Quem mapeia a Amazônia? — Gama Revista
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Nature Communications (Nat Commun) ISSN 2041-1723

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Reportagem

Quem mapeia a Amazônia?

Com o desmatamento em alta e a Amazônia sob constante ameaça, o trabalho de quem mapeia e monitora a floresta hoje é mais importante do que nunca. Entenda como funciona esse monitoramento

Leonardo Neiva 04 de Setembro de 2022
Nature Communications (Nat Commun) ISSN 2041-1723

Quem mapeia a Amazônia?

Com o desmatamento em alta e a Amazônia sob constante ameaça, o trabalho de quem mapeia e monitora a floresta hoje é mais importante do que nunca. Entenda como funciona esse monitoramento

Leonardo Neiva 04 de Setembro de 2022

Em agosto de 2022, foi registrado na Amazônia o maior desmatamento dos últimos dez anos, segundo dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia). Segundo especialistas, desde 2012 o desmatamento na região vem aumentando de forma linear ano após ano. Unindo essas informações ao relatório publicado em agosto do ano passado pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que apontou a realidade desesperadora do clima no planeta, o que também passa pela devastação da região amazônica, é possível pintar um quadro bastante desolador sobre a situação ambiental que vivemos.

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No entanto, notícias como essas também jogam luz sobre uma área que vem funcionando cada vez melhor e de forma mais detalhada no Brasil: a do mapeamento e monitoramento frequentes do território amazônico. Mas, afinal, como ele é feito e quem são os responsáveis por esse acompanhamento?

Considerando as dimensões continentais de um país como Brasil e a fatia considerável que a floresta amazônica ocupa dentro desse território — ela perpassa nove estados e 772 municípios –, não é nenhuma surpresa pensar que o mapeamento de toda essa região é feito quase que exclusivamente por meio de satélites espaciais virados para a superfície terrestre. Dentro dessa lógica, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) é a instituição que vem operando a maior parte do trabalho pesado de mapeamento e monitoramento da Amazônia há mais de três décadas.

No início, lá no final da década de 1980, os registros vinham do satélite norte-americano Landsat, desenvolvido pela Nasa. A partir delas, a instituição conseguia gerar e processar imagens específicas e mais aproximadas da região para mapeá-la e extrair informações relevantes de monitoramento. Com o passar do tempo, no entanto, foram surgindo mais satélites, o que diversificou essas oportunidades. “Somos um dos poucos países que têm uma constelação de três satélites próprios observando a terra”, aponta Luiz Aragão, chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe.

No final do século passado, o Brasil lançou no espaço seu primeiro satélite, numa parceria com o governo Chinês: o CBERS (Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). Hoje em sua quarta versão, o CBERS-4, ele gera imagens que podem ser usadas de forma totalmente gratuita pelas instituições do ramo. Já está no ar também o Amazônia 1, primeiro satélite 100% desenvolvido no Brasil, que foi lançado em fevereiro de 2021.

“Hoje, se estivermos monitorando o desmatamento, usamos as imagens para extrair informações das regiões desmatadas, quantificamos a área de perda de floresta e depois disponibilizamos esses dados de forma totalmente aberta ao público na nossa plataforma”, afirma Aragão. A plataforma citada é a TerraBrasilis, site onde a instituição reúne, organiza e disponibiliza seus dados geográficos de monitoramento.

O representante do Inpe explica que a organização tem quatro sistemas para monitorar a região. O principal deles é o PRODES, utilizado para gerar as taxas oficiais de desmatamento na Amazônia e no cerrado, e que identifica áreas desmatadas quando elas têm acima dos 30 metros de extensão. Recentemente, seu uso vem se expandindo para o monitoramento de outros biomas brasileiros. Já o DETER, criado em 2004, usa exclusivamente satélites brasileiros para auxiliar a fiscalização. Seus dados são enviados para órgãos como ICMBio e Ibama, assim como agências estaduais e secretarias de meio ambiente.

O sistema TerraClass, por sua vez, faz uma espécie de varredura naquilo que é captado pelos satélites do PRODES. Ele lança um olhar mais aprofundado para as áreas desmatadas, buscando entender se elas estão sendo usadas para agricultura, como pastagens, se foram simplesmente abandonadas ou tornaram-se florestas secundárias — que se regeneraram naturalmente após a destruição da original. “Hoje esse entendimento é importante para os pagamentos por serviços ambientais, porque dá para quantificar as áreas produtivas e se as propriedades estão de acordo com a legislação”, completa Aragão.

Por fim, há o BDQueimadas, o último sistema da lista e que, como o nome já adianta, monitora a ocorrência de incêndios. São dez satélites de diferentes países que ajudam a produzir mapas diários com focos de queimada no Brasil e em toda a América do Sul. Hoje, os sistemas de monitoramento da instituição já integram até uma inteligência artificial que, usando aprendizado de máquina, prevê as áreas com mais potencial de serem desmatadas no futuro. “Assim classificamos regiões prioritárias para planejamento e intervenção das agências de fiscalização”, diz o representante do Inpe.

Trocando informações

Entre as instituições que fazem o monitoramento da situação na Amazônia, praticamente todas usam dados do Inpe, diz Stefano Wrobleski, diretor do site jornalístico InfoAmazônia, focado na região. “Porque são muito bons, aperfeiçoados há três décadas, com um altíssimo nível de confiança”, afirma o especialista. Ele lembra também que a metodologia de produção e publicização dessas informações pelo Inpe foi tão inovadora quando surgiu, lá na década de 1980, que a própria Nasa buscou contato com a instituição para aprender mais sobre seu funcionamento.

Há, no entanto, outras bases de dados disponíveis e que também são bastante utilizadas, como a do Imazon ou o Global Forest Change, desenvolvido numa parceria entre o Google e a Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.

A base do InfoAmazônia é o geojornalismo, uma área dentro do jornalismo que conecta mapas e dados para contar histórias. A instituição, portanto, não produz nenhum tipo de dado, mas os traduz em narrativas que englobam desde o desmatamento até o aumento da mineração na floresta amazônica. De olho numa forma de facilitar esse processo, a organização também foi desenvolvendo ao longo do tempo técnicas automatizadas para captar dados e cruzá-los com informações relevantes.

É o caso da ferramenta Amazônia Minada, que desde o início de 2022 mostra os cruzamentos entre os pedidos de mineração feitos pela ANM (Agência Nacional de Mineração) e os cadastros de terras indígenas e unidades de conservação integral. “A gente verifica as intersecções todos os dias na base da ANM e coloca na plataforma para que qualquer um possa ver e baixar os dados”, conta Wrobleski. Mais do que isso, um bot foi escalado para fazer posts no Twitter automaticamente sempre que aparece uma nova demanda com esses requisitos. No projeto Amazônia Sufocada, por sua vez, o bot aponta na rede social os principais pontos de queimada na região.

“Conseguimos fazer um monitoramento com muito menos recursos, porque não tem que ficar extraindo e cruzando o tempo todo, e desenvolvemos reportagens mais rapidamente”, diz o diretor da instituição. “O Amazônia Minada hoje vem sendo usado por várias ONGs para fazer ativismo contra empresas que geram pressão sobre determinados territórios protegidos.”

Linha vermelha indica os menos de 50 km que faltam para ligar os ramais ilegais abertos nos últimos anos dentro de áreas protegidas do lado de Novo Progresso (à esquerda) e São Félix do Xingu (à direita), no Corredor do Xingu.  Reprodução Infoamazonia

Tecnologia que aproxima

Para quem acha meio vaga a informação de que alguns milhares de hectares foram desmatados — afinal, é difícil lembrar de cabeça a medida de um hectare –, a plataforma PlenaMata veio para resolver o dilema. Na prática, ela calcula o número de árvores derrubadas para dar uma ideia mais clara do estrago. Lançada em 2021 numa parceria entre as instituições MapBiomas e InfoAmazônia com a Natura, a plataforma analisa os dados de desmatamento produzidos pelo Inpe de acordo com a quantidade de árvores presentes por hectare amazônico. “Você consegue ver de forma palpável quantas foram derrubadas, é muito mais fácil do que falar em milhares de hectares ou campos de futebol. 300 milhões de árvores são árvores para caramba”, considera o diretor do InfoAmazônia.

Instituição especializada no mapeamento do uso da terra, monitoramento de queimadas e superfície das águas nos diversos biomas brasileiros, o MapBiomas é uma rede colaborativa formada por ONGs, universidades e startups de tecnologia. Além do trabalho de mapear e monitorar, a organização usa imagens mais aproximadas registradas por satélites para validar informações emitidas por instituições como o Inpe, garantindo uma margem de erro bastante baixa para esse tipo de relatório.

De acordo com o coordenador técnico da instituição, Marcos Rosa, o desenvolvimento tecnológico hoje já permite usar esses dados de forma mais clara no combate ao desmatamento recente. “Vimos que o mapeamento de uso de cobertura do solo sozinho não ajudaria a combater o desmatamento recente. Ele é excepcional para entender o padrão e fazer gestão do território, mas sempre tem pelo menos um ano de atraso”, conta o especialista. Por isso, em 2018, em parceria com alguns dos principais provedores de sistemas de mapeamento e monitoramento do Brasil, a organização lançou o MapBiomas Alerta.

O que a plataforma faz é reunir os mais de dez sistemas que hoje monitoram o desmatamento em todo o Brasil. O grande problema é que eles o fazem com suas qualidade e periodicidade próprias, e em regiões diferentes. Por isso, o novo sistema padroniza e valida todos esses alertas diferentes.

Portanto, se o DETER, do Inpe, usa imagens do desmatamento com 60 metros de resolução, a plataforma automaticamente compra uma imagem muito mais nítida, de quatro metros, validando de forma mais segura a ocorrência e gerando um laudo técnico que cruza diferentes bases de dados e que sai prontinho para ser usado por instituições como o Ibama. “Essa é a ideia, que todos os alertas do Brasil estejam refinados em alta resolução, para aumentar sua efetividade”, afirma Rosa.

Mas, se hoje o avanço tecnológico traz imagens aéreas muito mais nítidas e frequentes da floresta amazônica, a quase inexistência delas algumas décadas atrás continua sendo um empecilho incontornável. Atualmente, além das dificuldades de adaptação de metodologias antigas e analógicas para o digital, isso torna praticamente impossível desenvolver séries históricas mais longas sobre a devastação na região.

“O problema é não existirem dados”, revela o representante do MapBiomas. “O [satélite] Landsat-3 tinha imagens de 80 metros de resolução até a década de 1970, só que esses registros não eram feitos de forma sistemática. Então, se tem uma imagem, no ano seguinte só se encontra uma outra foto vizinha dea. Para completar todo o território, precisa usar uma resolução muito baixa para cada imagem e com uma diferença de cinco anos.”

Medição a laser

Apesar de ser a principal forma de mapear o território amazônico, os satélites não são a única forma de realizar a atividade atualmente. Em 2021, especialistas usaram um sensor a laser, com a tecnologia LiDAR, para mostrar que regiões com presença humana e florestas degradadas, para além do desmatamento puro e simples, também podem estar associadas a uma mortalidade mais rápida das árvores.

Carregado a bordo de um avião, o sensor faz medições precisas por meio de disparos de feixes infravermelhos, captando em seguida os resultados dos sinais refletidos. “O LiDAR traz a informação da altura da floresta e do terreno abaixo dela, enquanto as imagens de satélite trazem, de forma simplificada, a reflexão da luz solar que incide sobre as folhas ou galhos. Logo, o LiDAR traz uma medida que nos permite descobrir a altura da vegetação, a elevação do solo e identificar áreas sem árvores”, explica o pesquisador da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe Fernando Dal’Agnol, um dos líderes da pesquisa.

Portanto, segundo ele, se as imagens de satélites são mais eficazes para mapeamentos em larga escala, o LiDAR é interessante para compreender a floresta por dentro em nível mais detalhado. Dal’Agnol conta que pretende continuar o trabalho em áreas de floresta degradada, fazendo um contraponto a registrar simplesmente as regiões de desmatamento, como costuma ser feito nas ações de monitoramento atuais.

“Estudos dos últimos dois anos mostram que áreas degradadas ultrapassam o desmatamento na Amazônia. Essas florestas são afetadas até um ponto em que começam a perder carbono ao invés de ganhar, então o balanço costuma ser bastante negativo.”