Por que precisamos dar um tempo do outro

Se o amor tira férias ou não, só os personagens de Cameron Diaz, Jude Law, Kate Winslet e Jack Black, no clássico das comédias românticas que protagonizaram em 2006, podem dizer. Independentemente da resposta, cada vez mais as pessoas têm flertado com a possibilidade de passarem algum tempo longe de seus cônjuges, filhos, amigos, familiares – e descansarem do outro.

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Dentro desse grupo, há quem queira poucos dias de férias da rotina e das relações, como também há os que querem um período mais longo de folga. O termo “sabático no casamento”, por exemplo, apareceu pela primeira vez no livro da jornalista e ensaísta americana Cheryl Jarvis, que o escreveu em 2002 depois de passar três meses longe do marido. Desde então, o número de adeptos cresceu: enquanto Emma Thompson tornou-se uma entusiasta da prática, a escritora Ruby Warrington experimentou pela primeira vez um período distante do parceiro e disse que isso salvou seu relacionamento.

De fato: ficar um tempo longe de diferentes relações, em que o convívio é praticamente (ou completamente) cotidiano, é importante não só para a pessoa que se afasta, quanto para quem fica. E não, tomar essa decisão não significa falta de afeto ou desejo, e nem é um sinal de rejeição. “É um descanso necessário, e deveria ser uma prática”, afirma a terapeuta de casais e mestre em psicologia social Tai Castilho. Seja com marido, esposa, filhos, pai, mãe, melhor amigo, irmão: “Não precisamos estar sempre juntos”, diz ela.

A pandemia castigou essa possibilidade. Quem morava junto foi obrigado a conviver até quando não aguentava mais. Nessa dinâmica, os conflitos foram muitos e não tinha para onde fugir. Mas agora, com o vírus um pouco mais contido e a vacinação em dia, talvez estejamos vivendo um efeito rebote. “Vou especular que é uma reação à intensa convivência que tivemos nos últimos anos”, observa o psicanalista, escritor e pesquisador André Alves, co-fundador da plataforma Float Vibes. “Às vezes adesivamos demais, e agora precisamos de um descanso.”

Um respiro

A artista e designer Milena Galli é mãe de dois e há 15 anos vive junto com o pai de seus filhos. A família, que hoje mora em Portugal, compartilha o espaço, a vida e os afetos. Mas Milena e Rodrigo, seu companheiro, sempre entenderam a importância dos momentos solitários ou distantes um do outro – e das crianças. “Pra mim, todo esse processo tem muito mais a ver com um descanso pra mim, um cuidado comigo, para que eu seja uma mãe melhor pra eles. É isso que me dá força para insistir nessas horas em que preciso provocar a separação”, diz a Gama.

Ela conta que, em agosto deste ano, foi a primeira vez que se viu longe do parceiro e dos filhos desde o início da pandemia. Na ocasião, eles passaram uma semana acampando com um amigo do casal. Além de explicitar a importância da rede de apoio para que esse descanso fosse viável – “nem eu, nem ele teríamos conseguido acampar sozinhos com os pequenos, é muita responsabilidade” –, ela conta do post em seu Instagram em que celebrou as 8 horas de sono que conseguiu, a possibilidade de testar novas receitas na cozinha, de ouvir jazz o dia inteiro ou mesmo de experimentar a delícia do silêncio. Tudo sozinha. “Minha única responsabilidade era comigo mesma. Isso recarregou minhas energias.” Mas alerta: “Gostar da própria companhia é fundamental pro descanso funcionar, ou esse tempo com si mesmo pode atrapalhar ainda mais”.

Milena vê essa distância do outro como uma espécie de nutrição para as relações, e é justamente essa justificativa o cerne da conversa com os filhos quando ela ou o parceiro vão se ausentar por um período. “Quando o afastamento tem essa intenção, em que a pessoa busca se nutrir, deixo muito claro para as crianças: é para que eu seja uma mãe melhor, mais legal, mais descansada e presente.”

De acordo com Tai Castilho, essa reflexão tem fundamento: “A conjugalidade é um compromisso, e tomar certa distância dos conflitos pode ser muito bom, em vez de ficar chafurdado no contexto pantanoso. Sair disso te ajuda a olhar para o contexto por outros ângulos”.

O que fica para os filhos

Ainda que a culpa possa tomar conta dos pais que viajam, trabalham fora e ficam algum tempo longe dos pequenos, não é preciso se desesperar. “O descanso do outro é uma referência fantástica para os filhos, importantíssima. Demonstra autonomia e não deixa a função do cuidado só na mão de um”, explica a terapeuta. Para os relacionamentos amorosos, a distância e o tempo separado também trazem benefícios, como novos assuntos para conversas, mais frequência no diálogo e pode até ser um exercício para a intimidade. “É um combustível novo, uma revisão de quilometragem, que todo carro precisa.”

André Alves fala do temor em ficar sozinho – e o quanto, mesmo com medo, precisamos exercitá-lo. “É um aprendizado muito importante, desde criança, quando entendemos que mamãe foi, mas mamãe volta. E vamos assimilando a transitoriedade e continuidade das relações: o outro vai, mas volta.” Ele explica que essa separação, relevante não apenas para que o bebê entenda que é um ser diferente e independente da mãe, é valioso também para que a cuidadora perceba que o filho não é parte dela.

Ainda que necessário, não é fácil passar um tempo longe, mas Milena Galli compartilha alguns acordos que faz com seus pequenos, e como tenta acolher a frustração que pode chegar, o choro, o medo. “Dá para dialogar e chegar num meio termo. Ir dar tchau na janela, deixar uma peça minha, seja uma roupa ou qualquer objeto, pra quando sentir saudade, fazer um coração desenhado na mão.” E claro, relembrar como o retorno será melhor para todo mundo, depois daquele descanso.

Tempos cansativos e falta de elaboração

Aqui, todo o debate ganha uma camada extra de complexidade, já que somos uma sociedade permeada pelas redes e pelo excesso de notificações, e com pouco espaço para refletir e elaborar sobre as relações inseridas nessa realidade. “Sem querer transferir a culpa para a tecnologia, mas há um custo. Essa história de pensar quanto isso rendeu, quem viu, quem reagiu, quem curtiu, quem comentou, quem não respondeu. Estou o tempo inteiro conversando com as pessoas de alguma forma, e vamos estabelecendo uma psique baseada na notificação, em estado de alerta constante. Isso é cansativo”, afirma o psicanalista.

Para ele, há uma diferença entre cultivar vínculos e tolerar conexões – sendo este último algo que fazemos com bastante frequência em tempos de redes sociais e grupos de WhastApp. “Estamos suportando muito mais conexões do que conseguíamos no passado. Essa coisa de sozinho na multidão é pulsante entre os mais jovens, que experimentam o excesso, muita gente ao redor, conversando com muitas pessoas ao mesmo tempo.” O sufoco e o cansaço, segundo Alves, está na ausência de silêncio. “E não tem remédio pra isso: é basicamente aquietar”, brinca.

Não dá para refletir, ele explica, sem deslocamento ou algum tipo de separação. “A solitude é um pouco disso, um lugar de elaboração, de mergulho em si mesmo, em que preciso suportar o vazio. Aquela coisa do ‘fica sempre aqui, nunca me deixe’ é sufocante, e essas relações precisam desse chega, desse descanso.”