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ReportagemA volta dos brasileiros à Disney
Após dois anos de restrições, turistas voltam a Orlando mesmo com dólar e preços em alta; mas de onde vem todo esse amor pelos parques?
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A volta dos brasileiros à Disney
Após dois anos de restrições, turistas voltam a Orlando mesmo com dólar e preços em alta; mas de onde vem todo esse amor pelos parques?
Após dois anos de uma ausência incomum para a região, o português está voltando a ecoar pelas ruas, lojas e brinquedos dos parques temáticos de Orlando. “Foi a coisa mais estranha do mundo ir para a Disney e não escutar português”, lembra a brasileira Carolina Grabova, 43. A personal stylist, que vive com a família em Orlando, é influencer especializada em tudo que tem a ver com a Disney. Foi também a primeira brasileira a apresentar a tradicional maratona do Walt Disney World, que foi interrompida durante a pandemia e voltou a ocorrer só em janeiro de 2022.
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A própria Grabova viajou para Orlando há cerca de 20 anos para fazer um estágio nos parques. Lá conheceu seu atual marido, com quem tem dois filhos adolescentes. Com apenas uma semana de vida, não é difícil adivinhar qual o destino do primeiro passeio de ambos. “A gente ia muito para os parques, principalmente quando os meninos eram pequenos. Agora estão adolescentes e mais ocupados do que nunca”, conta a influencer. Ela mesma tenta visitar a Disney ao menos uma vez por semana, mas ultimamente, devido ao trabalho “oficial” como personal stylist, tem ido com menos frequência.
A pandemia gerou algumas mudanças fundamentais na visita à Disney que hoje dificultam a vida dos turistas, aponta Grabova. A principal delas é a necessidade de agendar com antecedência. “Se for em cima da hora, o parque pode não estar disponível, então é uma coisa em que precisa prestar muita atenção.” Mesmo com as dificuldades, que incluem ainda o dólar nas alturas e a inflação, ela vê o fluxo de brasileiros subindo e praticamente normalizado em relação ao período anterior a 2020.
Nos primeiros três meses de 2020, que antecederam a pandemia, por exemplo, o Brasil só ficou atrás do Canadá entre os países que mais enviaram turistas à Flórida. Por mais que Orlando também abrigue outros parques como os da Universal ou o aquático Seaworld, o mais comum quando alguém viaja para lá é dizer que está indo para a Disney. Mas o que explica todo essa paixão por parte dos brasileiros? Um amor que faz com que algumas pessoas nem cogitem outro destino de férias, famílias decidam deixar o Brasil de vez para ter o Mickey como vizinho e celebridades como Dani Calabresa peguem avião ao menos uma vez por ano em direção à ensolarada Flórida.
Apaixonada pela Disney desde criança, Dani Calabresa já perdeu as contas de quantas vezes viajou aos parques; a última foi durante a pandemia Arquivo pessoal
“Sempre que vou para lá, vou para me reencontrar, para me conectar com a criança que já fui e que lá posso ser novamente”, diz Calabresa a Gama. A humorista viajou ao parque pela primeira vez aos dez anos de idade e já ansiava por esse momento desde que a irmã, que foi antes, lhe enviou um cartãozinho da Pequena Sereia de lá. Calabresa, que já perdeu as contas de quantas vezes visitou os parques, viajou também durante a pandemia, mas sofreu com a obrigatoriedade da máscara e do distanciamento. “Eu via uma princesa e queria abraçar. Não dá para ver o Mickey e ficar só de longe abanando a mãozinha.” A artista diz apreciar principalmente o ambiente familiar dos parques, que são sua principal fonte de inspiração. “A gente experimenta coisas que nossa rotina — que acaba sempre sendo mais séria — não permite. Por mim, estaria vestida de princesa 24 horas aqui em São Paulo mesmo.”
Mas Grabova ressalta que o amor pela Disney não é só coisa daqui e também não se trata de uma obsessão reservada às crianças. Existe até uma expressão em inglês, “Disney adults”, que descreve aqueles acima de 18 anos que não poupam esforços para visitar os parques e mostrar sua admiração pelos principais personagens do estúdio. Como fatores que atraem especificamente o público brasileiro ano após ano, no entanto, ela destaca a proximidade geográfica do país, as temperaturas ao nosso gosto e a facilidade do idioma — “Querendo ou não, tem muita gente que fala espanhol e muito brasileiro trabalhando aqui, o que facilita a comunicação.”
O amor dos brasileiros por Orlando também tem a ver com nossa obsessão pelos EUA e o “American way of life”, diz o publicitário e turista profissional Ricardo Freire, criador do blog Viaje na Viagem. “Orlando é a meca de quem tem 100 dólares para gastar por pessoa todo dia num parque de diversões. E é o sonho de quem precisa economizar para fazer isso ao menos uma vez na vida”, afirma. Além disso, ele acrescenta, é uma viagem que exige menos bagagem cultural e que permite voltar com as malas abarrotadas de compras, o que dá a sensação (muitas vezes ilusória) de um custo-benefício melhor.
Para Freire, a demanda reprimida na pandemia criou uma vontade coletiva de viajar aos lugares que as pessoas mais amam. E quem teve a oportunidade poupou dinheiro durante todo esse tempo sem sair de casa. “Para ir aos EUA, vale tudo. As pessoas não estão pensando em preço não. Se elas conseguem viajar, vão para lá. E Orlando é esse destino de sonho, a realização infantil que se renova. Quem pode volta todo ano, é uma coisa impressionante.”
De volta para o futuro
O Rumo a Orlando foi uma das empresas brasileiras 100% dedicadas ao destino que sobreviveu a esse longo período de escassez de turistas. Nascida lá em 2011 como especialista em montar roteiros personalizados para os viajantes, hoje a agência fundada pelo casal Rebeca Lopes, 36, e Felipe Magalhães, 37, também se dedica às redes sociais, produz vídeos, um podcast e vende até ingressos e pacotes de viagem. Como forma de lidar com a queda brusca de faturamento, no entanto, eles precisaram retornar com tudo às origens.
“Como era um destino muito popular entre os brasileiros, antes a gente não tinha dificuldade em fazer a empresa rodar”, explica Magalhães. “A pandemia derrubou o mercado. O produto estava lá, mas não podia mais ser utilizado.” Além disso, era preciso praticamente trabalhar de graça ao lidar com os clientes que já tinham viagens agendadas e precisavam saber como proceder dali para frente. Para manter o negócio vivo nesse período, a dupla acabou recorrendo a um desejo antigo que eles nunca tiveram tempo de colocar em prática: um curso que ensinasse as pessoas a criar os próprios roteiros de viagem. Foram as quatro turmas entre 2020 e 2021, mais a venda de um guia digital para esse mesmo fim, que permitiram que o faturamento não despencasse a zero. “A gente conseguiu aproveitar um timing perfeito do mercado. As pessoas não podiam viajar, mas podiam estudar e se preparar para quando a viagem fosse acontecer.”
Hoje o casal, que diz ainda ser completamente apaixonado pelos parques, mora lá mesmo em Orlando. Após a pandemia, admitem que montar um cronograma para os parques tem se tornado tarefa ainda mais complicada. Além do agendamento prévio da visita, serviços antes gratuitos como o FastPass, que permite passar à frente das filas em algumas atrações, também passaram a ser pagos. Além disso, o dólar alto e a inflação têm mudado o perfil dos viajantes. “Eles não sabem quando vão poder viajar de novo ou se vão ter grana, porque está uma crise muito grande, então começam a mudar a viagem”, conta Magalhães. Na prática, significa abandonar o tradicional passeio de compras nos outlets, ir a menos restaurantes caros e até reduzir o período de visita. “Com a pandemia, as pessoas passaram a valorizar mais o tempo em família do que as coisas materiais. A gente enxerga essas mudanças na rotina para que as pessoas não precisem abrir mão da viagem como um todo”, aponta Rebeca Lopes.
Da seca a um mar de gente
O vício em Orlando e, mais particularmente, na Disney, chegou tarde na vida do psicólogo paulistano Valter Mendes, 40. A primeira viagem, um sonho antigo, aconteceu só em 2017, depois de muito planejamento e um longo tempo juntando dinheiro. “Meu marido tem ‘O Rei Leão’, colecionamos Funkos dos personagens e maratonamos todos os filmes, mas o parque ainda era uma coisa meio distante.” Nem a iminente chegada do furacão Irma, num país para onde ele e o namorado nunca tinham viajado, foi um grande empecilho. “Fui chorando da entrada do parque até o castelo, é realmente muito emocionante”, conta.
O paulistano Valter Mendes e o marido encontraram uma Disney vazia na pandemia, experiência muito diferente dos parques lotados este ano Arquivo pessoal
Emoção, de certa forma, é o que define não só o impacto que a Disney causa nos dois turistas, mas também o entorno das viagens que eles realizaram até o momento. Depois do furacão na estreia, as passagens para a segunda visita também já tinham sido compradas quando veio a pandemia, fechando fronteiras e os próprios parques. Mas, quando viram uma brecha, em 2021, eles não hesitaram. “Já tínhamos pago um monte de coisas e corríamos o risco de perder o voo. Fazia mais sentido ir e ficar de quarentena antes em Cancun do que perder a viagem.” No fim das contas, o casal acabou vivendo uma experiência bastante diferente. Além de aproveitar para tomar as duas doses da Pfizer por lá mesmo, se depararam com parques praticamente vazio e — o mais estranho quando se trata de Orlando — sem brasileiros. “Não tinha quase ninguém, então a gente foi um monte de vezes em vários brinquedos. Foi muito bacana.”
Magalhães, da Rumo a Orlandom explica que 2022 tem concentrado as viagens que foram impedidas pela pandemia nos dois anos anteriores, além de uma demanda atual, influenciada pela reabertura e a saída de muita gente do isolamento. “Recuperar já recuperou, mas ainda é cedo para saber se vai se manter dessa forma”, afirma. Só neste primeiro semestre, a agência já dobrou o faturamento na comparação com o ano de 2019 inteiro.
A experiência para Mendes e o marido foi tão bacana que não esperaram muito tempo para voltar, desta vez em março de 2022. Mas deram de cara com um “mar de gente”, filas enormes e uma experiência bem diferente, que, no entanto, não reduziu em nada o desejo de ambos por mais Disney. “Agora que já fomos três vezes, botamos como meta conhecer os outros parques no mundo: na Europa, na Ásia. Vamos trabalhar para isso.”
O que é que a Disney tem?
Por videochamada, quem atende a reportagem é a carioca Olga Camargo, 70, ostentando no topo da cabeça um conjunto de laço dourado e orelhas azul-marinho do Mickey, modelo criado especialmente em comemoração aos 50 anos da fundação do parque em Orlando. “Isso aqui que você está vendo eu uso sempre. A Disney já está incorporada em mim.” Atrás dela, miniaturas do roedor mais famoso do mundo posam em variados estilos e tamanhos, disputando espaço com fotos antigas de família.
A agente de viagens e guia turística Olga Camargo, especializada em Orlando, tem visitado a Disney praticamente desde que o parque abriu Arquivo pessoal
A história da agente de viagens e guia turística de Niterói, especializada em viagens para Orlando, se confunde com a do parque. Sua primeira visita aconteceu aos 19 anos — “já mais velhinha”, como ela diz –, pouco após a inauguração do complexo dedicado à diversão de crianças e adultos. Ao longo de décadas, ela pôde acompanhar a evolução dos parques de um “quase nada” para todas as atrações e novidades que existem hoje, e cuja lista continua aumentando.
Também aproveitou todo esse tempo para ir inoculando o “vírus da Disney” nos filhos, netos e até nas gerações anteriores. “Minha avó foi para lá com 80 anos e chorou. Não existe idade mínima.” Camargo destaca o poder do marketing da empresa no mundo todo e compara a emoção de dar de frente com o castelo da Cinderella, primeira coisa que se avista no parque Magic Kingdom, com o que sente quem visita a Torre Eiffel. “São símbolos que você passa a vida toda vendo, e aquilo vai sendo registrado na sua mente. Quando está lá pessoalmente, cria um impacto muito grande.”
Hoje, com um green card no bolso e uma filha morando nos EUA, Camargo considera o ano perdido se não viajar pelo menos quatro vezes a Orlando — mas agora quase sempre a trabalho. Apesar de professar todo seu carinho, ela defende que o amor pela Disney não deve ser tão incondicional assim. “As pessoas que trabalham lá vão querer me enforcar, mas acho que não é o momento para os brasileiros viajarem”, diz. Para ela, o ideal é esperar o valor do dólar baixar e as restrições da pandemia caírem. Só mais para frente, segundo a profissional, o turista brasileiro vai poder aproveitar a visita como se deve. “Tem gente que viaja e volta dizendo que foi para um parque de diversões. Eu quase morro. Pelo amor de Deus, aquilo é tudo menos parque de diversões. É um lugar mágico.”
Já raiou a aurora (mas não para todos)
Entre os muitos momentos especiais que Aurélia Leal, 38, presenciou ao longo de suas duas visitas à Disney, um deles acabou sendo mais marcante: o encontro entre as princesas Aurora, ocorrido em 2019. Uma delas, claro, a versão da Bela Adormecida do parque, que, em vez de tirar sua soneca, distribuía sorrisos e fotos. A outra, a filhinha de Leal, então com pouco menos de dois anos de idade.
Segundo a brasileira, quem vê as fotos não desconfia da correria que foi. Isso porque a pequena Aurora esteve adormecida, como seu nome sugere, ao longo de quase todo o período em que a princesa tirava fotos. Foi despertar só nos dez minutos finais, forçando os pais a correrem para garantir o encontro. Não deu tempo, mas a coincidência dos nomes acabou sensibilizando um funcionário. Assim, a pequena Aurora ganhou um autógrafo, um beijinho e uma foto da Aurora adulta, além de algumas palavras que o parco inglês da família não permitiu entender. “Não sei o que ela falou, só sei que foi encantador.”
A crise e inflação desenfreadas hoje dificultam o retorno da família para apresentar os parques ao seu mais novo membro, o pequeno Arthur, de apenas um ano — um rei medieval que também pertence à dinastia Disney, tendo dado as caras na animação “A Espada Era a Lei” (1963). “Se você me perguntar, não volto porque o dólar está muito caro”, afirma Leal. Os resquícios da pandemia também têm influenciado a decisão da família. A fila para tirar visto para Arthur é longa e o pequeno não tem idade para ser vacinado contra a covid. Alguns serviços importantes dos parques, como as fotos com personagens, também só voltaram a funcionar muito recentemente. “Tenho o sonho de ir, mas que seja para curtir a magia toda. Prefiro voltar só ano que vem para poder ter essa vivência”, diz a brasileira.
Mais recentemente, durante uma apresentação do espetáculo Disney on Ice aqui no Brasil mesmo, Aurora, hoje com cinco anos, quis saber como o Mickey patinador faria para voltar a Orlando. Misturando um pouco de magia e vida real, os pais responderam na lata: de avião. Mas o acontecido emocionou Leal, que sentiu vontade de pegar carona com a família no mesmo voo do personagem. Como assistente social, ela diz ser uma pessoa “totalmente de esquerda” e também ter plena consciência da contradição do amor por uma empresa que, em suas palavras, é super capitalista. Nesse caso, porém, está decidida a abrir uma exceção. “Logo esqueço isso e entro no mundo da magia.”
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