Ronilso Pacheco: "Nenhum evangélico é simplesmente evangélico" — Gama Revista
Já foi intolerante com a fé do outro?
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Conversas

Ronilso Pacheco: "Nenhum evangélico é pura e simplesmente evangélico"

Para teólogo e pesquisador, preconceito contra evangélicos expressa “preguiça e desinteresse” em entender diversidade e complexidade dos que seguem a fé que mais cresce no Brasil

Isabelle Moreira Lima 26 de Janeiro de 2025

Ronilso Pacheco: “Nenhum evangélico é pura e simplesmente evangélico”

Isabelle Moreira Lima 26 de Janeiro de 2025
Foto de Ana Alexandrino

Para teólogo e pesquisador, preconceito contra evangélicos expressa “preguiça e desinteresse” em entender diversidade e complexidade dos que seguem a fé que mais cresce no Brasil

“Nenhum evangélico é pura e simplesmente evangélico. Ele tem um lugar, uma história, uma vida, é atravessado por questões culturais, sociais e políticas como qualquer outro brasileiro, de qualquer espectro social”, afirma o pesquisador e pastor da Comunidade Batista de São Gonçalo Ronilso Pacheco. Teólogo pela PUC-Rio, ele é mestre em religião e sociedade pelo Union Theological Seminary, da Universidade de Columbia.

Autor de “Teologia Negra: O sopro antirracista do espírito” (Zahar, 2024), em que escreve sobre como a leitura que se faz da bíblia é eurocêntrica e ignora a importância de personagens africanos e negros, ele diz que a raiz para não se exergar a diversidade dos evangélicos brasileiros está no preconceito, no desinteresse e na preguiça.

“Não é razoável que, em 2025, com este sendo o grupo mais analisado, observado e de cada vez mais forte impacto político no contexto brasileiro, a gente continue no mesmo patamar de compreensão, fazendo as mesmas perguntas e as mesmas generalizações de 15, 20 anos atrás”, afirma.

Em ano de eleição, no entanto, todo mundo quer o voto evangélico. A direita acaba sendo mais bem sucedida porque “apela para uma conexão com a Bíblia” e usa uma gramática religiosa. Mas isso não aponta necessariamente para um conservadorismo dos evangélicos.

“É preciso entender que a sociedade brasileira é majoritariamente conservadora. Evangélicos não são majoritariamente conservadores porque são evangélicos, eles o são também porque compõem a sociedade brasileira”, afirma na entrevista abaixo.

Não é simples entender a complexidade do segmento evangélico exatamente pela enorme diversidade

  • G |É muito comum que a gente ouça sobre “os evangélicos”. O que é bem generalista, considerando que eles são uma enorme parcela da população, é a religião que mais cresce no Brasil. É difícil para o país entender essa diversidade? Acha que há preconceito, intolerância, apesar do número crescente?

    Ronilso Pacheco |

    Pode ser um pouco de cada uma dessas coisas. Não é simples entender a complexidade do segmento evangélico exatamente pela enorme diversidade. Mas não é razoável que, em 2025, com este sendo o grupo mais analisado, observado e cada vez de mais forte impacto político no contexto brasileiro, a gente continue no mesmo patamar de compreensão, fazendo as mesmas perguntas e as mesmas generalizações de 15, 20 anos atrás. Então sim, tem muito preconceito, que expressa uma certa preguiça e desinteresse de tentar enteder a diversidade e a complexidade do segmento. Fica mais fácil lidar e falar sobre aquilo que é vendido no geral. Há muitas razões pelas quais o segmento evangélico não para de crescer. Deve ter muitas razões que justifiquem sua presença massiva nas periferias brasileiras, razões para evangélicos conservadores inundarem a representação política parlamentar, razão para os barões das grandes igrejas continuarem a somar tanto dinheiro e poder. E deve haver razões porque tantas pessoas encontram resistência, sentido de sobrevivência e defesa de direitos a partir do pertencimento evangélico.

  • G |Uma ideia que é muito difundida entre quem está fora da religião é a de que o evangélico é mais conservador. Há uma proximidade política com a direita. Qual sua avaliação?

    RP |

    Nenhum evangélico é pura e simplesmente evangélico. Ele tem um lugar, uma história, uma vida, ele é atravessado por questões culturais, sociais e políticas como qualquer outro brasileiro, de qualquer espectro ou grupo social. Então, de partida, é preciso entender que a sociedade brasileira é majoritariamente conservadora. Evangélicos não são majoritariamente conservadores porque são evangélicos, eles o são também porque compõem a sociedade brasileira. A fixação da ideia de que o evangélico é mais conservador é, em grande parte, fruto da ausência de olhares, compreensão, visibilidade da diversidade evangélica que não se identifica necessariamente como “progressista”, ou de esquerda. A questão é que a direita radical ativa (ultraconservadores, fundamentalistas, extrema-direita, ou o que for) apela para uma conexão com a Bíblia, usa a igreja, os evangelhos, cita versículos, coloca em xeque uma suposta ameaça aos valores e princípios cristãos, que é caro para os evangélicos. Por outro lado, a esquerda consolidou um estigma de evangélicos como manipulados, conservadores, conduzidos por pastores que só querem enriquecer, apolíticos servindo a políticos. Esta conta não vai fechar. A religião é crucial no Brasil e tem uma enorme capacidade de mobilização e criar engajamento. Atacar, ao invés de saber lidar com isso, é a questão.

  • G |Ainda sobre política, você já falou sobre a gramática religiosa, que usa termos comuns na Bíblia e é bastante utilizada por políticos. Qual sua análise sobre o uso desses códigos?

    RP |

    Uma pesquisa recente do ISER mostrou que nas últimas eleições diminuiu o número de candidatos usando título religioso no nome, como “pastor fulano” ou “irmão fulano”, “pastora sicrana”, “bispo”, “missionário”, etc. No entanto, aumentou o número de candidatos e políticos que, independente de assumirem um pertencimento religioso, tem seus nomes de perfis nas redes sociais precedidos por “temente a Deus”, “servo”, “família”, “cristão antes de tudo”, etc. Essa mudança é estratégica, e é um sinal da percepção de que mais do que o pertencimento necessariamente, você pode recorrer a uma gramática que te conecta com uma ampla gama de público. Você pega um Pablo Marçal, por exemplo, que sem se assumir publicamente como evangélico ou demonstrar uma vida devocional recorria o tempo todo à gramática religiosa. Falava de seu projeto de governo como sendo inspirado no “Reino”, citava personagens bíblicos para exemplificar situações, recomendava livros de autor evangélico americano de educação infantil. A mensagem estava toda ali, sem as devidas referências, mas ele sabia que uma grande parte de sua audiência captaria esta mensagem. É uma gramática que evoca Deus, um Deus guerreiro, individualista, um Jesus másculo, potente, um cristianismo que não “fala de igreja”, mas fala de um projeto de sociedade.

‘Conversar com os evangélicos’ se tornou mantra em ano de eleição

  • G |Como avalia o relacionamento da esquerda com os evangélicos?

    RP |

    O tempo passa e a gente ainda não consegue ser surpreendido. As generalizações se mantêm. “Conversar com os evangélicos” se tornou mantra em ano de eleição e primeiros meses de governo para analisar avaliação. No dia a dia, quando a eleição está distante, os evangélicos desaparecem e voltam a ser interesse dos pesquisadores. A despeito disso, um grupo cada vez mais significativo de evangélicos, que acredita em justiça, direitos humanos e democracia, segue entrando pelas fissuras da disputa política, tentando contribuir de maneira significativa com o país. Eles e elas agem quase imperceptíveis, estão espalhados e espalhadas por diversas áreas da sociedade civil, colaborando com movimentos sociais, organizações, auxiliando na leitura de cenário político, defendendo o direito das mulheres, lutando contra o racismo, o racismo religioso, na proteção e acolhimento da comunidade LGBTQIA+, amparando os mais pobres e denunciando a desigualdade econômica e a crise climática. E ainda assim não aparecem o suficiente para que mídia, analistas e observadores notem a diferença poderosa que eles e elas conseguem fazer nos principais debates do país. De repente vêm as eleições, e grande parte da esquerda quer que essa gente os abrace e vá para a rua convencer os evangélicos conservadores das periferias que o futuro do país e a verdade do Evangelho está com os progressistas. Claro que isso não vai a lugar nenhum.

  • G |Na véspera de sua posse como presidente dos EUA, Donald Trump compareceu a uma missa conduzida pela bispa Mariann Edgar Budde, que pediu piedade à comunidade LGBTQIA+ e aos imigrantes. Qual o papel da religião e dos religiosos nesse cenário geopolítico de fortalecimento da extrema-direita?

    RP |

    Papel fundamental, e seria muito bom as forças emancipatórias, o campo progressista, as alianças anti extrema-direita estarem atentos a isso. Lideranças como a bispa anglicana Mariann existem bastante no Brasil. Elas obviamente não comandam mega-igrejas, não tem a mídia ao seu lado, não têm holofotes, às vezes têm apenas alguns canais aqui e ali para escoar ideias, mas elas existem e estão firmes. É razoável pensar que, se a extrema-direita se vale da gramática religiosa e do poder de coesão do conservadorismo cristão para fortalecer sua aliança global, os que querem conter o avanço do extremismo também deveriam considerar fortemente em suas trincheiras as lideranças religiosas que podem projetar suas vozes contra a opressão e a radicalização. Lideranças que podem ajudar a pensar estrategicamente como disputar mentes e corações em tempos tão duros.

A intolerância também tem uma raiz e uma ‘fabricação’

  • G |Você nasceu em uma família umbandista e, ainda na juventude, se converteu. Pode falar um pouco sobre esse processo e se, em algum momento, sentiu intolerância ou falta de respeito à sua crença e às suas escolhas?

    RP |

    Eu tive um processo de transição muito tranquilo, até diria exemplar. Embora, claro, tenha convivido com intolerância em algum momento. Minha mãe tinha um terreiro no quintal e meus vizinhos eram evangélicos. Mas essa diferença nunca interferiu na nossa amizade. Nunca os pais dos meus amigos e amigas os proibiram de brincar comigo ou de frequentar a minha casa por causa do terreiro. E eu muito menos; sempre vivia na casa deles. Depois das obrigações de escola, brincávamos. Quando me converti e resolvi frequentar a igreja, foi porque encontrava mais atividades que me atraíam na igreja. Quando disse para minha mãe que estava pensando em me batizar, ela reagiu com naturalidade. Nossa vizinha evangélica nos vigiava, cuidava de mim tanto quanto minha mãe vigiava e cuidava de seus filhos e filhas. Também trocávamos mantimentos. Não era um mundo perfeito; era uma comunidade funcionando. Grande parte da intolerância e da hostilidade, principalmente por ser umbandista, vinha de fora do nosso convívio local. Então isso me mostra que a intolerância também tem uma raiz e uma “fabricação”.

Produto

  • Teologia Negra: O sopro antirracista do espírito
  • Ronilso Pacheco
  • Zahar
  • 175 páginas

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