Conheça as fotógrafas pioneiras do Brasil — Gama Revista
O que você vê?
Icone para abrir
Madalena Schwartz

4

Repertório

Conheça as fotógrafas pioneiras do Brasil

Nascidas em diferentes partes do mundo, elas registraram a industrialização e as contradições da capital paulista

Luara Calvi Anic 12 de Fevereiro de 2023
Madalena Schwartz

Conheça as fotógrafas pioneiras do Brasil

Nascidas em diferentes partes do mundo, elas registraram a industrialização e as contradições da capital paulista

Luara Calvi Anic 12 de Fevereiro de 2023

Durante as primeiras décadas do século 20, São Paulo recebeu uma grande onda de imigrantes vindos de diferentes partes do mundo, entre eles europeus de origem judaica que fugiam da perseguição nazista. Nesse grupo, haviam mulheres que já eram ou viriam a se tornar fotógrafas.

A exposição “Modernas! São Paulo vista por elas“, no Museu Judaico de São Paulo, reuniu o trabalho de sete dessas imigrantes que contribuiram para o registro da industrialização e das contradições dessa cidade que se colocava como “o maior centro industrial da América Latina”, mas que trazia também uma realidade escravocrata e desigual.

As curadoras — a pesquisadora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ilana Feldman e a pesquisadora e curadora do Instituto Tomie Ohtake Priscyla Gomes — comentaram com exclusividade para a Gama algumas dessas imagens que compõem a mostra. Elas trouxeram o que essas estrangeiras representam para a fotografia considerada moderna, para a realidade da mulher da época e para a iconografia da cidade. Confira.

Alice Brill e Hildegard Rosenthal

À esquerda: Vitrine de loja, década de 50, por Alice Brill; à direita: ensaio
À esquerda: Vitrine de loja, década de 50, por Alice Brill; à direita: ensaio “A Nova Mulher”, 1940, por Hildegard Rosenthal

As fotos acima dão indícios de algumas transformações na realidade das mulheres das décadas de 1940 e 50. A imagem da vitrine, com o skyline de São Paulo refletido, foi captada pela fotógrafa, pintora, gravadora, ensaista e educadora Alice Brill (1920-2013). A curadora Ilana Feldman destaca como ela representa o interesse do mercado em acessar essa mulher que se tornava economicamente ativa. “No final do século 19 e início do 20 a mulher começa a se inserir como um público-alvo da indústria. Então é uma emancipação, mas também um corpo a ser colonizado por esse capitalismo industrial, voraz”, diz. A foto da suíça Hildegard Rosenthal (1913-1990), com uma mulher segurando o jornal faz parte de uma série de imagens que trazia essa mesma personagem em diferentes ocupações do dia a dia. “Certamente há, por parte da fotógrafa, um desejo de representatividade, de ver a mulher reconhecida como atuante nesse espaço público“, diz Feldman sobre a imagem da banca de jornal.

“Praça da Sé, com cúpula da catedral”, decada de 1950, Alice Brill

A fotografia tida como moderna, tema que dá nome à exposição, é marcada por linhas que engrandecem a cidade, pelo fluxo dos pedestres vistos do alto, por diferentes recursos fotográficos que dão destaque ao tamanho do ambiente registrado, como explica a curadora Priscyla Gomes. “A foto acima traz um elemento bastante característico da fotografia moderna, essa angulação vista a partir de um outdoor, de um anúncio. Afinal, a cidade está olhando para o fluxo do dinheiro, para esse processo de transformação, de compra.” Ao fundo, vemos ainda um dado histórico relacionado à construção de um marco arquitetônico da cidade, a Catedral da Sé, que demorou 54 anos para ser finalizada, em 1967.

Madalena Schwartz

À esquerda:
À esquerda: “Meise – Medieval”, 1976, Madalena Schwartz; à direita: “Não identificado”, sem data, Madalena Schwartz

Madalena Schwartz (1921-1993) começou na fotografia por acaso. Nascida na Hungria, ela tocava uma lavanderia ao lado do marido quando o filho comprou uma câmera fotográfica. Schwartz passou a registrar a efervescência do centro paulistano dos anos 1970 e, aos poucos, foi se tornando uma grande retratista, publicando em diferentes jornais e revistas do país. Ao longo de sua carreira, participou como artista de eventos importantes como a Bienal Internacional de São Paulo e o Museu da Imagem e do Som. A curadora Priscyla Gomes lembra que a metrópole era também onde viviam diferentes comunidades, entre elas a população LGBTQIA+, que foi clicada por Schwartz. “Tem uma série em que Madalena flagra o cotidiano de um teatro, o camarim [foto à direita]. E tem outra que é realizada na casa dela [à esquerda], no edifício Copan. Vemos essa construção que se dá a partir da empatia. Apesar de ser uma fotografia de estúdio, posada, é uma imagem de intimidade. Há uma parceria e diálogo entre as partes onde se tenta estabelecer qual é a imagem que vai ser construída”, diz Priscyla Gomes a Gama.

Stefania Bril

Menino lê gibi em carrinho de supermercado, 1973, Stefania Bril
Menino lê gibi em carrinho de supermercado, 1973, Stefania Bril

A polonesa Stefania Bril (1922-1992) era formada em química mas foi pela fotografia que ela consolidou seu nome e um olhar atento para as ruas e para seus personagens. Certa vez, chegou a dizer que São Paulo tinha carros demais, o que atrapalhava seu ofício: “Eu gosto de gente, não de carros. Não deixo o cotidiano em paz: gosto de perceber o despercebido”. Ilana Feldman aponta o humor e o lirismo presente em suas imagens, como é o caso da foto de 1973, que está na exposição: “Ler é ato que a gente faz sozinho. E esse menino está lendo na rua, apoiado num carrinho de supermercado, algo que representa a produção serial massificada. É tudo muito subversivo, desviante e inusitado nas imagens de Stefania.”

Lily Sverner

“Olguinha e companheiras no pátio na hora do lanche”, 1990, Lily Sverner

Entre registros de paisagem urbana, representando justamente o crescimento de São Paulo, há na mostra retratos de crianças, trabalhadores e idosos que habitavam essa cidade. As curadoras destacam o caráter empático dessas fotos na medida que, segundo elas, buscam aproximar seus personagens. “O riso [dessa senhora no primeiro plano] é muito interessante porque não há nada de piegas ou paternalista no registro desses idosos”, diz Ilana Feldman. Essa fotografia fez parte do projeto “Nomes” de Lily Sverner (1934-2016), que tratava do isolamento social na velhice, em Itatiba e São Paulo. “Há uma tentativa de trazer a câmera para uma angulação que mostre uma magnitude na representação”, diz Priscyla Gomes.

Gertrudes Altschul

O Fotocineclube Bandeirante foi um grupo de fotografia criado em 1939 e composto majoritariamente por homens. Mas Gertrudes Altschul (1904-1962) ousou fazer parte dele. Uma das pioneiras da produção tida como moderna era uma grande entusiasta das fotografias de arquitetura, das linhas e da luz e sombra que se formam nas cidades a partir dos edifícios. Mas também gostava de clicar flagrantes, como é o caso do retrato acima, que joga com os contrastes. “Nessa foto ela faz uma relação entre planos escuros e claros. Uma faceta do carro é toda mais clara com a roupa branca do menino que está limpando. E aí tem um jogo de sombras e ela cria uma composição que é marcada pela própria diagonalidade da porta do carro”, explica a curadora Priscyla Gomes.

Claudia Andujar

“Cidade gráfica – Rua Direita”, 1970, Claudia Andujar

Próxima ao chão, uma mulher registra os passantes de uma rua movimentada. É Claudia Andujar, fotógrafa que hoje está com 91 anos e que chegou ao Brasil em 1955. “Essa é uma foto que diz muito sobre a audácia e a coragem dessa mulher no espaço público, do estranhamento que ela causa ao se colocar nessa posição absolutamente inusitada e capturar pra si esse estranhamento e essa desconfiança”, diz Ilana Feldman. Outro fator trazido por Priscyla Gomes é que o advendo dessa fotografia moderna elegia a cidade e a arquitetura como o seu grande objeto. Mas Andujar fez diferente: “A foto é um marco porque ela tira os edifícios para agigantar as pessoas. Os grandes monumentos são esses indivíduos que se deparam com a condição superestranha de uma câmera rente ao chão olhando pra eles”, diz a curadora. Ela lembra que há também o caráter de desconfiança do momento, pois o país enfrentava uma ditadura militar nesse período. “O olhar dessas pessoas para a câmera tem indagação, desconfiança, estranhamento”, diz Gomes.

A São Paulo da virada do século almejava ser internacional e moderna, mas tinha entre suas principais contradições o descaso com a população escravizada e jogada às margens dessa cidade. Essas mulheres fotógrafas buscaram retratar esse cenário em fotos que mostravam o cotidiano de crianças, idosos e trabalhadores. “Esse menino trabalha, mas não sabemos se ele é explorado. Já a menina está ali na rua em uma situação de muita precariedade, descalça”, aponta Ilana Feldman. Ainda assim há uma tentativa de posicionar a câmera por meio de um recurso visual específico, como explica Priscyla Gomes: “É curioso pensar a maneira como algumas das crianças são retratadas a partir da aproximação da câmera, de uma perspectiva que as engrandeça”. Recurso esse que, ainda assim, não maqueia a realidade precária do período.

A exposição Modernas! São Paulo vista por elas vai até 5 de março de 2023 no Museu Judaico de São Paulo. Para quem está fora da cidade, vale conferir o catálogo de mesmo nome publicado pelo museu