As lições de Jonathan Haidt para escolas sem celular — Gama Revista
É mesmo o fim do celular nas escolas?
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Repertório

As lições de Jonathan Haidt para escolas sem celular

Autor best-seller e psicólogo social que pesquisa as consequências do uso de telas por crianças e adolescentes dedicou parte do seu livro a propor medidas de transformação. Gama lista algumas

Luara Calvi Anic 02 de Fevereiro de 2025

As lições de Jonathan Haidt para escolas sem celular

Luara Calvi Anic 02 de Fevereiro de 2025

Autor best-seller e psicólogo social que pesquisa as consequências do uso de telas por crianças e adolescentes dedicou parte do seu livro a propor medidas de transformação. Gama lista algumas

Especialistas em educação, pais e a comunidade escolar como um todo já perceberam os efeitos negativos do uso de celular nas escolas. Com o aparelho no cotidiano dos alunos, os casos de cyberbullying, os transtornos mentais e a dificuldade de aprendizado aumentam, enquanto a possibilidade de desenvolver habilidades sociais são prejudicadas.

Sobre esse tema, o psicólogo social, professor e pesquisador americano Jonathan Haidt se tornou uma referência ao lançar o best-seller “A Geração Ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais” (Companhia das Letras, 2024). No livro, ele defende que o uso de telas por crianças e adolescentes está diretamente relacionado ao desenvolvimento de ansiedade, depressão e até suicídio.

No Brasil, entrou em vigor a Lei nº 15.100/2025, que proíbe o uso por estudantes “de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante a aula, o recreio ou intervalos entre as aulas, para todas as etapas da educação básica”. A aplicação, no entanto, não é tarefa fácil, já que a lei permite o uso para “fins estritamente pedagógicos ou didáticos” e também em situações de perigo e emergência ou para garantir a acessibilidade, inclusão e atender condições de saúde dos estudantes.

 Divulgação

Ou seja, embora proibido para uso pessoal, não é que o smartphone vai sumir da sala de aula. Ele estará por perto caso a escola não tenha, por exemplo, um lugar seguro para que o aparelho seja guardado ou até a disponibilidade de professores e funcionários para orientar os alunos quanto a restrição. Portanto é uma lei que proíbe, mas deixa a cargo das instituções de ensino os meios para que ela seja aplicada — o que especialmente para as escolas públicas depende de estrutura para tal.

Para pensar caminhos possíveis, Gama traz o que Jonathan Haidt defende em um capítulo direcionado especialmente para o tema: “O que as escolas podem fazer agora”. São basicamente duas ações: trancar o celular e aumentar o tempo e o espaço para a brincadeira livre. “Numa escola que não faz nem um nem outro, é provável que os alunos apresentem um alto índice de ansiedade, e será preciso fazer investimentos financeiros consideráveis no tratamento do sofrimento crescente.” Confira mais sobre esses pontos propostos pelo autor:

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Tire os smartphones de perto das crianças

A defesa principal do pesquisador é a de que os celulares sejam proibidos em qualquer fase escolar, as crianças não devem ter acesso ao aparelho enquanto estiverem na escola. Um dos problemas apontados por escolas públicas brasileiras, em relação a reter o celular dos alunos, é que não é sempre que há estrutura segura para armazená-los. “Governos de todos os níveis, locais e federais, poderiam apoiar essa transição alocando fundos para cobrir o baixo custo de comprar armários ou estojos com cadeado onde trancar os aparelhos”, sugere Haidt.

O autor lembra o caso da escola Mountain Middle School, no Colorado, que proibiu os celulares ainda em 2012. Isso porque a taxa de suicídio na região era a mais alta em todo o estado e “o cyberbullying, a privação de sono e a comparação social constante estavam fora do controle”. A diretoria então definiu que, durante o dia, os celulares precisavam ficar na mochila. Nada de bolso, debaixo da carteira ou escondido entre os cadernos. A neurocientista Claudia Feitosa-Santana concedeu uma entrevista a Gama em que afirmou que só o fato do celular estar por perto, ainda que na mochila, já atrapalha a concentração da criança. “É um dreno cerebral que rouba energia, rouba glicose, que é a fonte primordial de alimento cerebral. Agora, se está desligado em outro ambiente, no qual ela não tenha acesso, não há esse dreno cerebral.”

Smartphones e aplicativos são imãs de atenção tão poderosos que metade dos adolescentes diz estar online ‘quase o tempo todo’

A proibição na escola americana surtiu efeitos positivos e, segundo a pesquisa de Haidt, após alguns anos ela se tornou a melhor do estado. “Smartphones e aplicativos são imãs de atenção tão poderosos que metade dos adolescentes diz estar online ‘quase o tempo todo’”, escreve Haidt. “Há alguma dúvida de que uma escola cheia de alunos mexendo no celular ou pensando nele quase o tempo todo — mandando mensagem, verificando redes sociais, jogando durante a aula e o almoço — é um estabelecimento com menos aprendizagem, mais conflito e menor sensação de comunidade e pertencimento?”

No capítulo, Haidt traz ainda pesquisas e dados que provam as quedas significativas no desenvolvimento dos alunos desde o momento em que os adolescentes passaram a usar smartphones. “As notas aumentaram de maneira bastante consistente desde 1970 até 2012, depois essa tendência se inverteu”, ele escreve. A pandemia colaborou de maneira substancial para esse declínio. Mas a reversão nessa tendência de crescimento coincidiu justamente “com o momento em que os adolescentes passavam de celulares básicos a smartphones, o que colaborou fortemente para a fragmentação da atenção”.

Incentive o brincar livre

O uso de celular nos intervalos também está proibido, segundo a nova legislação brasileira. Isso porque, o recreio é tão importante quanto o tempo em aula para o desenvolvimento de diferentes habilidades socioemocionais dos mais jovens. Em seu livro, Haidt chama a atenção para a prática do brincar livre, sem celular e sem a intervenção dos adultos. “A brincadeira física, ao ar livre, com crianças de idades variadas, é a forma de brincar mais saudável, natural e benéfica que existe.”

Uma escola sem celular e com brincar livre está investindo na prevenção

Um dos educadores entrevistados por ele incentivou a prática em sua escola por meio de três mudanças: intervalos mais longos, abertura do parquinho da escola 1h30 antes do início das aulas e a escola aberta de um a cinco dias por semana, no contraturno, para que os alunos usem o espaço. Elas recebem autonomia quase total. Há apenas duas regras: “Não podem machucar deliberadamente outra pessoa e não podem sair sem o conhecimento do adulto encarregado. Esse adulto, por sua vez, não pode organizar brincadeiras ou resolver disputas e só a vai interferir em caso de emergência”. A proposta é, entre outras coisas, desenvolver a autonomia dessas crianças. E, em vez de voltarem para casa “e ficarem com a cara do celular”, elas usufruem do espaço da escola e podem então socializar e desenvolver diferentes habilidades por meio da brincadeira.

Os resultados costumam incluir uma maior facilidade de crianças fazerem amigos, o desenvolvimento da empatia, de habilidades interpessoais e um maior controle emocional. Além de ser também um investimento no futuro: “Uma escola sem celular e com brincar livre está investindo na prevenção”, diz. “Ao mesmo tempo, distancia-se do mundo virtual, promovendo uma aprendizagem e relacionamentos melhores no mundo real.”

Produto

  • A Geração Ansiosa: como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais
  • Companhia das Letras
  • 2024
  • 440 págs

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