Qual Copa do Mundo te marcou mais? — Gama Revista
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Qual Copa do Mundo te marcou mais?

Espectadores ávidos da competição contam a Gama histórias afetivas, cômicas e inesquecíveis de Copas passadas

Andressa Algave 20 de Novembro de 2022

Qual Copa do Mundo te marcou mais?

Andressa Algave 20 de Novembro de 2022

Espectadores ávidos da competição contam a Gama histórias afetivas, cômicas e inesquecíveis de Copas passadas

A competição é sempre um evento histórico e inspira tradições semelhantes nas gerações seguintes. Reunir-se com a família e amigos em bares, casas ou nas ruas, usar adereços e até criar pequenos rituais pela vitória da seleção são atividades comuns para os envolvidos com esse esporte que não perde o posto de paixão nacional. Compartilhar gritos, lágrimas e o nervosismo nos jogos se tornou uma experiência coletiva de torcedores de todo o país desde a primeira edição do evento esportivo, em 1930.

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Este ano, com a Copa do Catar se aproximando, não deve ser diferente: o álbum da Copa foi febre entre crianças e adultos e a nova versão da camisa da seleção, com uma estampa de onça pintada, incorporou características cheias de brasilidade. E a temática do verde e amarelo, apesar de sua recente interpretação partidária, chegou com força até na moda: é o caso do “braziliancore”, tendência internacional que gira em torno da estética das nossas camisetas da seleção.

A seguir, reunimos nomes como Milly Lacombe, Douglas Belchior e Janaína Rueda para contarem histórias sobre as edições mais marcantes de suas vidas. Vale também como um convite pra você lembrar daquela Copa presente em sua memória.

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    Douglas Belchior, professor de História e ativista do Movimento Negro

    “A Copa de 1986 é a que eu tenho a primeira lembrança. Eu tinha 7 anos e morava na Vila Romana, um bairro muito pobre na divisa de Poá com Ferraz de Vasconcelos, saindo da Zona Oeste de São Paulo. Eu morava com meu pai, seu Mineiro, Vandico Belchior; minha mãe Elza Maria, meus irmãos Vanessa e Cleiton em uma casa de dois cômodos. Me lembro de uma tarde que o jogo seria Brasil e França. Sempre gostei muito de futebol e a impressão que dá é que antigamente o clima de Copa do Mundo era mais efervescente. A impressão que tenho é que as pessoas participavam mais e havia uma paixão que parece não haver hoje, não como antes. Naquele clima, com as ruas pintadas de verde e amarelo, os vizinhos se organizavam para amarrar bandeirinhas e pintavam os muros. A minha família era muito pobre, a televisão era em preto e branco. Me lembro de estar no quarto, sentado na cama assistindo jogo, o jogo acaba, o Brasil perde. Me levanto e vou para fora enxugar minhas lágrimas na toalha no varal naquele pequeno quintal. Eu me lembro dessa cena como se fosse hoje. A tristeza pela derrota naquela Copa de 86.”

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    Milly Lacombe, escritora e colunista da Trip e do UOL

    “Em 1982, eu tinha 15 anos. Foi a primeira Copa do Mundo que vi longe do meu pai. Tenho memórias da Copa de 70, muito em flashes, mas lembro de comemorar o título na rua ao lado meu pai. Lembro de ver aquele quarto gol contra a Itália inúmeras vezes, para mim é até hoje o gol mais bonito que a história do futebol mundial já produziu. Lembro de 74, da dor que foi, mas uma dor ainda muito infantil, também ao lado do meu pai. E lembro de 78, ainda com meu pai do lado. Como foi revoltante ver aquele jogo com a goleada da Argentina.

    Em 82, tive a primeira Copa emancipada da minha vida, que vi com amigos e amigas no litoral de São Paulo. Tinha 15 anos e a certeza de que iríamos ganhar, não havia melhor time no mundo do que do Brasil. Lembro do que sentia vendo os jogadores em campo, a camisa amarela e como aquilo me dava orgulho. Quando o Brasil foi eliminado, a dor que senti foi uma dessas inaugurais na vida. Foi a primeira dor adulta, a que posso dizer que senti como mulher e não como criança, embora ainda fosse. Inaugurou um lugar para acomodar dores futuras. As outras dores, de Copas passadas, não atingiram essa dimensão de sofrimento. De um jeito bonito mas estranho, lembro dessa Copa de 82 com muito carinho. Ela me fez entender que há derrotas que a gente pode sentir de peito aberto. Há dores e tristezas que podemos acolher com orgulho. Há cicatrizes que formam caráter. Todas formam, mas precisamos saber transformá-las em um caráter de qualidade. 

    A derrota de 82 foi a mais bonita, hoje sei disso. Foi a Copa da minha vida e tenho o maior orgulho daquela seleção, de como jogamos e não abrimos mão da nossa cultura futebolística para ganhar de qualquer jeito, para acomodar interesses outros. A de 94 não comemorei muito, a de 98 não doeu tanto, fui me afastando um pouco da seleção. Mas a de 82 e eu vamos juntas até o último dia da minha vida.”

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    Gustavo Mayrink, jornalista e publicitário

    “Uma das copas que mais me marcou foi a de 82, que aconteceu na Espanha. Eu tinha 7 anos na época, tinha acabado de entrar em um colégio novo, então tudo era uma grande novidade. O fato de poder sair da escola durante os jogos do Brasil para assistir em casa com meus pais e amigos me deixava ainda mais excitado. Quando eu ligava a TV, o que mais me chamava a atenção não eram só as jogadas dos brasileiros, era a arquibancada. Eu via que a arquibancada estava sempre com muito sol, as pessoas estavam bronzeadas, felizes e sorrindo. Era de fato uma copa solar, ao contrário das imagens que eu tinha na minha cabeça, que vinham das copas de 78, de 74 [que aconteceram na Argentina e na Alemanha Ocidental], com exceção da copa do México, de 70, que também foi ensolarada. Quando mostravam a torcida do Brasil, a festa então era ainda maior. Era uma espécie de carnaval de rua com samba, festa popular e um pouco de uma aura de boteco que tem em cada esquina do Brasil. Era uma festa só.

    O jogo mais marcante foi contra a Itália. A gente se preparou para ver em família, fizemos uma macarronada e começamos a assistir. Porém a minha família tem ascendência italiana, e conforme o jogo ia ficando complicado, a gente entrava em um conflito familiar e hereditário, “será que nossos laços italianos estão impedindo o Brasil de ganhar?” E os adultos saíram pela casa escondendo ou jogando fora lembranças, presentes, objetos que tinham vindo da Itália. O primeiro foi uma meia da minha irmã, depois uma jaqueta do meu primo, um gorro de outro primo, um brinquedo, enfim. Tudo o que remetia à Itália em casa foi escondido, jogado fora, amaldiçoado. Até uma hora que alguém falou ‘cancela a macarronada, descongela a feijoada e vamos comer alguma coisa brasileira!’. E assim, foi. Mas foi insuficiente para o Brasil ganhar. Por um misto de frustração com decepção e ironia com resignação, foi a primeira vez que eu entendi o que era uma derrota coletiva, um sentimento que depois ainda experimentaria por muitas vezes. Em especial dois anos depois, quando meus pais me levaram em um comício das diretas e depois me contaram que aquilo não tinha valido para nada.”

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    Pedro Borges, editor-chefe do Alma Preta

    “A Copa que tenho mais memória é a de 2002. Eu era muito pequeno, tinha 11 anos. Lembro de acordar cedo, bem na madrugada [por causa da diferença de fuso, já que o evento aconteceu no Japão e Coréia do Sul]. Comemorava muito os gols do Brasil. Existia uma desconfiança de que não fossemos ganhar, que não fosse um time tão bom, e não se sabia muito bem como estaria a condição do Ronaldo Fenômeno. Houve todo aquele drama em torno do Romário [o jogador teve um atrito com o técnico da época, Luiz Felipe Scolari, após questionar o processo de escalação], e lembro que fiquei me perguntando por que ele não foi. Fiquei desconfiado, como todas as pessoas, sobre a recuperação do Ronaldo após a lesão no joelho. Lembro de acompanhar os jogos e muito da final, especificamente. Não lembro se era um sábado ou domingo de manhã, mas acompanhei com a minha mãe, meu pai e meu irmão. Morava em uma região da periferia de São Paulo, na Zona Norte. 

    Quando o Brasil ganhou [de 2 a 0 contra a Alemanha], experimentei uma das festas mais marcantes da minha vida. Eram pessoas caminhando naquelas caçambas de caminhão, ônibus lotados, parecia que eram vários times de várzea indo para cima e para baixo. Mas na verdade era todo mundo torcendo pelo mesmo time – a seleção brasileira. Queria eu ser mais velho e poder comemorar a vitória da Copa indo para um bar com os amigos, fazendo churrasco. Não tive essa possibilidade, mas é uma memória afetiva muito gostosa que tenho e espero poder repetir este ano. Havia um senso de comunidade ali. Lembro de andar pelas ruas, todas pintadas de verde e amarelo. A comemoração foi pela manhã e mesmo assim já tinha muito barulho, fogos de artifício.”

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    Janaina Rueda, chef do A Casa do Porco e do Bar da Dona Onça

    “A Croácia estava em alta na época da Copa de 2014, que aconteceu no Brasil, e de repente chegou uma galera no Bar da Dona Onça. Só homens, todos com pinta de atleta, cara de jogador. Uns 18 mais ou menos. Todos estavam com a camiseta da Croácia. Eu estava na cozinha e virou um alvoroço porque alguém disse que era a seleção da Croácia que estava dentro do bar e um jornalista passando na rua olhou e também achou que era. Todo mundo falando pra gente que era, tirando foto com a seleção da Croácia e eu achei aquilo muito estranho. Desci da cozinha, olhei e pensei “ué, cadê o técnico e a comissão?”. Eles falando em croata, dizendo que eram jogadores, achei estranho saírem sem a equipe técnica. E no fim era mesmo mentira. Na época até saiu matéria, foi muito engraçado.”

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    Diego Matos, curador-chefe do Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia (MuBE)

    “Me marcou a Copa de 1986. Foi a primeira Copa do Mundo em que eu fiz um álbum de figurinhas, que é algo que tá muito marcado na infância de muita gente naquele momento. Foi a Copa que Maradona fincava seu nome como o maior do mundo. E para um criança ter o nome Diego, era algo que significava muito.

    Ali, naquela edição, a gente morava na Suécia, eu e meus pais. Eu tenho uma relação muito forte com a ideia de memória musical, e naquela época a Gal gravou o tema da Copa de 1986, era uma música chamada “70 Neles”. Ela gravou como incentivo à Copa do Mundo, ela era a grande cantora brasileira naquele momento de início dos trabalhos de redemocratização. Eu me lembro que era verão e a gente assistia aos jogos da Copa do Mundo até tarde da noite, terminavam por volta de 22h.

    Essa Copa me deu meu ídolo do futebol, que se chamava Careca. Nas quartas de final eu lembro que teve um gol lindo de uma triangulação entre Júnior, Careca e Muller, e o Careca fez o gol em um jogo contra a França. Eu lembro da euforia dos meus pais com aquele gol. A gente já estava há quase três anos fora do Brasil, e naquela época não tinha como ir, voltar, passear e retornar. Até que a França empata, e ao mesmo tempo que eu tenho o meu maior ídolo do futebol brasileiro ali, o Careca, eu acabo tendo a minha maior decepção no futebol, o Zico perde o pênalti [que resultou na eliminação do Brasil].

    Foi uma das primeiras vezes que eu tomei consciência de uma tristeza no meu pai. Lembro do choro dele, e foi o ano que eu até questionei por que ele estava fumando. Com a Copa de 86, ele voltou a fumar. Ao mesmo tempo, acho que foi minha primeira decepção, aquele sentimento de perda pela primeira vez. Por isso que detesto toda vez que o Brasil vai jogar com a França. Tenho essa imagem muito forte daquele momento, aquela primeira decepção na vida com o Brasil perdendo o jogo. Até hoje é um jogo que eu revejo no YouTube em várias situações.”