, porque vai ser uma festa de 16 anos, não de 15
Tudo parecia estar indo de acordo com o planejado. Até por isso, durante os primeiros meses da pandemia, a família achou que não haveria grandes problemas. Afinal, em agosto as coisas já estariam normalizadas. Mas não foi bem o que aconteceu. Em maio, ao perceber que a situação era mais grave do que parecia, a família tentou adiar a comemoração. Foi quando a representante da Múltipla, empresa responsável por organizar o evento, deu uma sugestão: que tal comemorar com 16 anos, em vez de aos 15?
“Foi meio frustrante, porque você fica mais de um ano planejando e vem um balde de água fria desses”, conta Priscilla Medeiros, 41, mãe da adolescente. “Começamos a planejar novamente e a mudar algumas coisas, porque vai ser uma festa de 16 anos, não de 15. E agora já estamos empolgadas de novo, vamos ver no que vai dar.”
Sweet sixteen
Copiar nossos vizinhos da América do Norte foi a estratégia adotada pela Múltipla Eventos para impedir uma onda de cancelamentos — e de debutantes frustradas. Uma pesquisa feita pelo Sebrae em abril, ainda no início da pandemia, apontou que 98% do setor de eventos tinha sofrido com o impacto do coronavírus. Embora celebrações como casamentos ainda possam ser feitos com poucos convidados e seguindo os protocolos sanitários, a pandemia mata a principal atração da noite para dez entre dez debutantes. “O que elas querem é a balada, justamente o que não pode”, explica o sócio-diretor da Múltipla, Vinícius Favale.
Nos Estados Unidos, a tradição é comemorar aos 16, que marcam uma espécie de maioridade — por lá, é quando os jovens ganham licença para dirigir. Se você já assistiu a algum episódio do reality show “My Super Sweet Sixteen”, originalmente exibido por aqui na extinta MTV Brasil, deve saber do que se trata. A cada episódio, uma família rica prepara uma festa extremamente luxuosa, cara e um tanto brega para a filha adolescente que vai completar 16 anos. A cereja do bolo, por assim dizer, é o automóvel — geralmente conversível — que a aniversariante recebe de presente no final da noite.
A debutante é uma adolescente, então sua primeira reação é se perguntar: por que isso foi acontecer bem na minha vez?
O que a Múltipla hoje tenta fazer é investir numa versão brasileira da festa, que, na prática, não difere muito do que já acontece nos bailes de debutante daqui. Com origem na Europa do século 16, as festas de 15 anos nasceram como uma forma de famílias nobres apresentarem à alta sociedade suas filhas, que estavam se tornando mulheres. Para Favale, hoje o baile serve menos como rito de passagem do que como uma cerimônia de coroação da adolescência.
A dificuldade maior, segundo ele, foi convencer debutantes que, em alguns casos, passaram até três anos cuidando dos mínimos detalhes do evento.
“A debutante é uma adolescente, então sua primeira reação é se perguntar: por que isso foi acontecer bem na minha vez? Ela é meio radical em seu sentimento, não é muito flexível. O que fizemos foi mostrar que não tem problema ter a festa aos 16, que na prática vai ser muito legal. E apresentando vídeos, fazendo reuniões individuais, conseguimos passar isso para elas.”
A questão é que essas festas não são importantes só para as jovens. Embora tenham mudado bastante ao longo do tempo, passando a incluir baladas, interatividade e mil atrações, a parte formal do cerimonial se manteve praticamente intacta. E costuma ser essa a preferida de pais e mães.
“Muitas mães sonham com isso. E os pais, mesmo sabendo que a festa pode sair mais cara do que um casamento, têm um sentimento positivo. Sabem que vão poder comemorar com as filhas e, no fim do dia, levá-las para casa, o que não acontece quando elas se casam.”
Baile fast-food
Quando abriu a porta do Ford Mustang azul-bebê, a adolescente curitibana Julia Lima foi prontamente recepcionada por bailarinos usando trajes vermelhos de carregadores, que a ajudaram a levar as malas pelo gramado. Seu destino não era a porta giratória de um hotel, mas um palco iluminado por velas. Ao redor, móveis e pufes decorados com luzes de LED.
Ao mesmo tempo, uma fila de carros circundava o gramado, mantendo uma distância de um metro e meio entre si. Depois de passarem por medidores de temperatura, os passageiros recebiam um manual de embarque. Em vez de orientações em caso de emergência, nele constava uma série de boas práticas: no lugar do abraço, por exemplo, melhor cumprimentar com o cotovelo; já ao posar para a foto ao lado da aniversariante, nem pensar em tirar a máscara.
Na hora do baile, os pufes, além de decoração meio high-tech, serviam como uma barreira para que os adolescentes mais empolgados não se atrevessem a disparar em direção à pista de dança. Restava a eles, então, treinar os passos ao lado do automóvel, enquanto espiavam e acenavam para a debutante que dançava ao longe.
A cerimônia aqui descrita aconteceu em setembro em um haras na cidade de São José dos Pinhais (PR) e foi, além de uma tentativa de manter uma comemoração que já vinha sendo preparada havia muito tempo, uma forma de demonstrar para o setor de eventos que o ano não estava necessariamente perdido. “Foi um projeto piloto, para que o setor se mexa”, afirma a produtora Sara Bez.
O tema da festa era “viagem”, uma das atividades favoritas da aniversariante. “Ainda consegui que ela fosse ao aeroporto fazer uma simulação de voo, para que os telões da festa mostrassem quando ela saía do carro com uma mala rosa e entrava numa aeronave”, explica Bez.
A debutante teve direito a tudo, desde invenções mais modernas como o robô de LED — um dançarino com trajes futuristas à la “Transformers” que se equilibra sobre pernas de pau —, que abriu com ela a pista de dança, até a tradicional valsa, dançada com o padrasto, o avô e o príncipe da cerimônia. A lista de 200 convidados teve que ser reduzida para 60, passando a incluir apenas familiares e os amigos mais chegados.
“Planejamos a festa durante dois anos, sonhando com o vestido, com a dança. Então, num primeiro momento, ela achou que ia ser chato sem poder ter contato”, conta a mãe Simone Lima, 43. “Mas vimos que era possível fazer uma festa bonita e emocionante. Ela ficou muito encantada com as luzes, com tudo. Trabalhamos bastante para que chegasse o mais perto possível do sonho dela.”
@juhlc__ n pude comemorar a normal ainda ent foi assim msm kkkkkk #viral #fy #fyp #foryou #15anos #brasil
De mãe para filha
A impossibilidade de ter uma festa em moldes tradicionais durante a pandemia também fez com que algumas famílias buscassem soluções alternativas para marcar a chegada aos 15. Uma delas foi apostar em books de debutante. A fotógrafa Magda Pinheiro, 44, já produzia com alguma frequência álbuns para clientes prestes a comemorar seus 15 anos, fosse para substituir a festa ou complementá-la. Com a pandemia, porém, o negócio estourou, trazendo um aumento de 70% na procura pelo produto.
Para atender a nova demanda, Pinheiro criou mais categorias de pacotes e passou a oferecer uma variedade de vestidos entre os quais a debutante pode escolher para montar seu look. Os valores vão de R$ 490 a R$ 2.900. Quanto mais alto o preço, mais opções de cenários, todos eles no estúdio que Pinheiro mantém em São José do Rio Preto (SP). Entre as preferidas das adolescentes, está o tradicional quarto da princesa — “bem europeu, como um castelo mesmo, parece que você está dentro de um palácio”, descreve a fotógrafa. Com uma pegada chique, mas um pouco mais despojada, há também a sala vintage, com lareira, sofá de couro, tapete felpudo e lustre de cristal.
Como as festas foram canceladas, muita gente quis caprichar mais no álbum. A ideia é recriar o clima do baile
Mas, como nem toda adolescente sonha em ser princesa, existem opções de looks e cenários variados. Um exemplo é o street, caracterizado por roupas folgadas e uma decoração mais rueira, contando até com skate e um muro grafitado de fundo. As adolescentes voltadas para o country também podem posar sobre feixes de feno, ao lado de rodas de carroça e selas de montaria, enquanto as mais primaveris podem sentar sobre um balanço ou banco bucólico em frente a um jardim florido.
“Como as festas foram canceladas, muita gente quis caprichar mais no álbum. No estúdio, nós fazemos o cerimonial que aconteceria na festa, colocando o anel, o sapatinho, que significa a transição da menina para a moça, simulando uma valsa… é bem completinho. A ideia é recriar o clima do baile”, diz a fotógrafa.
Pinheiro conta que, embora as jovens gostem da ideia, a busca por um book de debutante geralmente acontece por influência da mãe. “Muitas não tiveram condições de fazer quando jovens e projetam nas filhas. Na hora em que veem as meninas vestidas de princesa, quase todas choram.”
“Se eu me emocionei? Fico emocionada até de lembrar”, conta Ellen Sguartecchia, 38, mãe da adolescente Anna Julia Favatto, que fez seu book de 15 anos com Pinheiro. “Quando você vê a sua filha naquele vestido maravilhoso, realizando um sonho, é muito gratificante.”
A dança mais aguardada
A jovem Maria Eduarda de Medeiros, que completou seus 15 anos sem a festa, agora conta os meses até agosto de 2021, quando deve celebrar o sweet sixteen. Embora a comemoração tenha ganhado um tom mais adulto e maduro, devido ao ano adicional, os elementos Disney continuam lá: uma projeção remetendo ao Palácio de Agrabah, residência da princesa Jasmine em “Aladdin”, o bolo suspenso sobre um tapete voador, a lâmpada dos desejos, os personagens, a decoração em tons de roxo e dourado e as músicas — especialmente “A Whole New World”, faixa favorita da garota.
O baile e a pista de dança também estão assegurados, desde que a situação da pandemia esteja mais controlada até a data. Contrariando as expectativas, a chance de curtir e dançar com os amigos, porém, não é a parte mais esperada da noite, ao menos não para a adolescente.
“A balada é um momento em que a gente vai curtir entre todos, mas minha maior expectativa é para o cerimonial, a valsa com meu pai, meu irmão, com o príncipe. É o que eu mais espero desde criança.”
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