Trecho de Livro -- Sonetos de Amor e Sacanagem — Gama Revista

Trecho de livro

Sonetos de Amor e Sacanagem

Em novo livro de poesia, Gregório Duvivier usa o clássico para retratar o contemporâneo e o formal como estrada para desfilar sua irreverência

Leonardo Neiva 22 de Outubro de 2021

Quatro estrofes, 14 versos. Dois quartetos seguidos de dois tercetos. Cada linha com dez sílabas poéticas, daquelas que levam em consideração não a divisão tradicional, mas a sonoridade das palavras. Se você se lembra dos tempos de escola, vai recordar a estrutura fixa do soneto. Sim, aquele do célebre “O amor é fogo que arde sem se ver”, de Camões, do “De tudo ao meu amor serei atento”, de Vinicius de Moraes, de “Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida”, de Florbela Espanca.

Agora, é a vez de o ator, humorista e escritor Gregório Duvivier, um dos idealizadores do Porta dos Fundos, tomar o formato para si, sem deixar de lado suas tradicionais irreverência e graça características. Em “Sonetos de Amor e Sacanagem” (Companhia das Letras, 2021), o apresentador do programa Greg News vai, ao longo de 48 poemas, atirando a esmo em temas como política e paternidade, assim como o vazio cotidiano e o aspecto democrático do peido.

Esta não é a primeira incursão de Gregório pela poesia — antes, vieram “A Partir de Amanhã Eu Juro que a Vida Vai Ser Agora” (7 Letras, 2011) e “Ligue os Pontos” (Companhia das Letras, 2013) — e nem pelos sonetos, mas é uma que chama a atenção pela constante mistura da forma rígida com o estilo informal. Ao falar também sobre amor e sexo, dois assuntos que estão no cerne da obra, o humorista acaba recorrendo ao clássico para retratar o contemporâneo, numa sinfonia divertida e viciante que por vezes soa como a própria vida.


Soneto pra Sá de Miranda

Tenho pena de quem é meu amigo,
pois deve desejar a minha morte.
Nasci graças a deus com uma sorte:
a de não ter que conviver comigo.

Garantiram: não tem nenhum perigo.
Não há chato, no mundo, do meu porte.
Jamais serei de mim o meu consorte.
Só a vocês concedo esse castigo.

Os segundos que chegam logo após
ouvir no gravador a minha voz
dão vontade de dar à vida um fim.

Se eu fosse por acaso dessa gente
que convive comigo diariamente
ou me matava ou bem matava a mim.

Tenho pena de quem é meu amigo,/
pois deve desejar a minha morte./
Nasci graças a deus com uma sorte:/
a de não ter que conviver comigo

Soneto fático

Repare nas pessoas conversando:
não é um bate-papo, é uma luta.
Todos querem pra si o olhar do bando.
Ninguém se entende nem sequer se escuta.

Pode até parecer civilizado,
mas se olhar com cuidado e lucidez
vai perceber que quem está calado
só espera chegar a sua vez.

Fale merda que alguém no mesmo instante
dirá uma merda mais irrelevante
que não tem nada a ver com a merda acima.

Falar só serve pra fazer barulho.
Esse poema, mesmo, é um entulho.
Não muda nada — mas ao menos rima.

Faz um beque, relaxa, se aconchega./
Maconha é o melhor tipo de manteiga/
pra besuntar o pão de cada dia

Soneto da maconha

O silêncio da fera ela garante.
Uma tarde sem sal, ela tempera.
Não há no mundo todo igual amante.
A maconha gratina a sua espera.

Tudo fica melhor e mais crocante
se puder dar um tapa na pantera.
Quando a vida precisa de um levante,
refoga essa existência rastaquera.

A cannabis opera algum milagre.
Traz o vinho de volta no vinagre,
até água transforma em iguaria.

Faz um beque, relaxa, se aconchega.
Maconha é o melhor tipo de manteiga
pra besuntar o pão de cada dia.

Produto

  • Sonetos de Amor e Sacanagem
  • Gregório Duvivier
  • Companhia das Letras
  • 112 páginas

Caso você compre algum livro usando links dentro de conteúdos da Gama, é provável que recebamos uma comissão. Isso ajuda a financiar nosso jornalismo.

Quer mais dicas como essas no seu email?

Inscreva-se nas nossas newsletters

  • Todas as newsletters
  • Semana
  • A mais lida
  • Nossas escolhas
  • Achamos que vale
  • Life hacks
  • Obrigada pelo interesse!

    Encaminhamos um e-mail de confirmação