Como fazemos sexo hoje — Gama Revista
E aí, o sexo mudou?
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Camila Franc?a

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Semana

Como gozamos hoje

Brinquedos eróticos high tech e minimalistas, o orgasmo como rotina de autocuidado, mais experimentação e menos tabu: abram alas para as novidades sexuais do momento

Manuela Stelzer 17 de Abril de 2022

Como gozamos hoje

Manuela Stelzer 17 de Abril de 2022
Camila Franc?a

Brinquedos eróticos high tech e minimalistas, o orgasmo como rotina de autocuidado, mais experimentação e menos tabu: abram alas para as novidades sexuais do momento

Quem não investiu em um sex toy durante a pandemia pelo menos chegou a pesquisar preços, ler sobre o tema ou investigar as celebridades que admitiram ter um vibrador de cabeceira. O aquecimento do mercado erótico é inegável: em 2021, as vendas no setor cresceram 4,12% em comparação a 2019 (quando a receita foi de 2 bilhões de reais); o número de empreendedores no ramo quase triplicou; e a expectativa para 2027 é que as sex techs, startups que inovam no setor, alcancem um faturamento global de US$ 108 bilhões.

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Dentro de casa na quarentena, quando sobrava tensão e tesão, testou-se um pouco de tudo: apps para transar a distância, festas de sexo no Zoom ou a boa e velha masturbação – por aqui, já investigamos como a pandemia escancarou esse fenômeno que crescia antes do vírus, a do sexo solitário. “Acabamos com aquela ideia de que o sex toy era vinculado à relação com o outro. O isolamento proporcionou uma jornada de autodescoberta no campo da sexualidade”, afirma a jornalista, educadora sexual e editora de conteúdo da Luvv Nathalia Ziemkiewicz.

Agora que as regras de distanciamento afrouxam e os solteiros retornam para a pista, tudo que foi descoberto sobre os próprios fetiches e desejos, além de brinquedos, vibradores e outros aparatos usados durante a quarentena, ganham novas funções no sexo a dois. Gama partiu para investigar o que tem feito sucesso no mercado, as novas práticas para chegar ao orgasmo e o que especialistas da área acreditam ser as tendências para os próximos tempos.

Um vibrador para cada realidade

Com o público cada vez maior e mais curioso sobre as diversas possibilidades que os brinquedos eróticos podem oferecer, o mercado viveu uma ultrasegmentação, como explica Ziemkiewicz. “Não é que uma marca vende vibradores para mulheres. Hoje, uma marca vende vibradores para mulheres trans que curtem plugs anais, ou vende produtos para mulheres cis com câncer, ou até para pessoas com deficiência.”

As linhas de brinquedos eróticos ficaram cada vez mais específicas, delimitando bem o público que querem atingir. A iniciativa Get Bump’n é um exemplo: fundada pelo consultor e ativista da comunidade de pessoas com deficiência Andrew Gurza e pela especialista em estratégia e inovação Heather Morrison, os dois são responsáveis por tirar do papel o primeiro sex toy acessível. “Pesquisadores estão pensando nessas questões. Como alguém que tem dificuldade para segurar objetos com a mão se masturba?”, questiona Ziemkiewicz.

Como alguém que tem dificuldade para segurar objetos com a mão se masturba?

Outra iniciativa trazida pela jornalista é Sex With Cancer, uma campanha e loja de produtos eróticos pensada por dois amigos, Brian Lobel and Joon-Lynn Goh, ambos diagnosticados com câncer. A ideia é pensar em como viver com e para além da doença, como explica o site da iniciativa. “Estamos entendendo que a sexualidade é inata, não importa se você tem deficiência, é gorda, lésbica ou cis. Todos têm o direito de exercer a sexualidade.”

Além das causas sociais, sex shops possuem um catálogo lotado de opções para os mais diferentes desejos e fetiches – e não apenas para serem usados sozinho. “Há uma série de vibradores com duas pontas para que o casal estimule ambos, ao mesmo tempo, seja pênis e vagina, vagina e vagina, etc.”, explica a educadora sexual. “Também existem cintas em que você não apenas penetra o outro, mas é penetrada junto. Tem de tudo.”

Muita tecnologia e design

Grande parte das marcas de sex toys apostou na identidade visual minimalista e sofisticada, na tentativa de chamar a atenção do público para um tema que antes sofria com o tabu. “Quando lancei a Nuasis, em 2016, investi bastante no design, porque achei que isso poderia aproximar a conversa”, explica a fundadora da marca, Laura Magri.

Ela conta que, ao abrir sua loja física, pensou em uma arquitetura e decoração que chamassem a atenção pela beleza, sem deixar tão claro que se tratava de um comércio de produtos eróticos. “Os consumidores podem acabar entrando, numa primeira vez, sem saber do que se trata. Aí a pessoa fica meio envergonhada quando percebe, mas pode até sair com uma compra tímida. Aos poucos vai se acostumar, vai voltar e talvez comprar um lubrificante. Na terceira vez, quem sabe não saia da loja com um vibrador.”

Essa noção do sex shop cheio de pintos de borracha caiu por terra. Os produtos mais vendidos hoje são menores do que um batom

Magri exemplifica uma marca americana que, assim como a Nuasis e muitas outras, não mediu esforços para pensar em um design convidativo. A Dame, fundada em 2014 pela sexóloga Alexandra Fine e pela engenheira do MIT Janet Lieberman, comercializa de lubrificantes à vibradores, todos discretos, em cores opacas e agradáveis aos olhos. “Além de lindos, carregam toda essa ideia de normalizar e naturalizar o sexo. Essa é a inovação”, afirma Magri. “Quero exatamente isso com a Nuasis, tirar os vibradores da gaveta, acabar com o pudor. Quero levar os brinquedos e o debate para a sala de estar.”

A estética clean dos produtos chegou também aos sites e aplicativos que tem a sexualidade como tema. “O app Ysos é um exemplo dessa tendência. A proposta é apresentar o menáge e o swing para as pessoas, mas sem nudez, em cores claras e tranquilas”, explica a empresária Mayumi Sato, que é sócia e fundadora da Sexlog.com, a maior rede social de sexo e swing do país, e idealizadora do Sex Summit, evento sobre mercado erótico. “Você pode abrir o app no meio da rua sem correr o risco de ser surpreendido por um nude. A ideia é tirar o sexo desse lugar escondido.”

A jornalista e educadora sexual Nathalia Ziemkiewicz também aponta para a estética minimalista como tendência: “Essa noção do sex shop cheio de pintos de borracha caiu por terra. Os produtos mais vendidos hoje não tem nada de fálico, são massageadores superdiscretos, bullets menores do que um batom”. E a tecnologia vem nesse pacote.

Conhecimentos de robótica têm sido amplamente usados na fabricação de brinquedos eróticos e outros aparatos. “Há vibradores com alta conectividade, que podem ser acionados de qualquer lugar do mundo, por meio de apps. Empresas vem testando também sensores para serem colocados em partes íntimas que, junto a óculos de realidade virtual, coloca o usuário em uma experiência de ‘sexmetaverso’”, explica a diretora da Exclusiva Sex Camila Gentile. Segundo ela, que comanda a maior rede de sex shop do Brasil, a marca Lovense já lançou uma espécie de plataforma de games que garante o sexo virtual com avatares. O que antes parecia saído de um roteiro de Black Mirror virou realidade.

Tá todo mundo falando nisso

Séries, filmes, livros e até as redes sociais abriram espaço para o sexo. De “Sex Education” (2019) a “Fundamentos do prazer” (2022), passando pelo episódio da série “Explicando” (2018) sobre o orgasmo feminimo, tanto ficção quanto produções documentais se debruçaram sobre o tema e ampliaram o debate sobre prazer. Na internet, se multiplicou o número de perfis que falam abertamente e de forma divertida sobre sexo, masturbação e erotismo. Mas nem sempre foi assim. “Em 2015, quando comecei minha pesquisa para lançar a marca, ninguém queria falar de produtos eróticos. Foi muito difícil encontrar jornalistas que quisessem publicar matérias sobre isso”, conta Laura Magri, da Nuasis.

Aos poucos, Hollywood, produtores de conteúdo e especialistas em sexualidade perceberam o abismo que havia entre o sexo real e o que era mostrado para o público. “Agora vejo muitas produções com abordagens legais, muita gente incrível falando de sexo.” Magri aponta também para o movimento do pós-pornô que, por mais tímido que seja, existe e cresce no mundo. “Há pornografia além do PornHub, que por muito tempo educou de forma errada. Quando você não dá ferramentas para as pessoas aprenderem, elas se educam como podem na internet”, afirma. “Estamos no começo ainda, mas essa quantidade de conteúdo, produções e gente falando do tema amplia a comunicação, que é o que vai levar a coisa toda pra frente.”

Nem só de skincare vive o autocuidado

Sexual wellness é o novo termo do mercado erótico. Se antes a indústria da beleza lucrou milhões com sabonetes, cremes e óleos para a rotina de cuidado facial, marcas de sex toys miraram no bem-estar para comercializar lubrificantes, brinquedos e cosméticos para genitais. “Há opções de lubrificantes que podem ser usados como hidratantes vaginais, que funcionam para coceiras e irritações recorrentes, entre outros. Também géis que retardam a ejaculação”, exemplifica Nathalia Ziemkiewicz. “Não é só o cosmético pela, entre muitas aspas, ‘putaria em si’. São produtos que olham para a saúde sexual de pessoas que transam.”

Da mesma forma que cuidamos da alimentação, do intelecto, do físico, devemos cuidar da nossa sexualidade

Camila Gentile, da Exclusive Sex, traz uma série de opções de produtos que devem aparecer cada vez mais nos catálogos: “Lubrificantes a base de coco, águas termais com aloe vera para tonificar a região da vagina. Ainda temos o skincare da região íntima, com esfoliantes a base de manteiga de karité, óleo de coco, entre outros”. Ela diz que o autocuidado sexual “vem com tudo em 2022”.

A associação entre sexo e bem-estar tem ampla aprovação científica. Especialistas muito respeitados na área, como a psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo, já colocaram a sexualidade como um dos pilares da qualidade de vida. E há estudos atestam que as relações sexuais podem até melhorar a produtividade no trabalho. “Sexualidade não é só transar, e transar não é só penetração. É algo muito mais amplo”, afirma Magri. “Quando falamos de libido, as pessoas entendem como tesão. Mas o conceito original, desde Freud, é pulsão de vida. Se não tenho libido, não tenho vontade de fazer nada”, acrescenta Ziemkiewicz. “Da mesma forma que cuidamos da alimentação, do intelecto, do físico, devemos cuidar da nossa sexualidade.”

Sobre a imagem que abre esta reportagem

No início da pandemia, a fotógrafa Camila França fez um ensaio remoto — ela no Brasil, e a modelo, na Alemanha. O objetivo da sessão era oferecer um tempo de amor próprio, e por isso a artista propôs à modelo, que vivia seu puerpério na época, uma cena com a presença de um espelho. Naquele momento, de maneira espontânea, a modelo sentiu uma vontade imensa de se beijar, e resolveu lamber o espelho. “Foi então que aconteceu esse registro e tantos outros de prazer consigo mesma”, contou a fotógrafa a Gama.