Exaustão: quais os sintomas e as causas durante a pandemia? — Gama Revista
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Isabela Durão

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Semana

Epidemia de exaustão

Especialistas da saúde dividem com Gama as principais reclamações dos paciente relacionadas a cansaço. De onde vem tanto esgotamento em tempos de confinamento e o que fazer para recuperar a vitalidade

Cristina Nabuco 13 de Setembro de 2020

Epidemia de exaustão

Cristina Nabuco 13 de Setembro de 2020
Isabela Durão

Especialistas da saúde dividem com Gama as principais reclamações dos paciente relacionadas a cansaço. De onde vem tanto esgotamento em tempos de confinamento e o que fazer para recuperar a vitalidade

Além de abalar o mercado de petróleo, cujos preços despencaram em abril, a pandemia de covid-19 está acentuando outra crise de energia. O cansaço, que já era queixa frequente nos consultórios, tornou-se ainda mais comum. Segundo pesquisa feita pelo Ministério da Saúde em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 30,7% dos 2007 adultos entrevistados entre 25 de abril e 5 de maio disseram que estão se sentindo cansados e sem energia. Se antes o maior responsável era o estilo de vida frenético, com as pessoas isoladas em casa surgiram outros problemas.

Em levantamento realizado pelo Banco Original e a consultoria 4CO, 57% declararam estar mais cansados por causa do home office. + Horas seguidas diante do computador e o acúmulo de responsabilidades – pelos afazeres domésticos e o acompanhamento dos filhos nas aulas online, por exemplo –contribuem para a sobrecarga. Mas há outros fatores físicos e emocionais envolvidos.

Gama entrevistou especialistas para checar como essa epidemia de exaustão está se manifestando, quais as principais causas e como recuperar a força de viver.

Relógio desregulado

“No início da pandemia, o principal motivo das consultas era insônia, depois passou a ser ansiedade e agora é depressão”, conta o psiquiatra Frederico Porto, professor convidado da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte (MG). “Os três quadros provocam cansaço, melancolia e desgaste emocional”. Trabalhos científicos, como o publicado na revista Nature em 17 de julho e o divulgado no periódico Frontiers em Psychiatry em 7 de agosto, que avaliou 18.147 italianos apontam o impacto negativo da pandemia na saúde mental. No Brasil, o percentual de deprimidos aumentou de 4,2% para 8,0% durante a quarentena enquanto os casos de ansiedade pularam de 8,7% para 14,9%, concluiu um estudo do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Para Frederico Porto, a principal causa de tanto mal-estar é a quebra da rotina: “A mudança no ritmo de vida interfere no nosso relógio interno. Nossas células estão programadas para produzir hormônios em certos horários. Com a quebra, o metabolismo se desajusta”. O psiquiatra acrescenta que todo esforço passou a ser mental. As pessoas ativas pararam de praticar esportes e mesmo os sedentários, trabalhando sentados o dia inteiro, andam cada vez menos. “A mente se cansa e o corpo não, daí a dificuldade para dormir”.

“No início da pandemia, o principal motivo das consultas era insônia, depois passou a ser ansiedade e agora é depressão”

Junte-se a longa exposição às telas: “A luz azul emitida pelos dispositivos eletrônicos influencia a fabricação de melatonina, o hormônio que avisa ao corpo que a noite chegou. Com a overdose de telas, o cérebro entende que é dia o tempo todo e não deixa desligar”. Até a síntese de cortisona, o hormônio do estresse, cuja produção cai à noite, é afetada. “Diante das telas, seus níveis permanecem altos, levando à insônia.

E assim as pessoas começaram a varar madrugadas e seu relógio foi ficando cada vez mais bagunçado”, diz ele a Gama. A privação de sono derruba a resistência, compromete a regeneração dos tecidos, acelera o envelhecimento, provoca fadiga, irritabilidade, queda da concentração. E se não bastasse, um estudo com 3890 pessoas publicado no The Lancet Psychiatry em 2017 demonstrou que a dificuldade para dormir não é sintoma, mas causa de ansiedade e depressão.

A reviravolta nos hábitos

“A covid-19 desestabilizou todo mundo. Tenho atendido muitas pessoas cansadas e desanimadas. Os meses de confinamento trouxeram enormes desafios emocionais, agravados pelo medo de como será o amanhã e como tudo vai terminar”, informa a endocrinologista Zuleika Cozzi Halpern, de São Paulo. Esse estresse pode ocasionar sintomas que se confundem com os do hipotiroidismo, quando a tireoide trabalha em ritmo lento, produzindo menos hormônios, o que acarreta sonolência, cansaço, queda de cabelo, pele seca, unhas quebradiças, intestino preso.

“A exaustão também decorre da mudança drástica nos hábitos. Estresse, alimentação desregrada e inatividade física”

“A exaustão também decorre da mudança drástica nos hábitos. Estresse, alimentação desregrada e inatividade física são uma combinação explosiva para ganho de peso”. A endocrinologista tem atendido pacientes que engordaram demais na quarentena. Os quilos em excesso exigem maior esforço do coração, dos músculos, dos vasos sanguíneos e ainda provocam apneia do sono, breves interrupções da respiração durante o repouso, ronco e dificuldade para entrar na fase mais profunda do sono. Resultado: mesmo dormindo a noite toda, o sujeito já acorda cansado. “É uma bola de neve, uma coisa potencializa a outra”.

Cardápio precário

“Antes da pandemia, os pacientes relatavam situações específicas de cansaço físico ou emocional. Agora, apresentam ambos. Sentem-se esgotados, sem disposição, desanimados, embotados”, conta a médica nutróloga Marcella Garcez, diretora da Associação Brasileira de Nutrologia. Para ela, uma explicação é a piora da alimentação, a preferência por produtos ricos em açúcar, sódio e gordura e pobres em nutrientes.

Estudo do Ibope feito a pedido do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), constatou que 59% das famílias com crianças e adolescentes mudaram seus hábitos alimentares na quarentena. Houve maior consumo de industrializados, como macarrão instantâneo, biscoitos recheados, enlatados, refrigerantes, comidas por delivery e fast-foods. A pesquisa, feita entre junho e julho, envolveu 1.516 entrevistas com adultos.

“O que acontecia só no fim de semana, nas festas e passeios, agora se repete de segunda a segunda. As famílias estão comendo como se estivessem em férias eternas”

“O que acontecia só no fim de semana, nas festas e passeios, agora se repete de segunda a segunda. As famílias estão comendo como se estivessem em férias eternas”, diz a nutróloga a Gama. A falta de nutrientes pode levar à anemia, causa comum de cansaço; já o excesso de açúcar e frituras, além de contribuir para a obesidade, ocasiona inflamação na flora intestinal que interfere na liberação de neurotransmissores. Mais de 80% da serotonina, responsável pela sensação de bem-estar, é produzida no aparelho digestivo. Na falta, sobrevém o desânimo. “Em fases de estresse, é comum buscar alimentos que tragam conforto, como um bolo que lembra da casa da vovó, mas que seja exceção e não rotina”, orienta a médica.

Dores que atormentam

“As queixas que mais tenho ouvido são piora das dores, cansaço e noites mal-dormidas”, conta a reumatologista Evelin Goldenberg, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Atividades benéficas à saúde, como treino na academia, massagem e fisioterapia foram interrompidas. E até mesmo tratamentos. “Alguns pacientes com enfermidades, como artrite reumatoide, que ataca as articulações produzindo dor, inchaço e rigidez, deixaram de sair de casa por medo do coronavírus, e pararam de ir à clínica de infusão receber os medicamentos biológicos, com isso a doença saiu do controle e voltou a incomodar”.

“Alguns pacientes com enfermidade deixaram de sair de casa por medo do coronavírus, com isso a doença saiu do controle e voltou a incomodar”

Fora isso, a reumatologista observa que o estresse está disseminado e, por conta dele, muita gente tem dormido mal e extrapolado na comida. “Em geral, as pessoas estão mais gordas, cansadas, sedentárias e tristes diante da percepção de perdas sucessivas: não pode mais jantar com amigos, encontrar a família, viajar. Sentem que a vida mudou pra pior”.

Os labirintos do estresse

“A maior parte dos relatos de cansaço que chegam no consultório estão ligados ao estresse emocional decorrente do isolamento social”, informa o cardiologista Ernesto Osterne, do Hospital Anchieta de Brasília (DF). Essa reação antiga, disparada quando o ser humano se encontrava diante de situações de vida ou morte, lança adrenalina na circulação, para deixar o corpo em estado de alerta. Aumenta a frequência cardíaca, a pressão arterial sobe, os músculos ficam tonificados. Passado o perigo, tudo volta ao normal. Mas quando a ameaça se estende, o estado de alerta se mantém, o que pode agravar diversos transtornos da saúde.

A maior parte dos relatos de cansaço que chegam no consultório estão ligados ao estresse emocional decorrente do isolamento social

“Hipertensos acostumados a tomar um comprimido à noite e outro de manhã estão precisando de doses maiores para manter a pressão arterial sob controle”, avisa o cardiologista. “Muitos descompensaram porque ganharam peso, perderam o condicionamento físico, abusaram do sal e, não raramente, esqueceram-se de tomar as medicações. É compreensível. Estamos enfrentando uma fase nova, que ninguém da nossa geração enfrentou antes. Mas da mesma forma que começou, um dia terá de acabar. Passado o impacto inicial precisamos nos preparar para voltar a ter uma vida ‘normal’, ainda que seja um pouco diferente”.

Para dar a volta por cima

Os especialistas ouvidos por Gama recomendam medidas que ajudam a recuperar a disposição:

  • Evite flutuações: não importa a hora que for dormir, acorde sempre no mesmo horário. Isso ajuda a acertar os ritmos biológicos, ensina Frederico Porto.
  • Movimente-se mais. Faça pausas periódicas de 3 minutos a cada 60 minutos de trabalho, sugere o psiquiatra. Levante, caminhe e alongue os músculos.
  • Ainda não se sente seguro para voltar para a academia? Invista num programa de ginástica online, contrate um personal trainer ou vá caminhar ao ar livre, indica Evelin Goldenberg.
  • Alimente-se melhor, reduzindo doces, gorduras e industrializados e preferindo verduras, legumes, frutas e carnes magras, orienta Marcella Garcez.
  • Procure conversar com amigos e familiares, nem que seja por meio de encontros virtuais ou utilize o bom e velho telefone, propõe Frederico Porto.
  • Coloque no seu celular um bloqueador de luz azul ou adote um programa como o f.lux, que reduz a quantidade de luz enviada para a tela do computador ao longo do dia, reproduzindo o que acontece na natureza, explica o psiquiatra.
  • Se ainda sentir-se esgotado ou que está no limite, procure auxílio especializado, recomenda Zuleika Halpern. “Um médico capacitado indicará o caminho a seguir, inclusive a psicoterapia, se necessário”.
A surpreendente fadiga da epidemia

O cansaço pode estar por trás de aglomerações em praias e bares, festas clandestinas e outros comportamentos que deixam os especialistas perplexos. “Houve uma histeria coletiva, que acabou com os estoques de máscaras e álcool gel no início da pandemia, quando nem havia transmissão comunitária no Brasil e agora, com a média de 700 óbitos por dia, as pessoas saem sem máscara, descuidam da higiene e não observam o distanciamento. É como se elas tivessem cansado e decretassem o fim da pandemia por conta própria”, diz a Gama o infectologista Alexandre Naime, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. “O cérebro se confunde na avaliação do risco. Após seis meses de epidemia, a ameaça deixa de ser levada a sério e passa a ser considerada algo normal. O discurso antagônico dos políticos – um negando a gravidade da doença, outro defendendo medidas restritivas – estimula essa confusão. A chamada fadiga do cuidado leva a relaxar na prevenção. “Mas o vírus está presente e não é hora de vacilar”, insiste o infectologista. “Flexibilização não é o mesmo que normalização: usar máscaras, reforçar a higiene e evitar aglomerações continuam sendo essenciais”.