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ConversasElisama Santos: "Um dos maiores erros dos pais é a incapacidade de escuta"
Psicanalista e educadora parental diz que pais devem sair da postura de apenas ensinar para se reconectar com a “enorme possibilidade de aprender”
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Elisama Santos: “Um dos maiores erros dos pais é a incapacidade de escuta”
Psicanalista e educadora parental diz que pais devem sair da postura de apenas ensinar para se reconectar com a “enorme possibilidade de aprender”
Na teoria, todos queremos ser mães e pais melhores, acolhedores, próximos, empáticos e gentis. Na prática, o cansaço, a pressa e as reações imprevistas e explosivas de uma criança podem deixar o cenário bem mais nebuloso. Mas como alcançar o ideal da parentalidade gentil, que prega construir um vínculo maior entre pais e filhos por meio da empatia, da não violência, mas com limites e firmeza? Para a educadora parental, psicanalista e autora best-seller Elisama Santos, o primeiro passo é falar menos e ouvir mais.
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Autora de livros como “Educação Não Violenta” (Paz & Terra, 2019) e “Por Que Gritamos” (Idem, 2020), ela afirma que a pressa nos leva a jogar em cima da criança “sapos que engolimos de outras relações”. Por ser o elo mais frágil e por termos na cabeça que nosso principal papel é educar essa criança, acabamos nos vendo no direito de exigir “uma colher de chá”, acreditando que ela não pode nos dar trabalho e tem que ser cooperativa. “Mas não paramos para pensar sobre o que está acontecendo com a criança para que ela trate os adultos dessa maneira”, diz a educadora. “Um dos maiores erros dos pais é a incapacidade de escuta.”
Santos afirma que outro passo importante é ajustar as expectativas sobre a relação com o filho e buscar meios mais lúdicos para evitar possíveis embates. Mas também é importante ter em mente que é humano e aceitável errar e que exercer uma parentalidade mais gentil e positiva não deve se tornar mais uma cobrança. “Nós falhamos e vamos errar. Winnicott fala que uma maternidade perfeita seria prejudicial para a criança. É preciso então falar, mostrar às crianças que falhamos; pedir desculpas”, afirma na entrevista a Gama a seguir.
Temos a tendência de vomitar no filho o sapo que engolimos de outras relações
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G |Como a parentalidade gentil é possível em um mundo tão acelerado e em que o tempo é escasso? Como não jogar nosso estresse nas crianças?
Elisama Santos |É preciso primeiro cuidar das nossas redes de apoio, porque quando a gente fala da nossa pressa, da nossa angústia sobre a falta de tempo, falamos de sobrecarga. É ela que faz com que acreditemos que tudo tem que ser para ontem. O segundo ponto é entregar o problema para os donos do problema: temos a tendência de vomitar no filho o sapo que engolimos de outras relações. Você está estressada e quando chega em casa, por qualquer coisa, você briga com seu filho e fala “pelo menos você; você não”, como se essa criança tivesse a obrigação de amenizar suas questões porque você está com problemas. Precisamos aprender a ser adultos e separar o que é problema seu do que é da relação com a criança. Quais são as minhas questões com o mundo e por que estou descontando nela? Se não ficarmos atentos, a criança recebe a conta das nossas insatisfações. É mais fácil brigar com ela, e a sociedade nos deu esse direito, além do de gritar, dar castigo e ainda chamar isso de amor e educação. Precisamos entender que a criança não tem a obrigação de “facilitar”. O problema não está na parentalidade, mas na solidão e na forma com que nós a temos exercido.
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G |Parentalidade gentil é para todo mundo?
ES |Relações amorosas, compreensivas e respeitosas são para todo mundo. Não acredito que exista uma relação em que não caiba a gentileza, o amor, a educação, a responsabilidade. Cada criança é de um jeito e devemos descobrir como essa gentileza vai se apresentar na relação com nossos filhos. A violência nunca é necessária e, quando um adulto bate em uma criança, ele assume uma incompetência. Há uma inversão da lógica: ela só aprende se eu bato; e não “eu entendo que me faltam ferramentas para lidar com ela”.
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G |Como fazer com que não vire uma cobrança de algo inalcançável e que cause mais frustração?
ES |Nós falhamos e vamos errar. Winnicott fala que uma maternidade perfeita seria prejudicial para a criança. É preciso então falar, mostrar às crianças que falhamos; pedir desculpas. Conversar, explicar, falar o que sentiu na hora em que estourou, buscar reparar o erro na conversa, mostrar para a criança que nós podemos nos refazer após as nossas quedas, mostrar que a nossa relação é forte. Se eu só mostro que sou perfeito, coloco um parâmetro bem inalcançável para essa criança, que nunca vai ser perfeita. Nós educamos inclusive quando erramos. Demonstramos como lidar com a vida quando pisamos na bola. Temos uma visão da maternidade e da paternidade que é problemática porque pressupõe que apenas ensinamos, e isso nos desconecta da enorme possibilidade de aprender. Precisamos reconhecer os erros, assumi-los e conversar sobre eles.
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G |Em diferentes fases da infância e da adolescência, é comum que os filhos testem os limites dos pais. Como manter-se consciente disso e não gritar, não empreender atitudes mais violentas?
ES |Duas coisas são importantes: saber que essa experimentação da vida é importante para eles e que o mundo não gira em torno do nosso umbigo. Levamos tudo para o lado pessoal: “A criança está falando assim porque quer me afrontar; fala aquilo outro porque não me respeita”. Mas talvez ele esteja falando assim porque está com dificuldade de lutar contra a própria frustração ou porque está aprendendo a lidar com a raiva. Claro que às vezes dói ouvir algo ruim de um filho, mas temos que entender que na maior parte das vezes eles não têm a mais remota noção do quanto isso machuca — não é de um adulto que sai aquela frase. Em vez da certeza de que a criança fez isso porque é afrontosa, vamos pensar: o que a está movendo para falar comigo desse jeito? Com que nível de estresse, sofrimento e angústia ela sofre para agir comigo assim? É muito diferente o olhar de “como eu mostro que ele errou?” para o de “ele errou, como eu o ajudo a não repetir isso?”.
A empatia nos convoca a olhar o outro, é um ponto de vista e um exercício que nos tira do centro
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G |Mas como ter consciência disso quando já estamos furiosos?
ES |Tem um momento em que o máximo que eu consigo fazer com a minha energia é não surtar. Existe um momento em que eu consigo respirar e ser acolhedora, olhar pra essa criança. Mas quando estou muito furiosa, eu preciso me regular. É quando nos afastamos, bebemos água, damos um tempo, pedimos ajuda a alguém. Lembro quando meus filhos eram muito pequenininhos e eu não podia me afastar; fechava o olho e cantava bem alto. É preciso sair da fúria para conseguir olhar para eles. É uma ideia ilusória achar que é possível ser acolhedor sempre. Depois que me acalmar, vamos entender o que aconteceu, conversar, tentar desenvolver uma ferramenta. Vários pais me perguntam o que se faz para não ficar nervoso, e eu sempre respondo a mesma coisa: quem disse que não pode ficar nervoso?
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G |Uma parte importante da parentalidade gentil é estimular autoestima, empatia, respeito, compreensão e limites. Quais são os nossos principais pecados e escorregadas no dia a dia em relação a esses pontos?
ES |Temos uma dificuldade muito grande de ouvir “não” de uma criança, mas tem “não” que é inegociável, que a gente não pode aceitar mesmo — escovar os dentes, tomar banho, etc. Em vez de trazer uma inflexibilidade que dificulta muito a relação e prejudica também a autoestima da criança, podemos tentar saídas diferentes, mais lúdicas. À medida que eu ignoro o que a criança fala, que a corto, digo que não é importante o que ela diz, eu mino a autoestima dela. A ideia de quem a criança é e de que ela importa vai se desfazendo. Um dos maiores erros dos pais é a incapacidade de escuta, de sair do centro do processo de educação. Olhar para aquele ser humano como um ser humano; as crianças não são o futuro, elas já são o presente, são completinhas hoje e desde o dia em que chegaram ao mundo. Estamos sempre no amanhã, mas e o hoje? E isso não quer dizer que eu precise sempre dizer sim. Posso dizer não, mas tenho que entender que ela tem o direito de frustrar-se. Temos que respeitá-la.
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G |Como é que a empatia pode nos ajudar nesse processo de lidar de maneira diferente com as reações dos nossos filhos e com as nossas também?
ES |Gostei de você botar as nossas também porque a auto empatia e a autocompaixão são importantes também por serem capazes de nos tirar a ideia de que somos “descontrolados”. A empatia nos dá uma curiosidade de investigar porque reagimos daquele jeito. Ela nos convoca a olhar o outro, é um ponto de vista e um exercício que nos tira do centro. Muitas vezes, confundimos as nossas sensações com as intenções dos outros. Então, se eu me senti humilhada, foi porque você quis me humilhar. Fazemos isso com as crianças o tempo inteiro, mas a empatia me faz entender que me senti desrespeitada e a criança pode ter pensado outra coisa, não era essa a intenção. A empatia abre a possibilidade de pensar sobre o que a criança sentiu, o que passou pela cabeça dela. Pensar, também, em por que eu gritei, me descontrolei, tem um poder de transformação, dá espaço para ação. Isso me mostra como alguém que pode ser transformado, e não alguém que está pronto.
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G |Como falar de leveza quando temos diante de nós uma criança que nos tira do sério com birra, choro e atitudes dessa natureza?
ES |Primeiro é importante lembrar que, quando saio do sério com uma criança, muitas vezes esse descompasso tem a ver com as expectativas que eu tinha em relação à criança. Ela está apenas sendo criança, e talvez eu tivesse expectativas desreguladas. O segundo ponto é que é muito fácil ser leve quando as coisas estão bem. A criança é um convite à leveza. É muito mais fácil levar seu filho de cinco anos para tomar banho ao propor uma brincadeira do que repetir 30 vezes que está na hora de ir para o banheiro. O lúdico muitas vezes funciona mais que o racional porque é nesse mundo que a criança habita e é ele que vai facilitar a tua vida. Precisamos entender que o nosso cansaço não obriga as crianças a fazerem as coisas do nosso jeito e na nossa hora. Mais uma vez: tenhamos cuidado para não cuspir nas crianças os sapos das outras relações.
Precisamos ajustar a expectativa que não vamos tornar o medo leve
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G |Como sermos pais leves e ao mesmo tempo dar conta dos medos que os filhos sentem, medos que são parte da infância e do crescimento, mas que também são compartilhados conosco?
ES |Precisamos ajustar a expectativa que não vamos tornar o medo leve. Não é a nossa função, enquanto pais e mães, fingirmos que o medo não existe e tornar a vida toda levinha, gostosinha, bonitinha para os nossos filhos. A gente é incapaz de fazer isso. Como tornar leve um assunto sobre ataque na escola, o medo real do que pode acontecer? É uma expectativa que vai nos levar à frustração. Mas com outros medos, do escuro, de uma aranha, de um monstro, podemos usar o lúdico novamente. Com meus filhos, tentei montar um monstro do que seria o medo. Mas ainda assim não podemos impedir a criança de chorar. Se a gente quer tornar muito leve, deixa a criança sozinha com o medo dela. E não vai ser leve mesmo lidar com as questões sociais. Amenizar a gravidade delas faz mal para todo mundo. Temos que nos indignar.
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G |O que você sugere para esses assuntos mais sérios, como os casos de violência nas escolas, por exemplo? Como podemos tratar isso com as crianças?
ES |Minha primeira sugestão é que a gente fale menos e escute mais. Pergunte: “Como você percebe isso? O que acha que vai acontecer?” Temos dificuldade em escutar as crianças. Sugiro abrir espaço para falar todos os dias, para que ela consiga esmiuçar, digerir e entender. Temos a tendência de cortar o assunto, mas quando o encerramos, ele não desaparece. Apenas deixamos a criança sozinha com esse medo.
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G |Que dicas você dá para que os pais consigam explicar de forma mais eficiente os acontecimentos mais difíceis, mas normais da vida, como dores e separações?
ES |O primeiro passo é a escuta. Tem que ouvir todos os medos, pensamentos, loucuras que vierem à cabeça da criança. Deixe que ela fale e consiga digerir isso com você. Um segundo ponto é que as nossas mentes são muito criativas. O que eu não explico vai ser inventado; provavelmente as crianças vão criar justificativas em suas cabecinhas com poucas informações. Se me separei mas não quero contar os motivos e as brigas com o ex-marido seguem todos os dias, elas criam historinhas em suas cabeças. É melhor dizer que é um momento difícil, que não tem a ver com as crianças e que são coisas íntimas que os dois estão tentando resolver. É melhor dar um contorno sobre aquela situação para que elas não sofram mais.
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G |A relação entre pais e filhos adolescentes pressupõe rupturas e costuma ser difícil para muita gente. O que os pais podem fazer para ficar mais próximos dos filhos? O que seria a parentalidade gentil para adolescentes?
ES |Gosto do uso da palavra “ruptura” e acrescento aqui “reconstrução”. Vai ter uma ruptura do jeito com que a gente se relacionava, mas há um espaço para transformação, para reconexão com este adolescente, que agora é muito mais autônomo e tem outros relacionamentos importantes. E aí precisamos viver os nossos lutos, do lugar que ocupávamos antes e que não ocupamos mais na vida dele. Há ainda um luto de quem eu acho que ele deveria ser e provavelmente não vai ser, e o do que acho que a nossa relação deveria ter. Para os pais de adolescente, uma dica é aproveitar o timing. A autora do “Disciplina Positiva”, Jane Nelsen, tem um exemplo que eu gosto: ela diz que é como se os adolescentes vivessem em carros com os vidros fechados. Às vezes, eles baixam esses vidros e nos chamam. Quando você ouvir esse chamado, largue tudo o que estiver fazendo e se aproxime para saber o que é. Porque, se você perder isso, até ele abaixar o vidro de novo vai demorar um tempo. Nos esforçamos muito com a criança pequena, aprendemos todas as músicas do Palavra Cantada, mas eles crescem e não queremos mais ouvir o que eles gostam porque “isso não é nem música”. Precisamos voltar a nos esforçar.
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CAPA Como ser mais leve?
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