Diretora da Globo faz um panorama da comédia da TV hoje
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Foto: Globo/João Cotta. Ilustração: Isabela Durão

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Depoimento

Patricia Pedrosa: "Quanto mais dura a realidade, maior é a busca pelo humor"

Diretora da Globo fala a Gama sobre rir com o outro e não do outro e aponta os caminhos para o sucesso de uma comédia

Ana Elisa Faria 26 de Maio de 2024

Patricia Pedrosa: “Quanto mais dura a realidade, maior é a busca pelo humor”

Ana Elisa Faria 26 de Maio de 2024
Foto: Globo/João Cotta. Ilustração: Isabela Durão

Diretora da Globo fala a Gama sobre rir com o outro e não do outro e aponta os caminhos para o sucesso de uma comédia

Diversidade, originalidade e brasilidade são as qualidades essenciais para que uma obra cômica faça sucesso com o público do país hoje em dia. Pelo menos, é nessa tríade que Patricia Pedrosa, 40, diretora de humor na Globo, aposta quando analisa um projeto do tipo.

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Formada em cinema pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e em artes cênicas pela CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), ela cursava música na Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) quando ingressou na emissora como estagiária.

O ano era 2007 e, de lá para cá, já dirigiu programas como “A Grande Família” (2014), “Chapa Quente” (2014) e “Mister Brau” (2015–2018), além de ter assinado a direção artística das séries “Cine Holliúdy” (2019), “Shippados” (2019) e “Todas as Mulheres do Mundo” (2020).

Agora, Pedrosa comanda os humorísticos da TV e do Globoplay, em uma nova tentativa de alavancar o humor na casa, que ganhou um peso extra no pós-pandemia com a criação de uma área independente de humor, que antes era um núcleo dentro de dramaturgia.

“Os projetos se dividiam entre dramaturgia, variedades, realities, e o núcleo de humor respondia ao gênero dramaturgia. Quando Amauri Soares, diretor dos Estúdios Globo, cria um gênero [um departamento de humor na emissora, em julho de 2023], ele aponta a importância que o humor tem para a Globo e para os brasileiros”, diz.

Foi a partir dos tempos pandêmicos, conforme conta, que as pessoas passaram a buscar conteúdos mais leves e escapistas, uma vez que a vida real estava entregando uma alta carga de drama, tragédia e terror.

“Quanto mais dura a realidade, maior é a busca pelo humor. A criação do gênero foi uma resposta a esse movimento da sociedade”, comenta a diretora, que tem duas grandes estreias à vista — ainda sem datas marcadas —, “Tô Nessa”, uma sitcom de auditório protagonizada por Regina Casé, com texto de Jorge Furtado, e “Pablo e Luisão”, uma criação de Paulo Vieira, que nasceu das histórias sobre o pai e um amigo contadas pelo humorista no antigo Twitter.

Em entrevista a Gama, por e-mail, Pedrosa traça um panorama da comédia atual no Brasil, a partir de temas como representatividade, diversidade, redes sociais e limites do que faz rir e de quem se ri. Leia abaixo.

A representatividade vem ocupando seu lugar nas narrativas, e é nesse humor diverso que nós apostamos

O peso do humor hoje na TV brasileira

“Acredito que a criação do gênero [de um departamento independente de humor na TV], em julho de 2023, simbolize o peso que o humor tem na televisão. Antes da pandemia, os projetos se dividiam em dramaturgia, variedades, realities, e o próprio núcleo de humor respondia à dramaturgia. Quando Amauri Soares, diretor dos Estúdios Globo, cria um gênero, ele aponta a importância que o humor tem para a Globo e para os brasileiros. A partir da pandemia, as pessoas começaram a buscar conteúdos mais leves e escapistas. A vida real já estava entregando uma alta carga de drama, tragédia e terror. Quanto mais dura a realidade, maior é a busca pelo humor. A criação [do departamento] foi uma resposta a esse movimento da sociedade.”

A receita do humor brasileiro de sucesso

“Se tem algo que nós aprendemos quando trabalhamos com humor é que não existe receita, não existe formato. Existem boas histórias e conteúdos relevantes que dialoguem diretamente com os anseios do nosso público. Grupo, esse, absolutamente plural, com diferentes demandas e gostos, transitando com naturalidade por múltiplas plataformas. Não abrimos mão de algumas premissas, como a diversidade, a originalidade e a brasilidade. Se houvesse uma receita, acredito que ela começaria por aí.”

O humor que dá certo hoje em dia

“Há temáticas universais e que não perdem o seu lugar, como as discussões em torno do cotidiano e das dinâmicas familiares. Há o renascimento de formatos e suas atualizações, como podemos ver nas novas comédias românticas. As séries híbridas, que mesclam comédia com ação, drama e/ou terror também são uma tendência atual, assim como os revivals, que vêm respondendo a uma demanda nostálgica do público. A maioria dos projetos que recebemos, desde a criação do Portal do Humor [hotsite exclusivo para roteiristas, divulgado em festivais e em eventos voltados para pessoas do segmento submeterem seus projetos], dá voz a grupos que antes não tinham espaço. A representatividade vem ocupando seu lugar nas narrativas audiovisuais, e é nesse humor diverso que nós apostamos.”

Sem dúvida as redes sociais se mostraram uma ótima vitrine para humoristas de todos os cantos do Brasil e do mundo

Como reconhecer um bom projeto

“Tenho algumas análises que me levam às minhas apostas. Algumas mais técnicas, outras mais subjetivas. Mas também há bastante estudo para entender nosso público: suas demandas, o cenário, o momento. E tudo isso é levado em conta na hora de investir em um novo projeto.”

Onde estão os novos humoristas

“Sem dúvida, as redes sociais se mostraram uma ótima vitrine para humoristas de todos os cantos do Brasil — e do mundo. É preciso somente entender que os caminhos não são tão simples como parecem ser. Muitas vezes, o que funciona para um não performa bem no outro. Nós seguimos buscando nossos humoristas em todos os cantos do Brasil e temos ferramentas para isso. Temos as afiliadas, temos nosso Portal do Humor e estamos criando projetos desenhados especificamente para valorizar a diversidade e a regionalidade dos nossos talentos.”

Competição com as redes sociais

“O humor, assim como qualquer conteúdo nas redes sociais, tem um detalhe: o algoritmo. Na TV, falamos para milhões de pessoas ao mesmo tempo e sem dúvidas é um desafio fazer humor para as massas no mundo dos nichos. Minha aposta segue sendo nas boas histórias, no humor de identificação, em projetos que façam o espectador mergulhar num conteúdo de qualidade, esquecendo que tem um celular ao alcance das mãos.”

É um desafio fazer humor para as massas no mundo dos nichos

A mulher no humor

“Não podemos negar que o protagonismo da mulher em diversos setores da sociedade sempre foi apagado e não é de hoje que elas lutam para que esse cenário mude. No humor, assim como na Globo, nós temos um compromisso firmado com a diversidade e as questões de gênero são uma das prioridades dessa agenda.”

Os limites das piadas

“O limite do humor é subjetivo, mas existe. Eu costumo dizer que uma premissa importante do humor é rir com o outro e não do outro; e também que todo humor é político, e se você quer falar sério, fale por meio do humor. Ele pode, sim, ter uma função social de trazer temas para a reflexão de forma divertida, e isso é um caminho a ser perseguido. E enquanto faz isso, está a serviço da sociedade, trazendo temas importantes da atualidade para o debate, conscientizando, informando a população e fomentando conhecimento.”