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Reportagem

Terapia de amizade, apps, coach: novos jeitos de fazer amigos

Desde aplicativos para conversar com estranhos até coaches de relacionamento, conheça as ferramentas para aprender a fazer amigos no mundo atual

Leonardo Neiva 30 de Janeiro de 2022

Terapia de amizade, apps, coach: novos jeitos de fazer amigos

Leonardo Neiva 30 de Janeiro de 2022
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Desde aplicativos para conversar com estranhos até coaches de relacionamento, conheça as ferramentas para aprender a fazer amigos no mundo atual

A assistente administrativa Claudia Marcela D’Almeida, 36, se considera uma pessoa muito comunicativa. “Já chego nos lugares conversando, interagindo, puxando assunto”, diz a carioca. Ainda assim, não faz amizade fácil. Ao menos não daquelas com quem você pode contar a qualquer momento ou se abrir sobre a vida e assuntos íntimos, especifica Claudia. “Tenho muita dificuldade por conta de pessoas que achava que eram grandes amigas minhas e que no fim das contas me sacanearam.”

As maiores decepções vieram justamente no período da pandemia. Segundo ela, o motivo não foi nem o isolamento — mas admite que a ocasião pode ter feito as pessoas “surtarem” um pouco além da conta. “Com uma dessas pessoas eu cortei o vínculo naquele período em que a gente não estava podendo sair em hipótese alguma. A outra foi num momento em que já se podia fazer algumas coisas, mas ela me sacaneou do mesmo jeito”, explica.

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Hoje, por conta disso, ela revela que tem dificuldade de confiar em outras pessoas para formar um vínculo de amizade. Atualmente, enxerga um certo oportunismo em boa parte das relações, do tipo em que as pessoas se aproximam quando precisam de algo, mas se afastam no menor sinal de que o amigo vai pedir ajuda. “Hoje eu não me abro, minha amiga é minha mãe e ponto final.”

Embora cada caso seja único, não é mistério para ninguém o fato de que as relações de amizade e as formas de se conectar com outras pessoas vêm mudando. Primeiro, as redes sociais nos permitiram manter milhares de amigos e conhecidos à distância de um clique, além de estabelecer laços de identificação com pessoas que nunca vimos pessoalmente. Por outro lado, pesquisadores de Oxford apontam que nosso cérebro e também o tempo que temos disponível só comportam um total de 150 amigos, incluindo membros da família – o que significa que os números às vezes astronômicos de amigos e seguidores nas redes teriam pouca relação com a realidade.

Nosso cérebro e também o tempo que temos disponível só comportam um total de 150 amigos

E a pandemia tem limitado ao longo dos últimos dois anos a possibilidade de se ir a um bar ou restaurante, encontrar bons amigos para bater um papo ou até a quantidade de eventos em que seria possível conhecer gente nova. Além de reduzir de forma drástica o número de pessoas que encontramos diariamente – para muitos, o home office e o ensino à distância vieram para ficar –, a pandemia também criou seus próprios conflitos. Houve um estremecimento entre muitos que decidiram permanecer em casa e amigos que optaram por continuar suas vidas sem as mesmas restrições de circulação.

Junto a essa realidade atual, surgiram também ferramentas e dispositivos – alguns novos, outros reformulações de coisas bastante antigas – que prometem nos ajudar a manter amizades antigas, criar novos laços e nos tornar mais comunicativos no mundo contemporâneo. A seguir, Gama reúne alguns deles.

Terapia de amizade

Para lidar com a recente falta de amigos íntimos, a assistente administrativa Claudia recorreu naturalmente à terapeuta que frequentava havia anos. “Graças a Deus ela já estava na minha vida”, brinca. A psicanalista acompanhou a carioca nos momentos mais difíceis, quando sentia que não tinha ninguém. “Queria só uma companhia para sentar e conversar, mas eu não tinha. Ela participou de toda essa fase”, lembra. Por enquanto, a terapia a ajudou não a fazer novas amizades, mas a se sentir mais tranquila em relação ao que está vivendo. “Não que não faça falta. Faz sim, mas tenho lidado melhor com a situação.”

A terapia, aliás, tem sido fonte de alívio relevante para conflitos entre amigos. Quando as americanas Aminatou Sow e Ann Friedman, melhores amigas e coapresentadoras do podcast “Call Your Girlfriend”, descobriram rachaduras em sua relação de mais de dez anos, não pensaram duas vezes: decidiram fazer terapia juntas, nos mesmos moldes de um casal tentando salvar a relação amorosa. “Se você tem os meios necessários para ir a um terapeuta tratar de conflitos no relacionamento, a ideia de que possamos normalizar a possibilidade de ir com um amigo e fazer a coisa funcionar com uma terceira pessoa presente é muito animadora para mim”, afirmou Ann em entrevista ao The Guardian.

Quais apoios preciso para aumentar a sinceridade e aprofundar a escuta na amizade, para que os momentos de discordância possam fortalecer essa conexão

Embora a terapia entre amigos já seja um conceito em prática lá fora – mesmo que não usual –, ela ainda não desembarcou no Brasil, segundo os psicólogos consultados por Gama. De acordo com Solange Emílio, psicóloga e presidente do Nesme (Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares), um dos motivos pelo qual essa demanda ainda é rara são as diferenças entre os vínculos de casamento e amizade. No casamento, existe um contrato que passa a imagem de obrigatoriedade, a necessidade de permanecer unido a seu parceiro e família. “Quando os vínculos são espontâneos – apenas de afeto, não como uma tarefa ou obrigação –, caso existam conflitos, em geral as pessoas passam por cima deles porque querem estar juntas. E, quando estes se tornam inegociáveis, fica mais fácil simplesmente se separar.” Para ela, no entanto, buscar um profissional para uma sessão de terapia destinada a resolver brigas entre amigos pode ser uma estratégia interessante e até bastante produtiva para manter esse laço.

E não se pode perder de vista que o conflito é parte essencial dentro de qualquer relação saudável, segundo o pesquisador de Comunicação Não-Violenta (CNV) e mediação de conflitos Dominic Barter. Isso porque, quando resolvido, ele acaba revelando que a relação em si é mais importante do que a discordância. “A pergunta que eu coloco é de que apoios preciso para aumentar a sinceridade e aprofundar a escuta na amizade, para que os momentos de discordância possam fortalecer essa conexão.”

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Formando vínculos

Solange, que tem experiência no trabalho com grupos, iniciou em 2020 um estudo para entender o sofrimento psíquico e a fragmentação dos vínculos entre estudantes em uma universidade como a USP. “Esse sofrimento muitas vezes é estimulado pelo alto grau de competitividade que existe nesses espaços”, explica. Para isso, promove encontros semanais com alunos da instituição, onde há uma troca de experiências num ambiente cooperativo em vez de competitivo.

Jovens adultos estão vivendo relações muito fragmentadas. Faltam esses espaços coletivos de interação que não sejam as redes sociais

Apesar de atender grupos formados aleatoriamente por estudantes voluntários – que começaram presencialmente, pouco antes da pandemia, e depois tiveram que se adaptar ao online –, a ideia era também estimulá-los a se encontrar fora das sessões. “No início, eles iam o bandejão juntos. Depois trocaram o número de WhatsApp e criaram grupos entre eles que não tinham relação com as sessões”, conta Solange. “Percebemos que essa estratégia ajudava a diluir a fragmentação desses espaços, estabelecendo novos vínculos entre eles e combatendo o sofrimento psíquico.”

Hoje, ela pensa em criar grupos especificamente para indivíduos que querem conhecer, trocar ideias e criar vínculos com novas pessoas. “O que tem acontecido na USP também já chegou na minha clínica. Jovens adultos estão vivendo relações muito fragmentadas. Faltam esses espaços coletivos de interação que não sejam as redes sociais.”

Fale com estranhos

Mas nem só de terapia vivem as amizades modernas. Aproveitando as mudanças que já citamos aqui e as consequentes dificuldades para se adaptar às novas relações de amizade, plataformas e ferramentas tecnológicas vêm surgindo ou até ressurgindo com a proposta de apontar novos caminhos.

É o caso do Omegle, um site que te permite falar com pessoas do mundo todo — por texto ou vídeo, você escolhe. No ar desde 2009, o que explica o design bem minimalista da página, o Omegle, que já fez bastante sucesso no passado, voltou a ficar popular entre os brasileiros em meio à pandemia. Mas um aviso importante: como não há muitos filtros, a incidência de conteúdos sexuais é alta.

Já o app para celulares Patook é uma espécie de Tinder, só que para amizades. A funcionalidade, inclusive, é exatamente a mesma. Você vai passando por uma lista de perfis e seleciona aqueles que mais lhe interessam. Caso a pessoa também escolha o seu perfil, está formado o match. Mas não adianta nem pensar em usar o sistema para fins escusos, como passar uma bela cantada. Nas regras do aplicativo, está escrito que ele conta com o algoritmo de detecção de flertes mais avançado do mundo. “Ele vai banir e bloquear qualquer usuário que não esteja aqui para fazer amigos.”

E, se seu interesse não está restrito necessariamente a seres humanos, talvez o Replika seja a sua praia. O app possui embutida uma inteligência artificial com um rosto digital surpreendentemente realista, que promete te ajudar a se expressar e se conhecer melhor por meio de uma conversa. Como não está falando com alguém de carne e osso e não precisa se preocupar com reações negativas ou fofocas, o Replika propõe ser um espaço seguro para compartilhar sentimentos, experiências, memórias pessoais e sonhos. Basta topar se arriscar.

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Vamos dar um rolê?

Em 2018, a psicanalista Rita Martins percebeu uma demanda reprimida em seu consultório. Apesar de a maioria dos pacientes ter amigos próximos, muitos tinham dificuldade de alinhar os horários com os de seus conhecidos, principalmente quando batia a vontade de ir à praia ou tomar um chopp. “Não é que a pessoa não tem um amigo para um momento difícil, é que ele nem sempre está disponível no dia que ela quer e pode.”

Assim, em janeiro, Rita colocou no ar o app Animaí – com atraso de um ano devido à pandemia. A ideia é simples: encontrar pessoas próximas que tenham os mesmos interesses que você para te acompanhar em algum rolê. O sistema não pede nem foto nem idade, já que a proposta é criar matches somente por localização e afinidade.

Quando um grupo de pelo menos três pessoas se forma, um chat se abre para que os participantes combinem os detalhes do encontro. Nos poucos dias em que está no ar, o aplicativo conseguiu juntar 1.700 usuários até o momento. A meta é atingir moradores de grandes centros urbanos, com interesses que devem mudar quando chegar o fim da pandemia. “Hoje as pessoas estão marcando coisas como uma ida a um bar, uma trilha, um passeio na praia e outras opções de lazer em lugar aberto, respeitando o distanciamento. No futuro, devemos ter mais convites para baladinhas ou shows.”

Treinando o afeto

Se você está com dificuldade de fazer novos amigos ou manter as amizades que tem, então por que não procurar um coach? Existe até uma categoria específica para lidar com esse problema: o coaching de relacionamentos. Em muitos casos, ele atende pessoas que buscam relações amorosas, mas pode englobar também quem quer fazer amigos.

A advogada e coach Daniela Arteze atende clientes que procuram exatamente melhorar o traquejo em suas relações interpessoais. “Quando você vai dançar com alguém, tem que estar no mesmo ritmo para que a dança saia legal. Com as relações, é a mesma coisa”, aponta. Entre os conhecimentos que ela tenta passar para os clientes, estão a habilidade de escutar, permanecer focado durante uma interação e saber ler corretamente os sinais dados pelo interlocutor. “Muita gente me conta que é vista como antipática, mas na verdade só é tímida ou tem medo de rejeição”, afirma Daniela.

No total, são 14 sessões com duração de uma hora — duas delas de cortesia. Os primeiros encontros investem no autoconhecimento, ou seja, na relação com você mesmo. A partir disso, são definidos metas que devem ser alcançadas ao final do processo. De uma semana para a outra, ficam ainda tarefas para completar — chamar um colega para almoçar, ligar para um amigo que não vê há um tempo ou convidar alguém para sua casa.

Margareth Signorelli é especialista em relacionamentos e sexualidade e também oferece atendimento para ajudar quem quer melhorar suas relações de amizades. “A pessoa percebe que não tem mais amigos, acha que estão com ela só por interesse ou simplesmente a energia não bate…” Também segundo ela, o caminho começa sempre pelo autoconhecimento, que indica as principais razões para o que está acontecendo. “Quando você analisa, percebe que talvez vocês tenham valores diferentes. Ou então, se você é uma pessoa que guarda muito ressentimento, tem que trabalhar melhor esse lado.”

“Atendi um casal que tinha como objetivo fazer amizade com outros casais. Hoje, eles criaram vínculos com pessoas do condomínio onde moram, da igreja que frequentam, pessoas com quem descobriram afinidades”, relata a coach Daniela. “Mesmo que você convide alguém e o interesse não seja recíproco, não tem problema. É assim que vai escolhendo quem você quer ter perto de você.”