O futuro da música brasileira é feminino? — Gama Revista
Qual o futuro da música pop brasileira?
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Isabela Durão

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Depoimento

O futuro da música brasileira é feminino?

Elas sempre ocuparam parte importante da música do país, seja no palco ou nos bastidores. Mas o que falta para que esse reconhecimento aconteça nas diferentes esferas? Especialistas respondem

Isabelle Moreira Lima 01 de Outubro de 2023
Isabela Durão

O futuro da música brasileira é feminino?

Elas sempre ocuparam parte importante da música do país, seja no palco ou nos bastidores. Mas o que falta para que esse reconhecimento aconteça nas diferentes esferas? Especialistas respondem

Isabelle Moreira Lima 01 de Outubro de 2023

O futuro da música brasileira pode até ser feminino, mas elas que lutem. E muito! Se já temos artistas de peso fazendo barulho em premiações internacionais como Anitta, as talentosas instrumentistas que deixam suas marcas em álbuns e shows ainda são desconhecidas do grande público. Nos números, se temos recordes de plays para uma cantora mulher como Luísa Sonza, ainda são míseros 9% os direitos autorais pagos a mulheres. Nos festivais, elas atraem público e atenção, mas nem são sempre headliners.

Essa síntese sobre ser preciso lutar no presente para ter este futuro feminino é fruto da análise de especialistas em música ouvidos pela Gama. Abaixo, você lê o que elas e eles respondem sobre os próximos anos da música brasileira.

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    “Não sei se o futuro é feminino, mas acho que é tudo, menos masculino”

    Dora Guerra, jornalista musical, crítica e pesquisadora de cultura pop com atuação no Estadão e no podcast da Popload. Autora da newsletter Semibreve

    “O presente da música brasileira já é, de certa forma, feminino (mas muita coisa no meio do caminho não é). Mulheres estão nos palcos há muito tempo e agora elas praticamente dominam o discurso. As composições delas estão circulando muito mais, até nos ambientes mais improváveis, feito o sertanejo.

    Falo do presente porque a parte masculina, hétero, branca da música já não está na vanguarda das coisas há um tempo – no mainstream, inclusive. Acho que eles já dominaram a narrativa por muitas décadas e é difícil achar algo inovador e de interesse geral no que a parte dominante da sociedade tem a dizer. Geralmente.

    Mas a música brasileira não é feita só das artistas na mídia. É composta por muita gente nesse caminho. Ainda tem as instrumentistas que não aparecem, falta mulher por trás dos palcos… E ainda precisamos de uma imprensa mais feminina, ou menos machista.

    Talvez isso esteja, sim, no futuro. Difícil falar do futuro, né? Às vezes ele dá uns passos pra trás na gente. Não sei se o futuro é feminino, mas acho que é tudo, menos masculino.”

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    “A presença feminina na música brasileira sempre foi definidora, desde Chiquinha Gonzaga”

    Leonardo Lichote, jornalista e crítico musical, colaborador da Folha de S.Paulo e da Piauí

    “Há algumas maneiras de se responder essa pergunta. Por um lado, a presença feminina na música brasileira sempre foi definidora, desde Chiquinha Gonzaga, passando pelas cantoras da Era de Ouro, da geração dos festivais e posteriores, as compositoras que se tornaram cada vez mais constantes com o passar das décadas… E não há porque acreditar que essa presença vai deixar de existir ou mesmo perder importância.

    Se formos mais fundo na pergunta, porém, a gente chega numa questão que está para além da música mas que se reflete nela. A ideia de masculino, como a conhecemos, está em franca falência. Enquanto não se reconstrói um masculino mais afinado com estes tempos e os futuros, é a solidez do feminino que deve assumir o protagonismo. Isso já aparece na força de figuras como Anitta, artista e gestora de sua carreira; na presença das mulheres no sertanejo, antes residual hoje central; na predominância de cantoras-compositoras no cenário feminino da MPB-indie (Tulipa Ruiz, Céu, entre outras). As bandeiras estão fincadas.”

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    “Nos festivais nacionais, elas não são maioria entre os headliners”

    Bruna Bittencourt, editora de cultura da ELLE Brasil

    “Acho que o futuro da música é promissoramente feminino, mas ainda falta um tanto. Apesar da longa tradição de intérpretes femininas na MPB, nesta semana, por exemplo, há apenas uma mulher nas dez primeiras posições no top 50 Spotify Brasil: Ana Castela, e em uma parceria com Gusttavo Lima. No ranking da Billboard, ela ganha a companhia de Luísa Sonza. E as mulheres representaram míseros 9% do total distribuído em direitos autorais ao longo de 2022, segundo a União Brasileira de Compositores.

    Experimente dar um giro pelos line-up dos principais festivais nacionais deste 2023: elas não são maioria entre os headliners.

    Apesar disso, não faltam profissionais femininas no palco ou nos bastidores. Há o trabalho importante da Claudia Assef e da Monique Dardenne, à frente do Women’s Music Event; da Ana Garcia, que há anos comanda um dos festivais mais interessantes do Nordeste, o Coquetel Molotov; da Alessandra Luciani que pilota a mesa de som de muitos shows, só para citar algumas. E há muitas musicistas, mas que ainda são minoria nas bandas que vemos por aí.”

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    “Há um caminho para que este ‘futuro feminino’ se traduza em remuneração”

    Daniel Setti, jornalista, músico e autor de “Do Vinil ao Streaming: 60 anos em 60 discos” (Autêntica, 2023)

    “Se fosse para levar em conta apenas os sons que escutamos por aí em festas, playlists, trilhas de séries, memes, shorts, stories e anúncios, eu diria que não apenas o futuro da música brasileira é bastante feminino, como também o presente e o passado recente. É uma tendência internacional iniciada na década de 2010. Mas daí a gente se depara com dados como os incluídos no último relatório ‘Por elas que fazem música’ da UBC (União Brasileira de Compositores), que indicam que apenas 9% da arrecadação autoral total do mercado musical nacional corresponde às mulheres.

    A entidade aponta que os índices estão melhorando a cada ano, mas claramente há um bom caminho a se percorrer para que este ‘futuro feminino’, que o público nota como realidade, se traduza também em remuneração mais equilibrada entre gêneros. Quanto às artistas brasileiras propriamente ditas surgidas nos últimos dez anos, eu destacaria renovadoras do pop negro como Bebé, Jadsa, Mahmundi, Marietta, Saskia e Tasha & Tracie, além de algumas praticantes do flerte entre o indie e a MPB (Ana Frango Elétrico, Julia Mestre e Sofia Chablau) e também as experimentalistas de peso Carla Borregas, Mariá Portugal e Paula Rebellato.”

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    “Não faltam exemplos de artistas invisibilizadas e impedidas de assinar os próprios trabalhos”

    Isabela Yu, jornalista musical e editora-assistente da revista Noize

    “O futuro da música pode ser feminino, mas mudanças serão necessárias para que isso ocorra. Além de discutir os possíveis caminhos das mulheres na indústria da música, precisamos olhar para trás e entender as suas contribuições. Na pesquisa de pós-doutorado da historiadora Carô Murgel, ela contabilizou 7 mil compositoras entre os séculos 19 e 21.

    O primeiro registro de samba, ‘Pelo Telefone’, foi assinado por Donga em 1916, porém ele tem a colaboração de Tia Ciata, pois foi criado no quintal da sua casa. Acredita-se que o primeiro rock seja ‘Rock’n’Roll em Copacabana’, de Cauby Peixoto em 1957. No entanto, Nora Ney havia gravado ‘Ronda das Horas’, uma versão de ‘Rock Around The Clock’, em 1955.

    Não faltam exemplos de artistas invisibilizadas, outros tantos casos de mulheres que foram impedidas de assinarem os próprios trabalhos ou que abriram mão da vida pública. Cem anos separam a realidade de Chiquinha Gonzaga do cenário contemporâneo que, especialmente no mainstream, tem artistas despontando. No ranking das 25 músicas mais tocadas nas plataformas de streaming, segundo a revista Billboard, apenas Luísa Sonza, Ana Castela e Simone Mendes aparecem na lista.

    Quem são as mulheres bem sucedidas na música? Ainda que elas existam, fatores como raça e classe precisam ser levados em consideração. Um cenário mais plural precisa incluir outros corpos e pontos de vista nesta conversa.”

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    “O que ocorre hoje é que temos plataformas para nos posicionarmos”

    Adriana Ferreira Silva, jornalista cultural e colunista do Nexo Jornal

    “Há alguns anos, li uma entrevista de Björk, na qual ela falava sobre o machismo na indústria musical, dando como exemplo a produção de seus álbuns – em especial ‘Vespertine’ e ‘Medúlla’, em parceria com a dupla de música eletrônica Matmos. Na conversa, Björk contava sobre como a crítica sempre tratou do tema como se a participação dela fosse só entrar no estúdio e cantar. Era ela quem escolhia os produtores, além de participar de todo o processo de produção, mas o crédito ficava sempre e somente com eles (mesmo seu nome sendo creditado na coprodução).

    Uso esse exemplo porque temos uma tradição de cantoras no Brasil, reduzidas à condição de intérpretes, sempre com ‘grandes’ arranjadores, compositores, maestros, produtores por trás, o que não faz nenhum sentido – pois duvido que Gal Costa, por exemplo, não palpitava na produção de seus discos.

    O que ocorre hoje na música – assim como em todas as outras áreas criativas, do conhecimento e da sociedade – é que temos plataformas para nos posicionarmos. Além disso, premiações (como Women ‘s Music Event) colaboram, destacando a participação das mulheres em toda a indústria, da produção à divulgação.

    Por fim, recupero uma frase que a Nobel de Literatura Annie Ernaux me disse em 2021: passamos muito tempo (sendo) caladas, por isso, temos muito mais coisas interessantes a dizer. Então, sim, o futuro da música (e das artes, em geral) é feminino.”

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    Fabricio Vianna

    “Se o futuro inteiro não for, pelo menos grande parte vai ser. E em alguns casos já é”

    Lúcio Ribeiro, editor da Popload, que produz o Popload Festival. Da equipe do artístico da Time For Fun

    “Se o futuro inteiro não for, pelo menos grande parte vai ser. E em alguns casos já é. Mulher protagonista na música não é novidade em muitos gêneros e, se pegarmos o estilo pelo qual milito há pelo menos 30 anos, vem sendo cada vez mais firmes desde os anos 90. E isso começa a ser visível: em São Paulo já existe um festival chamado Grls! e o próximo Rock the Mountain, agora em novembro, no Rio, se mostrou viável com um line-up 100% formado por mulheres. E não falamos aqui de uma escalação de oito, dez atrações femininas. O festival carioca botou cerca de CEM atrações mulheres em seu pôster.

    Mais e além, existe algo na música internacional de hoje também que certamente vai ressoar forte no Brasil, se já não está ressoando em algumas medidas diferentes. Se você analisar o grau de idolatria proporcionado pelo trio feminino boygenius, dos EUA, por exemplo, diante de um séquito já enorme de fãs em esmagadora maioria feminino, a letra está fortemente dada: sensibilidade. A exposição em suas artes (música, letras, meras camisetas e sacolinhas ecológicas) de traumas, remorsos, medos, problemas pessoais das mais variadas naturezas, principalmente depois de uma época tão castradora e debilitadora em questões de saúde mental como a recente pandemia, pode ter resultados mais impactantes para a música de hoje pela simples razão de vir de quem vem: mulheres. E isso já tem cara de forte movimento.”

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    “A música brasileira foi e é delas e de tantas outras. E o futuro? Por que não seria?”

    Thiago Ney, editor da plataforma de conteúdo e newsletter MargeM

    “Passado e presente da música brasileira são tão femininos quanto masculinos.

    Pouquíssimos países do mundo têm uma tradição musical tão extensa e tão rica quanto o Brasil. E essa história só existe muito por culpa de compositoras, cantoras, musicistas, maestrinas.

    Gente como Chiquinha Gonzaga, que láááá no século 19 já fazia de música para teatro a canções carnavalescas. Ou Jocy de Oliveira, compositora e pianista responsável pela primeira performance de música eletrônica deste país (1961). Ou Sonia Abreu, que como DJ comandou a primeira rádio ambulante do Brasil e fez dançar inúmeras pistas pelo Brasil.

    O rock brasileiro é Rita Lee, é Mercenárias. O samba é Alcione, Beth Carvalho, Clara Nunes. O funk é Deize Tigrona. O rap é Tasha & Tracie. O pop é Ludmilla, Iza, Marina Sena.

    A música brasileira foi e é delas e de tantas outras. E o futuro? Por que não seria?”