A masturbação masculina e o autoconhecimento — Gama Revista
O que é ser homem?
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Semana

Dá pra falar de masturbação consciente?

Entre podcasts, grupos em aplicativos de mensagem e dedicação diária, homens descobrem na masturbação um mundo de autoconhecimento e prazer mais saudável

Leonardo Neiva e Andressa Algave 21 de Novembro de 2021

Dá pra falar de masturbação consciente?

Leonardo Neiva e Andressa Algave 21 de Novembro de 2021
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Entre podcasts, grupos em aplicativos de mensagem e dedicação diária, homens descobrem na masturbação um mundo de autoconhecimento e prazer mais saudável

Certo dia, Zé Pirulito estava procurando conteúdo pornô no Telegram quando deu com um grupo inusitado. Logo no título, a comunidade já desvirtuava propositalmente o movimento NoFap, que prega um estilo de vida sem pornografia nem masturbação compulsiva. Apesar de o foco não deixar de ser a masturbação masculina — popularmente conhecida como punheta —, os integrantes não trocavam entre si imagens ginecológicas, áudios arriscados de se ouvir em público nem contos picantes. Em vez disso, falavam exclusivamente sobre suas experiências se masturbando.

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“Achei que era o que eu buscava, uma vez que raramente troco fotos pelado”, conta por mensagem Zé Pirulito, que tem 40 anos, usa como imagem de identificação uma foto da virilha metida em calças jeans e preferiu não se identificar — o nome, fictício, é de seu usuário na rede social. “Gosto do diálogo, da troca de experiências. Na verdade, até me excito bem mais assim.”

Proporcionar prazer para si mesmo diz muito sobre o quanto você se valoriza e sobre a sua autoestima

Nas conversas compartilhadas diariamente, o tom é leve e descontraído. Segundo Zé, alguns dos assuntos são “a quantidade de punheta por dia, como faz, se já foi flagrado por alguém ou pegou alguém no ato”. Alguns, ele admite, ainda usam o grupo, que é sexualmente diverso, para encontrar pessoas com quem valha a pena trocar nudes ou fazer sexo virtual, só que no privado. Afinal, a troca de fotos, vídeos e conversas mais quentes é terminantemente proibida, sob pena de expulsão. Na descrição, já fica bem claro: o grupo não é pornográfico, mas sim sobre a arte da masturbação.

O grupo não é o único do tipo. Na verdade, eles são relativamente fáceis de encontrar em redes sociais, especialmente as mais fechadas, como o próprio Telegram e o WhatsApp. Em muitos outros casos, no entanto, as discussões sobre masturbação se misturam a conteúdos pornográficos e trocas sexuais, sem a mesma rigidez enfrentada pelos membros da comunidade da qual Zé faz parte.

Embora se discuta muito mais a masturbação feminina, assunto que antes era tabu na sociedade, muitos homens têm buscado formas diferentes de inovar e, principalmente, ter mais prazer na hora de se masturbar. Hoje, já existem conteúdos inteiramente voltados ao tema, como posts de blog, episódios de podcast e vídeos online. Muitas vezes eles acabam caindo na pornografia, mas em alguns casos se tornam parte de um hobbie de autoconhecimento e de equilíbrio sexual que vai além do prazer solo — ajuda também a ter um sexo mais lento e menos mecânico.

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Masturbação guiada

No caso dos podcasts, a ideia é algo semelhante a um script ou uma dublagem: nas encomendas ou relatos pessoais feitos no podcast “Eu falo, você goza”, a criadora de conteúdo erótico paulistana Erika Oliveira, de 33 anos, escreve um roteiro detalhado que passa por dias de revisão até o momento de gravar os áudios, com o máximo de truques e detalhes na voz. A descrição é minuciosa e passa por um estudo da anatomia e das zonas erógenas de quem ouve, guiando carícias específicas com sussurros e gemidos. “Ajuda até na autodisciplina do gozo em si e a descobrir novas formas de prazer. É inclusive uma forma que os casais podem fazer, se estão longe, para se divertir. As partes podem ligar um pro outro e dar ordens para a brincadeira, é aquela coisa de dominação, basicamente, em prol do gozo dos dois”.

Criado em 2020, a ideia da apresentadora foi um conteúdo de estímulo sexual menos maçante direcionado ao público masculino, que passou a consumir mais da pornografia convencional durante a pandemia. “Quando você assiste um pornô, quer gozar o mais rápido possível. Mas com as masturbações guiadas, eu procuro amarrar o ouvinte de forma que ele não goze tão rápido, então ele vai adquirindo o hábito de se masturbar de forma mais tranquila”, conta.

Historicamente, a masturbação masculina é muito mais reconhecida, permitida socialmente e até incentivada do que a feminina

O psicólogo e sexólogo Rodrigo Torres vê uma mudança sim na relação dos homens com o próprio corpo, ainda que discreta. Mas se para alguns a masturbação acontece em busca de relaxamento e até de um maior autoconhecimento, para outros pode se transformar num comportamento compulsivo. “Não conseguimos normatizar uma coisa só em sexualidade. A gente precisa, em geral, relativizar os conceitos.”

Historicamente, a masturbação masculina é muito mais reconhecida, permitida socialmente e até incentivada do que a feminina. Esse pode ser inclusive um dos motivos pelo qual o tema costuma entrar menos em pauta. Torres faz questão de apontar que se trata de um comportamento saudável, desde que aconteça com naturalidade. “Proporcionar prazer para si mesmo diz muito sobre o quanto você se valoriza e sobre a sua autoestima.”

Masturbação para além do genital

Zé Pirulito conta que sempre se sentiu bem em relação à masturbação. Em geral, se masturba cerca de três vezes ao dia. “Gosto de me tocar, demoro no ato, realmente sinto prazer.” Na busca diária pelo prazer, ele se tornou adepto do edging, técnica originalmente criada para controlar a ejaculação precoce, mas que se tornou popular entre homens que procuram orgasmos mais intensos. Ela consiste em se segurar várias vezes, por cerca de 30 segundos, quando o homem está chegando no limite da ejaculação, o que pode ser repetido várias vezes seguidas.

Para Cláudio Serva, estudioso de sexualidade e criador do site Prazerele, que incentiva a sexualidade positiva e a desconstrução do machismo, a sexualidade masculina ainda é muito mediada negativamente pelo consumo de pornografia. O que faz com que, segundo ele, muitos homens fiquem alienados na busca dos ideais construídos em vídeos pornô.

É uma busca de deslocar o lugar da masturbação da pornografia e trazer de volta a percepção para a sensorialidade do corpo, para os cinco sentidos

Falta ao homem, de forma geral, maturidade para falar sobre seu lado emocional e sexualidade, diz o estudioso. Um dos objetivos do Prazerele é justamente criar em cursos, encontros e palestras espaços seguros e acolhedores de troca de experiências sexuais entre os homens, sem a possibilidade de gozações ou bullying. Neles, a procura pela masturbação saudável costuma ser um dos principais temas discutidos. “É uma busca de deslocar o lugar da masturbação da pornografia, que é muito fantasiosa, e trazer de volta a percepção para a sensorialidade do corpo, para os cinco sentidos.”

O processo naturalmente passa pela desconstrução de noções machistas e tabus relacionados ao homem fazer carinho em si mesmo. Mas, de acordo com Serva, quando vão conhecendo outras possibilidades além do órgão genital, relacionadas à pele e ao toque, os homens descobrem um mundo totalmente novo. A criadora de conteúdo erótico Erika Oliveira conta que consumir conteúdos que sejam mais abertos à estímulos que vão além do pênis ajuda que os homens sintam uma maior tranquilidade na hora de se descobrir. “Eu vejo os podcasts como uma forma de abrir caminhos mesmo. Se eu, uma mulher, falo para ele estimular a região anal, é mais provavél que ele vá achar que aquilo não tá atrelado à sexualidade e descobrir que é muito legal”.

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O silêncio ensurdecedor

De forma geral, o sexólogo Rodrigo Torres aponta que se masturbar ainda é uma ação um tanto reprimida, que costuma acontecer e ser mencionada sempre por debaixo dos panos. Ele diz que o assunto precisa ser mais discutido não só em palestras ou consultórios, mas também na escola e no seio familiar. “Para não gerar problemas, culpa ou sentimentos ruins em relação à masturbação, o diálogo é fundamental.” Mas, como resultado de a educação sexual ainda não ser aceita nas escolas, raramente se tornar tópico de discussão nas famílias ou entre os próprios adolescentes, que têm medo de virar alvo de chacota, o profissional ainda atende em sua clínica jovens que têm algumas dúvidas básicas sobre sexualidade. “Nem a biologia o cara aprendeu, nem a parte de infecções sexualmente transmissíveis.”

Ao citar uma fala do famoso educador sexual americano Al Vernacchio, Torres diz que se deve falar sobre sexo com a mesma naturalidade com que se pede uma pizza. “A gente deveria ter liberdade para falar com a parceira, com o namorado ou namorada: Vamos fazer sexo hoje? E com os jovens, filhos, amigos, isso deveria ser um assunto como qualquer outro. É uma coisa que todo mundo faz, mas as pessoas têm dificuldade de falar sobre.”

Erika Oliveira, que também é advogada, diz que é mais feliz falando de sexo do que é no Direito e que toma cuidados psicológicos para tornar a experiência dos áudios mais imersiva e agradável para si e para os ouvintes. “Eu faço terapia, porque lido com fantasias que não são minhas e tenho que me colocar nelas. Mas gosto muito do que faço. Me proporciona uma nova visão das minhas relações, em todos os sentidos, trouxe um autoconhecimento por completo. Uma mulher, advogada, fala sobre sexo com termos chulos e palavrões, algo que não é muito esperado”.

Zé Pirulito também não acha que se deva ter papas na língua ao falar sobre sexo e masturbação. Porém, demonstra um certo incômodo em relação a quem utiliza o grupo do Telegram para trazer assuntos considerados inapropriados. “A regra é tudo o que eu disse: amizade, troca de experiências, falar sobre o prazer da punheta. Mas a grande maioria busca mesmo é gozar com fotos ou chamadas de vídeo.”

Apesar do gosto pela masturbação, ele, que está solteiro, diz não deixar o sexo de lado. “Compreendo que são prazeres diferentes.” Sem nenhum medo, admite ser “punheteiro”. “Gosto de verdade e isso não me preocupa. Acredito que só seria problema se eu deixasse de interagir com outros, namorar, transar, viver por conta do ato, e isso não existe.”