O que significa masculinidade hoje? — Gama Revista
O que é ser homem?
Icone para abrir
Foto Mariana Simonetti

2

Depoimento

Homem com H

O ator Marcelo Médici, o empresário Ken Fujioka, o jornalista Caê Vasconcelos, o engenheiro Leví Kaique Ferreira e outros debatem as diversas masculinidades que existem em nossa sociedade

Daniel Vila Nova 21 de Novembro de 2021
Mariana Simonetti

Homem com H

O ator Marcelo Médici, o empresário Ken Fujioka, o jornalista Caê Vasconcelos, o engenheiro Leví Kaique Ferreira e outros debatem as diversas masculinidades que existem em nossa sociedade

Daniel Vila Nova 21 de Novembro de 2021

Do clássico Marlboro Man, criado nos anos 1950 pela marca de cigarros de mesmo nome, ao caubói do clipe “Old Town Road”, de Lil Nas X, há um abismo enorme. Enquanto o primeiro — cis, hétero e branco — é um ícone do passado, o segundo — negro, rapper e gay — um símbolo da geração Z. Os dois são representantes de masculinidades distintas, e cada vez mais há uma clareza de que elas podem, sim, coexistir. Em um mundo em que questões sociais se tornam cada vez mais relevantes, homens de todas as idades, credos e cores passaram a reavaliar o que significa ser homem e a entender que não existe apenas uma resposta.

MAIS SOBRE O ASSUNTO:
Matheus Lomonte: ‘Coloquei um vestido em 2008 e nunca mais voltei atrás’
Trecho de Livro: Seja Homem
Por que muitos pais somem?

Foi essa pergunta –“O que é ser homem?” — que Gama fez aos oito entrevistados que dão os depoimento abaixo. Um ator, um jornalista, um comediante, um empreendedor, um sociólogo, entre outros, olham para si mesmos, para o mundo ao seu redor e buscam entender o que faz de cada um deles um homem. Entre recortes de raça, gênero, sexualidade e classe, as questões levantadas e as respostas encontradas indicam a busca por uma nova masculinidade, distante do homem quase super-homem que ficou em voga por tanto tempo.

  • Imagem
    Divulgação

    ‘Ser homem tem de ser construído coletivamente’

    Thiago Guimarães, produtor de conteúdo, roteirista e apresentador

    “Quando era mais jovem, entendia a masculinidade como uma espécie de código moral que um ‘homem de verdade’ deveria seguir. Enquanto homem gay, percebi minha masculinidade sendo ‘revogada’ dependendo do ambiente social onde eu estava. Eu queria ‘ser homem’ a todo custo e sentia a necessidade de me distanciar da figura do homem ‘afeminado’, ‘frágil’. Isso não só me trouxe dor como indiretamente me fez infligir dor em outras pessoas. A ideia rígida e binária de masculinidade funciona como um clubinho em que você precisa ser ‘homem de verdade’ para fazer parte. A sua masculinidade, então, pode ser revogada em maior ou menor medida em alguns contextos — se você for gay, gordo, preto, trans, se tiver alguma deficiência, se não conseguir prover para sua família. Precisamos quebrar com essa ideia do homem branco cis como o referencial universal da experiência humana e todo o resto como a versão defeituosa desse referencial. A experiência humana é múltipla. Essa percepção tem que ser construída coletivamente.”

  • Imagem
    Arquivo pessoal

    ‘Prefiro construir minha própria masculinidade’

    Caê Vasconcelos, jornalista

    “A palavra homem sempre foi muito pesada para mim, foi difícil me entender enquanto homem trans. Eu só tinha exemplos tóxicos e negativos da masculinidade, o homem escroto, machista, que não pode chorar ou demonstrar fraqueza. Só que eu entendi que não existe uma única forma de ser homem, mas sim várias. Eu jamais vou ter a vivência de um homem cis e nem quero. Olho para o meu passado e agradeço quem fui até chegar no momento em que pude estar na sociedade enquanto homem trans.
    Sei que muitas pessoas morreram para que eu pudesse ser quem eu sou e ocupar esse espaço, acho importante referenciar essa transcentralidade. O homem que busco construir é um homem que vivenciou o machismo na pele antes da transição. Sei o que não quero reproduzir, o que machuca e busco usar a vivência que me trouxe até aqui ao invés de qualquer outro modelo de homem que existe. É uma masculinidade que adora ver jogos de futebol, mas que prefere ver o futebol feminino. Uma masculinidade que é corinthiana roxa, mas que também escuta música pop. Não preciso me espelhar em homens cisgêneros, prefiro construir minha própria masculinidade.”

  • Imagem
    Foto Globo/Paulo Belote

    ‘A masculinidade se alterou’

    Marcelo Médici, ator

    “É tão difícil definir o que é ser homem. Para mim, o mais importante é estar atento a tudo o que está acontecendo e mudando. A masculinidade se alterou. A infância, a adolescência, a velhice e o próprio conceito do que é ser homem mudou radicalmente nos últimos 20 anos. O que eu tenho certeza é que, independente do gênero, precisamos ser melhores. Conversar com outros homens sobre masculinidade é muito importante, mas é necessário ouvir as mulheres também. Dialogar sobre racismo com brancos, por exemplo, é importante, mas com negros é fundamental. Confesso que lido muito melhor com a liderança e com a autoridade feminina. Tive um pai incrível, mas fui criado pela minha mãe e pela minha avó.”

  • Imagem
    Divulgação

    ‘Ser homem são muitas possibilidades’

    Ken Fujioka, sócio e co-fundador da ADA Strategy e facilitador de grupos reflexivos sobre masculinidades do MEMOH e do coletivo MAAM – Masculinidades Amarelas.

    “‘Ser homem’ é uma construção social. Numa sociedade patriarcal, passou a significar tudo aquilo que aprendi desde criança: ser forte, ser atlético, ser provedor, ser agressivo, não demonstrar sentimentos (a não ser a raiva), ser heterossexual, ser disponível sexualmente… Mas, se ‘ser homem’ é uma construção social, ela pode ser questionada e remodelada. Melhor ainda: pode ter múltiplos significados. Hoje, minha resposta resumida é: ‘ser homem’ são muitas possibilidades, embora a gente tenha meio que aprendido justamente o contrário. É por isso, inclusive, que prefiro o termo sempre no plural — masculinidades. Há muitos pontos em comum entre diferentes homens, mas quando se faz parte de uma minoria ou de um grupo minorizado, há particularidades que afetam a própria formação do homem. No Brasil, o homem asiático sofre de um estereótipo de homem menos sexualizado, menos viril, menos emotivo, embora mais esforçado, disciplinado… Essas expectativas sociais influenciaram na percepção de minha própria masculinidade ao longo da vida. Pra mim, a discussão sobre masculinidades tem duas dimensões de importância. Como dizemos no MEMOH (organização na qual facilito rodas de conversas sobre masculinidades): já passou da hora de nós, homens, nos responsabilizarmos pelos nossos atos e fazer algo para mudar esses valores e comportamentos tóxicos. Esse movimento não é só importante: é necessário e urgente.”

  • Imagem
    Arquivo pessoal

    ‘Ser homem é apenas uma entre tantas outras partes da pessoa que eu sou’

    Bernardo Villas Boas, gerente de produto

    “Por muito tempo, pensei que ser homem era conquistar muitas responsabilidades, me manter firme e saber me impor. Na minha vida, a ideia da masculinidade foi quase sempre um papel a ser cumprido, e ao mesmo tempo uma espécie de casca, que me sufocou durante boa parte da minha infância até a vida adulta. Hoje, mesmo que seja uma parte fundamental da minha identidade, não deixa de ser apenas uma entre tantas outras partes da pessoa que eu sou. Encaro a masculinidade como um exercício constante de olhar pra dentro, reconhecer minhas fragilidades e respeitar meu próprio caminho no mundo, seja ele qual for. Cada pessoa tem a sua própria jornada, suas próprias vivências. Nessa nossa realidade desigual, reconhecer recortes de raça, gênero e sexualidade tem um papel crucial nos privilégios e desafios individuais que cada homem enfrenta. Conversar genuinamente sobre masculinidade é abrir as portas do nosso universo particular e reconhecer o lugar que temos no mundo.”

  • Imagem
    Arquivo pessoal

    ‘Ser homem é uma pergunta em construção’

    Tulio Custódio, sociólogo e curador de conhecimento na Inesplorato

    “Na lógica da sociedade patriarcal, é ser uma figura de poder. Mas eu prefiro encarar ‘o que é ser homem?’ como uma pergunta em construção. O desafio é construir uma resposta que seja mais positiva, saudável e coletiva para essa pergunta. Para isso, é necessário partir das questões colocadas pelos diversos feminismos. É fundamental que nós, homens, conversemos sobre masculinidades e procuremos realizar um balanço que nos permita entender nossas ações e perspectivas não só sobre nós mesmos, mas sobre as interações das quais fazemos parte. O falar sobre masculinidades está localizado em um contexto de uma sociedade patriarcal, sexista, que enxerga gêneros de maneira binária e hierarquizada. As violências de gênero partem dessa premissa e o diálogo deve ser pautado a partir das consequências e dos efeitos dessa interação. Ser homem é repensar várias das questões e dos elementos que compõem a minha experiência enquanto homem cis, hétero e negro.”

  • Imagem
    Arquivo pessoal

    ‘A construção de masculinidade eurocêntrica não comporta minha existência’

    Leví Kaique Ferreira, Engenheiro Civil e comunicador

    “É um questionamento muito complexo, todas as respostas sempre soam muito abstratas. Parece que nunca vamos compreender toda a magnitude do que é ser homem, mas eu acredito que é ter consciência de quem você é, do lugar que você ocupa e de como a sua forma de existir impacta as outras existências ao seu redor. Vivemos em uma sociedade patriarcal, ter consciência disso é essencial. É necessário se entender como parte do problema para que a gente possa fazer parte da solução. Acredito que recortes de raça, gênero e sexualidade são importantes na concepção de masculinidade justamente por isso. Para saber quem eu sou, preciso ter em mente que sou um homem cisgênero negro e bissexual. Enquanto homem, preciso entender o meu lugar de privilégio. Enquanto homem negro, preciso entender que a construção de masculinidade eurocêntrica não só não serve a mim, como ativamente prejudica minha existência e a existência dos meus pares. Ser homem é um papel de subversão, de construir uma nova concepção de masculinidade. Afinal, a atual concepção não comporta minha existência.”

  • Imagem
    Divulgação

    “Hoje, sou mais homem do que antes”

    Fabio Rabin, comediante

    “Com o tempo, aprendi que ser homem é algo que tem mais relação com ética e responsabilidade do que com autoafirmação. Já vivi a fase do cara que saia sem compromisso ou responsabilidade, atrás só da pegação. Hoje, sou alguém que vive basicamente em função da minha família, minha esposa e minha filha. Meu maior objetivo é fazer elas se sentirem bem a maior parte do tempo. Acredito que, hoje, sou mais homem do que antes, mesmo que não me envolva mais em tantas brigas ou seja visto por aí beijando várias mulheres. (risos)”