Breaking nas Olimpíadas: a dança de rua no maior evento de esporte do mundo — Gama Revista
Saudade de dançar?
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Semana

Breaking e Olimpíadas: funciona?

A estreia do breaking nas Olimpíadas em 2024 vem regada de incertezas — a dificuldade de transformar uma cultura em esporte regrado, a briga por quem manda e a expectativa em relação a esses novos atletas

Daniel Vila Nova e Manuela Stelzer 12 de Dezembro de 2021
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Breaking e Olimpíadas: funciona?

A estreia do breaking nas Olimpíadas em 2024 vem regada de incertezas — a dificuldade de transformar uma cultura em esporte regrado, a briga por quem manda e a expectativa em relação a esses novos atletas

Daniel Vila Nova e Manuela Stelzer 12 de Dezembro de 2021

Se o skate e o surf foram as grandes novidades dos jogos olímpicos de Tóquio, o breaking será a cereja do bolo da Olimpíada de Paris em 2024. O estilo de dança urbano fará sua estreia enquanto modalidade olímpica na capital francesa, se juntando a outros três esportes — skate, surf e escalada — de forma provisória na programação. Apesar do sucesso dessas outra três modalidades em Tóquio, não há certeza de que elas continuarão no programa olímpico além de Paris. O karatê, por exemplo, fez sua estreia nos Jogos de 2020, mas não retornará para 2024. A adição dessas novas categorias tem como objetivo engajar uma audiência mais jovem nos jogos Olímpicos, um esforço recente do COI (Comitê Olímpico Internacional) que busca modernizar as edições recentes.

Em 2014, o órgão aprovou um documento chamado “Agenda Olímpica 2020″ que além de promover uma série de mudanças, também traçava um plano para o futuro da Olimpíada. Com a aprovação da agenda, o limite de 28 esportes na edição de verão caiu, o que abriu espaço para modalidades provisórias serem adicionadas. “É nesse contexto em que o skate, o surf e o breaking entram na discussão”, afirma Demétrio Vecchioli, autor do blog Olhar Olímpico e jornalista especializado na cobertura de esportes olímpicos. “Esses esportes fazem parte do dia a dia do público, algo que uma prova como pentatlo moderno não faz. A adição deles é uma forma de dialogar de verdade com a juventude.”

Considerado um dos braços do movimento hip hop, o breaking surgiu na década de 70 na periferia dos Estados Unidos. Os movimentos rápidos, os giros sobre a própria cabeça e o deslocamento no chão acompanhavam as batidas dos DJs do Bronx, em Nova York. As batalhas surgem como uma maneira de unir as comunidades negra e latina da região, pacificando disputas territoriais por meio da dança. Ali, B-Boys e B-Girls — alcunhas dadas aos dançarinos — requebravam nas festas de rua da periferia americana e criavam uma cultura que em poucos anos chegaria no restante do mundo.

O breaking desde sempre é muito competitivo. Sempre teve como objetivo a promoção da disciplina e do autoconhecimento

No Brasil, a cultura hip hop desembarca em São Paulo no ano de 1983. Jovens periféricos da capital paulista passaram a se encontrar na região central da cidade, na Rua 24 de Maio e na região da estação São Bento do metrô, para dançar em batalhas. Nos dias de hoje, uma pedra de granito, conhecida como Marco Zero do Hip Hop, está localizada na esquina da Rua 24 de maio com a Praça Dom José de Barros e registra os nomes dos precursores do movimento.

O apelido de José Ricardo Freitas Gonçalves, Rooneyoyo O Guardião, está marcado não só na pedra, como na história do breaking brasileiro. Ele, que dançou em 1983 na 24 de Maio, hoje é presidente da CBRB (Confederação Brasileira de Breaking) e auxilia as federações estaduais na promoção e organização de eventos da modalidade no país. “O breaking desde sempre é muito competitivo”, afirma Rooneyoyo. “Ele vem desse movimento de disputa territorial, mas sempre teve como objetivo a promoção da disciplina e do autoconhecimento. Nesse sentido, sempre foi algo bem similar a um esporte.”

O breaking é a grande novidade dos próximos jogos olímpicos, mas isso não significa que não haja percalços no caminho até 2024. A dificuldade de transformar uma cultura em um esporte regrado, uma briga política entre os órgãos responsáveis pela modalidade e a atuação do Brasil no cenário internacional criam uma realidade de incerteza para a dança urbana no país. Gama investiga qual é o futuro do breaking.

Nos Jogos de Paris, o breaking utilizará um sistema holístico de pontuação dividido em três categorias: mente, corpo e alma — na foto, as B-girls Naira Sales e Emily Pimenta  Fotos Willian Machado

Breaking é compromisso

“O breaking é, antes de um esporte competitivo, uma cultura” afirma o jornalista Demétrio Vecchioli. Para ele, a grande dificuldade da modalidade é se adaptar ao formato mais “quadrado” dos Jogos Olímpicos sem perder sua essência. Um processo similar foi enfrentado pelo surfe e pelo skate nos jogos de Tóquio. “O skate teve de instituir treinadores, por exemplo. É preciso definir uma seleção, um corpo técnico, quais formas de apoio esses atletas terão, quais serão os objetivos nos jogos, quais as competições eles devem participar, como funcionará o calendário.” Para o jornalista, essa transformação de cultura para modalidade olímpica não é fácil e não serão todos os atletas e órgãos que conseguirão se adaptar.

“A cultura hip hop já tinha uma organização própria. Ela não era olímpica, mas existia”, explica José Bispo de Assis, o Bispo SB, diretor-técnico do CNDD (Conselho Nacional de Dança Desportiva). O medo com a entrada nas olimpíadas, segundo Bispo, era de que a cultura hip hop fosse apagada e que a dança se tornasse algo robótico. “Hoje, entendo a modalidade olímpica como um recorte. Há a dimensão da dança, a dimensão da cultura e, agora, a dimensão dos Jogos Olímpicos.”

Os dançarinos terão de ser atletas também. A postura desses B-boys e dessas B-girls terá de mudar, se tornar mais profissional

“Qualquer esporte que se torna olímpico muda de nível”, diz Marcelo Rebello, um dos responsáveis pelo Breaking World, portal de notícias especializado na cena do breaking brasileiro. “Você acaba gerando mais atenção e mais público, se torna uma grande vitrine para o mundo.” De acordo com Rebello, a principal mudança com o status olímpico será nos treinamentos dos B-boys e das B-girls. “Antes, era só chegar nas competições e mostrar o que sabia. Na Olimpíada, para chegar no alto rendimento de países como EUA, França e Japão, será necessário muita preparação física e mental.”

Para Luciana Mazza, fundadora do portal Breaking World, os Jogos Olímpicos exigirão uma completude nos movimentos de B-boys e B-girls, do Top Rock — movimento de entrada dos dançarinos — ao Power Move — o elemento mais dinâmico da coreografia. “Os dançarinos terão de ser atletas também. A postura desses B-boys e dessas B-girls terá de mudar, se tornar mais profissional”, afirma Mazza.

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Top Rock, movimento de entrada dos dançarinos  

“As regras dos Jogos Olímpicos serão diferentes das competições culturais que víamos até então”, relata Rebello. De acordo com ele, a dinâmica da batalha e da competição olímpica será completamente diferente. “Na batalha, um dançarino afronta o outro. Você só não pode tocar no outro, mas o objetivo é mexer com o emocional do atleta. Nas Olimpíadas, isso sequer será possível, os oponentes não dividirão o mesmo espaço.”

Para os futuros jogos de Paris, a modalidade adotou um sistema de pontuação holístico criado por duas lendas do breaking — Niels “Storm” Robitzky, da Alemanha, e Kevin “Renegade” Gopi, da Grã Bretanha. “Eles pegaram tudo o que é feito na dança e transformaram em um sistema que é dividido em três categorias: mind, body e soul. Pela primeira vez, teremos um sistema único de julgamento ao redor do mundo”, afirma Bispo.

A categoria “body” engloba as características físicas e julga a técnica e a variedade de movimentos dos atletas, a “mind” engloba as características artísticas e julga a criatividade e a personalidade de cada dançarino, já a “soul” lida com as características interpretativas e julga a performance e a musicalidade dos atletas. “O mais importante é que esse sistema é de fácil entendimento para o leigo. Assim, é possível bater o olho na TV e entender o que está sendo julgado.”

Mazza acredita que o ideal é que os B-boys e as B-girls que queiram vencer os Jogos joguem com o regulamento no bolso. “Vai haver uma série de movimentos, passos e sequências obrigatórias. Não é como uma batalha, onde essa liberdade de decisão é um ponto crucial para se vencer.”

Durante os jogos de Tóquio, as notas do surf e do skate se tornaram grandes polêmicas entre os brasileiros. Assim como no breaking, ambas modalidades têm notas subjetivas que são avaliadas a partir de alguns critérios pré-estabelecidos. “Há um manual de como se dar uma nota”, relata Vecchioli. “A padronização existe, mas por serem critérios subjetivos há sempre um debate. Só que, com o padrão estabelecido, é possível entender quem foi melhor, quem ganhou e quem perdeu.”

E o Brasil?

Quem entende de breaking se diz apreensivo sobre o futuro da equipe brasileira nas Olimpíadas. É o que dizem Luciana Mazza e Marcelo Rebello, editora e colunista do portal Breaking World: “São apenas 16 B-boys e B-girls do mundo inteiro, e há uma vaga para a América. Se continuar assim, o Brasil vai disputar essa vaga com Estados Unidos, Canadá, Venezuela, Colômbia, que têm dançarinos de alto nível”. Segundo eles, os EUA fazem um trabalho de base com seus atletas desde que foi anunciada a possibilidade do breaking se tornar uma modalidade olímpica. “Aqui, teve muita discussão e pouca ação.”

O jornalista Demétrio Vecchioli também aponta para a situação complicada no país, já que o orçamento e organização do breaking como modalidade olímpica ficou nas mãos do CNDD. “Eles manjam de salsa, não de breaking, que é completamente diferente. Aconteceu algo similar quando o skate entrou como modalidade, que foi pela Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação (CBHP)”, explica. “Mas aí tinha um Bob Burnquist que bateu de frente, organizou um boicote, e passou para a Confederação Brasileira de Skate (CBSk). Já o breaking, no Brasil, não tem um Bob Burnquist.” O skatista, na época presidente da CBSk, não concordava em deixar a modalidade no comando da CBHP. Com todo o peso de seu nome, conseguiu colocar o skate à cargo da sua confederação.

O país ainda precisa de campeonatos, agenda e calendário de competições para que o breaking possa ser considerado uma modalidade profissional

Além da crise das confederações e pouca organização, Vecchioli diz que o país ainda precisa de campeonatos, agenda e calendário de competições para que o breaking possa ser considerado, de fato, uma modalidade profissional. “É tudo muito desestruturado. E sem estruturação você não tem profissionalismo.”

Inevitavelmente, integrar a dança urbana aos Jogos Olímpicos é um passo importantíssimo para o reconhecimento da cultura hip hop como um todo. Se o breaking seguir os mesmos passos do skate, veremos muitas crianças em busca de aulas da modalidade — isto é, se o Brasil tiver uma participação ativa e interessante. “Só veremos isso acontecer se tivermos resultado, ou vamos continuar na mesma, só que o breaking vai ter um verniz oficial”, conta o jornalista. “Por exemplo, outras modalidades, como o BMX freestyle, de manobra em cima da bicicleta, ou a escalada, também entraram como modalidades novas nos jogos, mas o Brasil não foi relevante como no skate.”

Ainda há bastante incerteza sobre os atletas que irão disputar as Olimpíadas — e se algum brasileiro irá. Mas alguns nomes fizeram barulho no universo do hip hop. Entre eles, o B-boy cearense Bart, que já foi campeão em uma competição que pode ser equiparada com um mundial da modalidade. Também Itsa, de Minas Gerais, um dançarino que se reconhece do gênero masculino mas compete com o feminino. O B-boy Luan San ficou em quarto lugar no campeonato mundial breaking na França, há poucos dias. E talvez o mais aclamado nas redes, o paranaense Neguin, que foi o primeiro latino-americano a vencer o Red Bull BC One, maior campeonato de breaking do mundo, em 2010. Outros nomes como do B-boy Soneca e da B-girl Angel do Brasil também prometem grande representação, mas ainda são dúvidas para os jogos pela pouca idade.

O B-boy Luan San, que ficou em quarto lugar no campeonato mundial breaking na França em 2021  

A entrada no breaking nas Olimpíadas também coloca em xeque as grandes estrelas do esporte, como de certa forma aconteceu com o skate. “Nos jogos, o skate park tinha um ball maior do que o tradicional, muitos não conseguiram se adaptar. No street, os corrimões eram mais altos do que os tradicionais. Isso mudou quem é bom e quem é ruim. Não sei até que ponto o breaking pode passar por isso. É difícil saber quem vai vingar”, finaliza Demétrio Vecchioli. Já José Bispo, do setor de breaking no CNDD, se diz otimista depois da atuação dos brasileiros, como Luan San, no mais recente mundial de breaking, na França. “Às vezes achamos que, por sermos do Brasil, estamos desorganizados. Mas, no meio de toda a confusão da pandemia, somos uma das confederações que mais está correndo atrás do que é certo.”

No cenário mundial, o breaking brasileiro se destaca pela musicalidade e criatividade dos B-boys e B-girls — na foto, o B-boy Jhonathan Miranda  Foto Willian Machado

Quem regula o breaking?

Se os paralelos entre o skate e o breaking são abundantes, a briga política pelo controle da modalidade no âmbito olímpico também se faz presente em ambos os esportes. Na preparação para a Olimpíada de 2020, o COI apontou a Firs (Federação Internacional de Desportos sobre Patins) como organizadora do skate em Tóquio. O problema é que a Firs historicamente cuida da patinação e do hóquei sobre patins, não do skate, fato que desagradou boa parte dos skatistas.

No breaking, o cenário é parecido. A WDSF (World DanceSports Federation) foi escolhida pelo COI como a responsável pela dança de rua. No país, a federação escolhida para representar o breaking foi o CNDD (Conselho Nacional de Dança Desportiva). Até o final de 2020, o CNDD, que antes se chamava Conselho Nacional de Dança Desportiva e de Salão, não tinha organizado uma competição de breaking. “Você está pegando dirigentes que são da dança tradicional e que não tem nenhum conhecimento sobre o breaking e entregando para eles a organização e o orçamento da modalidade”, realça Vecchioli.

No começo de 2021, o B-boy Bispo SB, também conhecido como José Bispo de Assis, assumiu a diretoria do breaking no CNDD. Segundo ele, a ideia da entidade não é cuidar da parte cultural da dança, mas somente do esporte enquanto modalidade olímpica. “Nossa comissão é formada por diversos membros que fazem parte da cena de breaking desde o começo”, afirma Bispo.

“O hip hop leva autoestima para as pessoas, por meio dele nós salvamos vidas. Ele precisa ser cuidado de maneira responsável”, afirma o presidente da CBRB (Confederação Brasileira de Breaking) Rooneyoyo. A entidade foi fundada em 2017 e alega ter legitimidade para atuar como responsável pela modalidade olímpica no Brasil. Desde 1999, Rooneyoyo organiza a “Batalha Final”, a primeira competição de breaking da América Latina e uma das mais tradicionais do país. De acordo com ele, o mundo do breaking não estava juridicamente preparado para se estruturar como modalidade olímpica quando o anúncio da adição da modalidade foi feito em 2016. “Pode até ser que consiga um bom resultado em Paris, mas não é só a medalha que interessa. O que tem que importar é o que você faz com a cultura do breaking no país.”