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Cinco artistas amazônicos falam sobre sua trajetórias, seus trabalhos, e sobre como eles são uma forma de resistência e de celebração de suas origens
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Arte que vem da Amazônia
Cinco artistas amazônicos falam sobre sua trajetórias, seus trabalhos, e sobre como eles são uma forma de resistência e de celebração de suas origens
Nem só da derrubada da floresta, do avanço de atividades ilegais, como garimpo e extração de madeira, e da violência contra povos nativos vive a Amazônia. Ela também é palco e tema de diferentes artistas e suas obras. As produções não estão descoladas da realidade, uma vez que muitas das dificuldades que a região sofre são o impulso de criação. O resultado é uma arte que questiona, incomoda, mas jamais deixa de celebrar a riqueza da diversidade e da identidade amazônica.
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Gama conversou com cinco artistas da Amazônia brasileira que têm ganhado notoriedade e que, apesar de terem histórias, origens e suportes diferentes, se unem pela arte como forma de resistência. “Ao vivenciar todos os dias a realidade dessa região se tornou uma necessidade humana protagonizar a terra, a floresta, a Amazônia”, conta a multiartista amazonense Francis Baiardi. Alguns viram na arte também uma forma de acalmar as inquietações pessoais, e de representar o que vivem, sentem e efetivamente são. É o caso de Denilson Baniwa, que além de usar a arte como ferramenta de luta por direitos dos povos indígenas, fala de sua história e desafios: “Enquanto artista, meu trabalho fala também de questões bem íntimas, como o viver fora da aldeia, como é enfrentar uma vida diferente”.
A seguir, esses artistas contam sobre sua trajetória, trabalho e a importância de falar da Amazônia, suas vivências e contar as narrativas na região.
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“Entretantos Améns”, “Ginástica da Pele” e “O Mito”, Berna Reale/cortesia Nara Roesler Contra a violência silenciosa
Berna Reale, 56 anos, artista que trabalha com instalações e performances. Nascida em Belém, no Pará
Logo que se graduou em educação artística, Berna Reale ainda não sabia direito o que queria fazer. Foi apenas depois de trabalhar em uma fundação cultural para menores carentes, em Belém, que disse ter sido capturada pela arte. “Foi ali que vi o quanto a arte desloca, o quanto pode ser transformadora”, conta a Gama.
Reale iniciou sua carreira artística no começo da década de 1990. Seu primeiro trabalho de grande impacto, “Cerne” (25º Salão Arte Pará, 2006) foi uma intervenção fotográfica realizada no Mercado de Carne do Complexo do Ver-o-Peso, que conduziu a artista ao Centro de Perícias Renato Chaves, onde passou a trabalhar como perita a partir de 2010. Desde então, ela explora seu próprio corpo como elemento principal de performances, fotografias e vídeos.
A mensagem que quer passar é de desassossego, de desconforto. “Assim tento provocar uma reflexão sobre questões urgentes, de violência, muitas vezes silenciosa.” A potência de seus trabalhos se encontra no contraste entre certo desejo de aproximação, mas também, uma repulsa, que ironiza e ressalta o fascínio junto à aversão da sociedade em relação a violência. A Amazônia está presente em tudo o que faz, mas não como temática ecológica. “A Amazônia entra na minha arte como palco de violência, principalmente com seus povos tradicionais, que nasceram aqui, e até hoje vivem à margem. Quem se lembra do Norte?”
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Denilson Baniwa. “Site specific” utilizando objetos recolhidos em viagem ao Rio Negro, instalação sonora e projeção de vídeo. “Descimento”: instalação de canoa rio negrinha e piraíbas de piaçava, 2020-2021. “Ajuricaba”: instalação sonora e projeção de imagens, 2020-2021. Fotos: Adriano Sobral @adrianosobralfotografia Arte para mediar realidades
Denilson Baniwa, 37 anos, do povo indígena Baniwa. É artista, curador, designer, ilustrador, comunicador e ativista. Nascido em Barcelos, no estado do Amazonas
O gosto pela arte é onipresente na vida de Denilson Baniwa. Desde pequeno, sempre gostou de desenhar, pintar; começou ainda na escola. “Só quando me mudei para Manaus, para estudar, que fui entender como alguns artistas utilizavam o trabalho como suporte para a luta por direitos”, conta a Gama. “Isso foi muito importante para mim, porque vi como eu poderia aliar minha luta, enquanto indígena, com um trabalho de criação.”
Há alguns anos, ao ir a uma exposição no Museu de Arte do Rio de Janeiro, entendeu como poderia, enquanto artista indígena que morava no Sudeste, conectar dois mundos extremamente diferentes. “Minha vida passa por tudo isso, desse trânsito entre mundos. Ao mesmo tempo que eu vivo o mundo Baniwa, indígena, também vivo o mundo branco, ocidental, e do Sudeste. Acho que o meio que eu encontrei de fazer a mediação entre esses dois mundos é a arte.”
São muitas as mensagens que o artista quer transmitir por meio de suas obras, mas há um público específico que parece querer atingir. “Encontro muitas pessoas que desconhecem totalmente a realidade indígena e amazônica. Que vão desde coisas simples, como desconhecimento da cultura alimentar, até o preconceito”, diz ele. “O que tento fazer é quebrar esse estereótipo, esse ‘índio de 1500’, que se tornou lenda dentro do Brasil, ou de uma Amazônia que ainda é creditada como Euclides da Cunha falava: ‘Os sertões brasileiros, as regiões inexploradas, longínquas, inalcançáveis, cheias de aventuras perigosas’. Não é assim. As realidades mudaram.”
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Éder Oliveira. “Perpasse”, 2020. “Sem título” [série “Margens”], 2020. “Sem título” [série “Textos Históricos”], 2019. Fotos: Octavio Cardoso. Retrato: arquivo pessoal Retratos de sujeitos amazônicos
Éder Oliveira, 38 anos, pintor. Nascido em Timboteua, vilarejo próximo a Belém, no Pará.
O primeiro contato de Éder Oliveira com a arte foi na universidade, quando cursou educação artística e artes plásticas. Antes, durante a infância no pequeno vilarejo que se unia à periferia de Belém, já gostava de desenho, produzia os cartazes na escola e depois os cenários de peças comunitárias. “Foi na faculdade também que descobri sobre minha relação com a cor, quando entendi que era daltônico. Foi um período de muitas descobertas.”
Em seu trabalho, Éder busca falar sobre identidade cultural. Apesar de trazer rostos comuns, reflete sobre um contexto histórico, social e geográfico. “As pessoas que eu investigo têm uma característica muito própria da Amazônia, própria dessa região de sol e umidade fortes, e isso reflete no olhar das pessoas”, conta. “Quero retratar esse sujeito amazônico, mas parto de pessoas que sofrem das próprias relações da Amazônia, onde entra essa reflexão sobre a colonização. A Amazônia, que está tão em foco agora por questões ambientais, tem um reflexo disso nas relações pessoais também.”
Por ser historicamente destinado a pessoas de elite e com poder de decisão, o retrato foi a forma que o artista escolheu para representar pessoas comuns, e assim gerar reflexão e visibilidade. “Crio essa investigação para que as pessoas reflitam sobre seu papel e sobre o outro na Amazônia.” A ideia da série de retratos surgiu de forma espontânea, mas hoje ele enxerga que sempre partiu do princípio de “ratificar uma importância para os meus semelhantes, e de tentar ser visto também”.
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Laíza Ferreira. Colagem para o espetáculo “Quaseilhas” de Diego Araúja. “Memória ancestral”, 2018, fotocolagem. Retrato: Gi Saturnino Lembrar para resistir
Laíza Ferreira, 33 anos, colagista e fotógrafa. Nascida e criada em Ananindeua, Pará
“Trago essas memórias ancestrais para o meu trabalho. É uma forma de mantê-las vivas dentro de mim, e que isso possa se manifestar também nas outras pessoas.” Esse é um dos propósitos da artista Laíza Ferreira, nascida e criada em Ananindeua, o segundo município mais populoso do Pará. Ela começou na arte pelos fanzines, sempre curiosa por sua identidade e história. Sua avó era descendente dos quilombolas do Moju, no Pará, da comunidade São Manuel de Jambuaçu. “Precisou sair de lá por conta de uma epidemia de malária. Foi para Belém e não conseguiu voltar para a comunidade depois.”
São histórias como essas, principalmente da avó e da mãe, que Laíza coloca em suas obras e colagens. Nelas, mistura antigos registros e fotografias em preto e branco, encontradas em arquivos pessoais, garimpos e sites de busca, com plantas, ervas, água. Também frisa a importância de trazer as narrativas negras e apagadas para o primeiro plano, e contestar a historiografia oficial — e colonial. “Precisamos representar esses corpos de uma forma diferente, não de uma forma estereotipada, não daquela forma triste e perversa que no período colonial traziam.”
Para ela, celebrar e resistir são dois verbos que andam juntos. “Meu trabalho é de política, de resistência, ao mesmo tempo que celebra essa memória viva, e não deixa com que a lembrança das minhas antepassadas se perca.”
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Francis Baiardi. Foto: Rafael Lins/Burno Goulart Arte e floresta que coexistem no corpo
Francis Baiardi, 46 anos, artista independente, pesquisa, cria e atua na dança contemporânea, processos de criação e improvisação. Nascida em Manaus, no Amazonas
Já há 34 anos na estrada, Francis Baiardi começou sua carreira na dança aos 12 anos, em um projeto chamado Teatro dos Artistas e dos Estudantes, em Manaus, onde nasceu. “Sou filha caçula de nove irmãos, e vi na dança, ainda jovem, um lugar para mim. Um lugar de liberdade, onde poderia me expressar de maneira mais inteira, com a totalidade do corpo, para além das palavras.”
Sua última obra, “Angelim Vermelho”, de 2020, tem como protagonista a floresta. “Ela está pedindo socorro, não é de hoje. Morando nesse lugar, sinto o cheiro das queimadas. Quando você adentra mais na floresta, vê os troncos, árvores cortadas, e tudo que a ganância humana é capaz.” Por isso, ela diz que é impossível ser atravessada pela experiência, pelos cheiros e pelo cenário de destruição sem abordá-lo na criação artística.
Para ela, a arte é um meio de pedir respeito. “Com ela, digo: respeitem esses corpos que são da floresta, que tem história e memória. Escutem os saberes, a ciência, conheçam a arte, a cultura indígena, a cultura do Norte. Nós não precisamos de ninguém falando por nós, porque nós sabemos falar a nossa língua, a nossa rima, do nosso jeito”, afirma Francis. “Conheçam a cultura do Norte, os artistas, os criadores, os pescadores, os filósofos, o ar. Porque nós respiramos mesmo diante desse desmonte, desse desmatamento.” Segundo ela, a arte e a floresta coexistem em seu corpo amazônico, e, assim, resiste. “Viver na Amazônia é para os fortes.”
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