Como identificar que os filhos estão sendo vítimas de cyberbullying
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Como identificar que os filhos estão sendo vítimas de cyberbullying

Especialistas dão dicas comportamentais e de segurança para pais e mães reconhecerem se crianças e adolescentes estão passando por momentos difíceis na internet

Ana Elisa Faria 12 de Maio de 2024

Como identificar que os filhos estão sendo vítimas de cyberbullying

Ana Elisa Faria 12 de Maio de 2024
Isabela Durão

Especialistas dão dicas comportamentais e de segurança para pais e mães reconhecerem se crianças e adolescentes estão passando por momentos difíceis na internet

No mundo digitalizado em que vivemos, as interações online fazem parte do dia a dia de todos e, cada vez mais, das crianças e dos adolescentes. No entanto, nem sempre essa atividade hoje trivial transcorre de maneira segura.

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O cyberbullying, que vem a ser o bullying virtual e é caracterizado pela prática agressiva e, muitas vezes, duradoura, de intimidações e perseguições realizadas em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagens instantâneas, tem se tornado uma preocupante realidade para pais, mães, cuidadores, professores e gestores escolares.

Em 2023, tivemos um recorde de registros em cartório com relatos de bullying e cyberbullying. Foram 121 mil denúncias, uma média de mais de 10 mil por mês, segundo o Colégio Notarial do Brasil, instituição representante dos tabelionatos nacionais. Na categoria de cyberbullying, o país é o segundo com maior número de casos, ficando atrás apenas da Índia.

Em janeiro de 2024, em meio a esse cenário alarmante e crescente, foi sancionada a Lei 14.811, que inclui os crimes de bullying e cyberbullying no Código Penal.

De acordo com o Artigo 146-A, a pena para “intimidar sistematicamente [em ambientes virtuais], individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais” é a “reclusão, de dois anos a quatro anos, além de multa, caso a conduta não constituir um crime mais grave”.

No mês de fevereiro, com a legislação sancionada, houve a primeira condenação por cyberbullying no país, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, um caso que envolveu estudantes de uma escola que mantinham um grupo no WhatsApp e, ali, uma das alunas publicou a imagem da autora do processo, uma menina de dez anos, acompanhada de uma frase pejorativa, o que ocasionou para a jovem ofendida a sua transferência de instituição escolar e o início de um tratamento psicológico. A mãe da autora foi condenada a indenizar em R$ 13 mil a vítima por danos morais.

Diante dessa realidade, Gama conversou com especialistas sobre como identificar que os filhos estão sofrendo com o cyberbullying.

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    Atenção às mudanças comportamentais –
    Irritabilidade, tristeza, braveza, falta de apetite e de concentração, insônia, pesadelos, isolamento social, vergonha de usar as roupas de sempre — e, no lugar, preferir modelos largões, de mangas compridas e com capuz, mesmo no verão —, queda no rendimento escolar, quietude, agitação e constante resistência em ir à escola. Todos esses, juntos ou separados, podem ser sinais de que meninos e meninas, seja na infância ou na adolescência, estão sendo vítimas de algum tipo de bullying virtual. “Se crianças ou adolescentes estão tendo uma desconexão repentina com os afazeres cotidianos ou com as atividades escolares, isso pode ser um indicativo de cyberbullying”, diz Bianca Orrico, doutora em estudos da criança pela Universidade do Minho, em Portugal, e psicóloga do canal de ajuda da SaferNet Brasil. Ela explica que as mudanças comportamentais variam de pessoa para pessoa: às vezes, um jovem conversador fica mais fechado, outro que sempre foi quieto passa a falar bastante. Sheylli Caleffi, pesquisadora e ativista pela proteção de crianças contra a violência sexual e online, fala que sintomas físicos também costumam aparecer, como emagrecimento e ganho de peso. “Muitas vezes, a criança ou o adolescente emagrece demais porque o sofrimento vivido causa uma grande ansiedade que provoca a perda de peso. Pode haver ainda dores físicas causadas pela ansiedade e pela tensão que essas violências virtuais provocam”, resume. As automutilações, segundo Sheylli, assim como reações incomuns a situações do dia a dia, são recorrentes em vítimas de intimidações e perseguições no ambiente virtual. “E, geralmente, a criança tenta esconder isso, ficando cada vez mais isolada. Ela vai sempre usar roupa comprida no calor, por exemplo. É preciso atenção a isso. Aliás, é por esse motivo que muitos professores descobrem que um estudante está se automutilando”, enfatiza.

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    Não encare a escola apenas como o lugar para onde os filhos vão. Ali deve haver uma comunidade –
    A escola é um local crucial na vida dos mais jovens, pois é lá que eles passam boa parte dos dias e pode ser o primeiro lugar onde as diferenças de comportamento são notadas. Sheylli Caleffi ressalta a importância de ver a instituição escolar como parte da comunidade e, além disso, de manter uma relação estreita com ela. Sabemos que a vida corrida, cheia de compromissos de trabalho, de cuidados com a casa e o trânsito, acaba afastando pais e mães da escola dos filhos. Porém, uma participação ativa é essencial para notar questões problemáticas desde o início. Assim, é importante que pelo menos um dos responsáveis esteja presente nos eventos escolares, mantendo a comunicação regular com professores e gestores para entender como a criança ou o adolescente se comporta longe de casa. Sheylli destaca: “A escola tem que ser vista como comunidade, ela não pode ser um lugar para onde os nossos filhos vão. Ela não é uma coisa apartada da nossa casa, é uma continuação. A gente tem que entender que a escola, a praça e o bairro onde os nossos filhos brincam e frequentam são de nossa responsabilidade.” Também é ali que garotos e garotas constroem amizades — ou rompem com elas. E a falta de amigos ou as mudanças radicais no círculo social podem ser indicativos de problemas. “Saber se o seu filho tem amigos ou não ajuda a entender se ele está integrado ou se pode estar sofrendo em silêncio”, observa Sheylli. Ainda, a escola é um grande palco para o bullying que, depois, pode migrar para o online, por meio dos grupos de WhatsApp que as turmas criam para se comunicarem ou pelas redes sociais. “A escola é o lugar do convívio com o diferente, é provavelmente o primeiro ambiente em que a criança ou o adolescente vai conviver com alguém de uma religião diferente, com pessoas que têm um jeito de ver o mundo distinto, com colegas de diversas orientações sexuais. Enfim, isso tudo vai acontecer na escola. E, frequentemente, é nesse encarar das diferenças que o bullying vai ocorrer”, elucida. A psicóloga Bianca Orrico, da SaferNet, salienta que pais e educadores devem ficar de olhos abertos para, além da vítima e do autor ou da autora da violência, quem testemunha os assédios. “Essas pessoas também são impactadas emocionalmente por estarem ali acompanhando tudo”, conta. Da mesma forma, a atenção deve se voltar às crianças e aos adolescentes pretos, de origem asiática, PCDs, LGBTQIAP+ e neurodivergentes, que costumam estar no alvo de agressores. “Especialmente as crianças negras sofrem muita violência no nosso país, bullying presencial e o online também”, relata Sheilly Caleffi.

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    Conheça o universo digital do seu filho –
    Pais e mães precisam entender as plataformas que os rebentos costumam frequentar. Essa ação é fundamental para identificar possíveis riscos e danos à saúde mental dos jovens. Por isso, aprenda a navegar pelos mares virtuais infantojuvenis e oriente-se sobre as configurações de privacidade e segurança, ensinando as crias a usá-las — afinal, elas foram criadas para serem utilizadas. Antes das dicas para se aprofundar nesse universo, uma recomendação: 13 anos é a idade mínima sugerida por grande parte das plataformas, o que, de acordo com vários especialistas, seria o minimamente ideal. O pediatra Daniel Becker, por exemplo, é uma das vozes contrárias à presença dos pequenos nas redes. Para ele, o indicado é 14 anos ou mais. “Tem criança com TikTok. Gente, é inadmissível. É gravíssimo uma criança de cinco, sete, oito anos no TikTok, uma rede social perigosíssima onde se fala de nazismo, de racismo, onde há intolerância de todo tipo. Onde se planeja, se comenta e também se faz apologia a ataques a escolas. E as pessoas deixam crianças no TikTok achando que elas estão vendo videozinho de dancinha. O [uso do] TikTok tem que ser controlado”, alerta o médico em um vídeo. “Acho que com menos de 13, que é o recomendado para uma criança ter uma rede social, ela não deve estar em grupos de WhatsApp ou em qualquer plataforma”, assegura a ativista Sheilly Caleffi. Uma vez que o jovem já está nas redes, as medidas de controle parental, disponibilizadas pelo TikTok, pelo Roblox e pelo Instagram, são úteis para monitorar as interações dos filhos, controlar o tempo de tela e saber quais conteúdos acessam. No guia para pais e responsáveis da plataforma de vídeos e dancinhas, a seção diz: “Nossos recursos de pareamento permitem que os pais vinculem suas contas TikTok às de seus filhos adolescentes para ativar uma variedade de configurações relacionadas a conteúdo, privacidade e bem-estar. Incentivamos pais e responsáveis a discutir os recursos de sincronização com seus adolescentes e explicar a decisão de ativá-los.” Bianca Orrico reforça a importância de conhecer os lugares virtuais frequentados pelos jovens. “É muito importante a gente ter essa literacia digital e aprender a utilizar essas ferramentas.” A partir desse domínio, os pais conseguem fazer a intermediação da experiência dos pequenos com o universo online, uma espécie de peneira, como exemplificou a psicanalista Vera Iaconelli no evento “Ser Criança no Mundo Digital”, promovido pelo Instituto Alana. “Quer dizer, o adulto faz uma membrana permeável entre a criança e o mundo. Porque o que a gente está vendo são crianças sendo colocadas no mundo, porque a internet é um mundo acessível, sem esse tipo de peneira. Então, você vai ter estresse, vai ter informações que são tóxicas para a criança porque não são apropriadas”, afirma. Outra indicação nesse tópico é instruir os filhos a respeito da privacidade. Oriente-os sobre como reconhecer e reportar conteúdos inapropriados ou comportamentos abusivos. Orrico enfatiza: “Ensine as crianças a como denunciar, bloquear um comentário ou bloquear um perfil.”

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    Mantenha um diálogo aberto e constante, além de acordos cristalinos –
    A falta de diálogo pode impedir que os filhos compartilhem suas experiências online — as boas, que também existem, mas sobretudo as prejudiciais que causam toda a sorte de sofrimento. Por isso, é essencial criar momentos de bate-papo, conexão, proximidade e trocas para que os jovens se sintam seguros para falar sobre o que rola nas redes. “É conversar sem tabus sobre tudo”, indica Sheylli Caleffi. “O que vai proteger a criança é informação e conversa.” Ela comenta também que muitos pais simplesmente entregam um celular ao filho e enfatizam que ele não pode quebrar, esquecer ou perder o aparelho, mas não ensinam sobre os riscos online que um celular traz. No livro “A Geração do Quarto: Quando Crianças e Adolescentes nos Ensinam a Amar” (Record, 2022), o professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco e coordenador do Grupo de Estudos de Transdisciplinaridade da Infância e da Juventude Hugo Monteiro Ferreira disserta acerca de questões sobre a saúde mental e emocional dos adolescentes brasileiros, apresentando uma pesquisa que aponta para um quadro de intenso sofrimento dos jovens diante das novas formas de socialização. Ferreira observa que, quando o quarto deixa de ser um local de isolamento salutar próprio da faixa etária e “passa a ser um espaço de proteção das violências que adoeceram a saúde mental do adolescente, como o bullying e o cyberbullying, então essa geração do quarto está doente.” Conforme indica Ferreira, ao invés de “querer arrancar o adolescente do quarto”, os pais devem entrar no cômodo e escutar os filhos para entender a causa do sofrimento. A ativista Sheylli Caleffi compartilha ainda uma outra estratégia para montar acordos de uso com os filhos, estabelecendo regras cristalinas para a navegação na internet, como horários para a utilização de celulares e tablets e regras sobre compartilhamento de informações pessoais. Sheylli sugere que cada família crie o seu próprio acordo de geladeira e disponibiliza um modelo com 17 itens para um uso responsável e saudável da internet, entre eles: “Não compartilhamos informações pessoais de nossa casa (como endereço, onde estudamos ou onde os adultos trabalham)”, “Sabemos que ofensas online podem magoar pessoas seriamente e por isso temos atenção às nossas palavras e conversamos uns com os outros sobre nossos sentimentos” e “Sabemos que cyberbullying além de crime é algo terrível que não queremos viver nem praticar. Buscamos cuidar uns dos outros e também de nossos colegas avisando adultos responsáveis se algo assim acontecer”.

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    Seu filho está sendo vítima de cyberbullying? É preciso agir rapidamente –
    Se você suspeitar que uma criança ou adolescente está sendo vítima de cyberbullying e está em sofrimento, é essencial agir imediatamente para interromper o abuso e apoiá-lo. Por isso, a dica 3 deste texto é tão fundamental. Conhecendo a plataforma, pais, mães e cuidadores vão conseguir atuar mais facilmente e de forma rápida. A preservação de evidências é um dos conselhos. Portanto, salve mensagens, imagens e logs que possam servir como indício do bullying virtual. “Grave todas as provas. Isso é importante para dar materialidade ao conteúdo para que ele possa ser reportado não só às plataformas como também às autoridades competentes”, orienta a psicóloga Bianca Orrico. “Muitas vezes, as crianças e os adolescentes, com receio de que os pais tenham acesso a algum tipo de conteúdo violento ou de abuso, acabam deletando conversas ou o perfil. Então, é muito importante que haja o diálogo de prevenção, no sentido de orientar mesmo”, conclui. Em seguida, informe à plataforma em questão sobre o conteúdo abusivo para que ele seja removido e, caso necessário, envolva autoridades como o Conselho Tutelar, o Ministério Público, por meio do Centro de Apoio Operacional à Criança e ao Adolescente, ou a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente. Bianca recomenda também o canal de denúncias da SaferNet. Por fim, busque ajuda de profissionais capacitados para cuidar da saúde mental do seu filho.