Como adolescentes fazem amigos na era da internet e das redes sociais — Gama Revista
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Mariana Simonetti

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Relações

Adolescência e amizade hoje

Sempre em busca de mais seguidores nas redes, fica difícil arranjar tempo para criar laços e firmar amizades duradoras. Gama investiga como se sentem e como se relacionam os mais jovens — e como podemos apoiá-los

Manuela Stelzer 30 de Janeiro de 2022
Mariana Simonetti

Adolescência e amizade hoje

Sempre em busca de mais seguidores nas redes, fica difícil arranjar tempo para criar laços e firmar amizades duradoras. Gama investiga como se sentem e como se relacionam os mais jovens — e como podemos apoiá-los

Manuela Stelzer 30 de Janeiro de 2022

Em 2014, a então estudante Natália Cangueiro conheceu uma amiga pelo Twitter. Por morarem em estados diferentes, uma em São Paulo e a outra no Espírito Santo, as jovens nunca haviam se encontrado – até janeiro deste ano. Depois de 8 anos de amizade, mantida apenas pelas redes sociais e internet, elas finalmente se conheceram ao vivo e em cores, sem precisarem ser mediadas por telas. A Natália, que é formada em direito mas exerce o ofício de influenciadora de moda, compartilhou essa história em seu Tik Tok – enquanto mostrava o look para ir até o aeroporto – e brincou na legenda com o fato de não saber se a amiga Marcella era realmente uma garota da sua idade (ainda bem que era, como vemos nas fotos do tão esperado encontro).

Adolescentes compõem uma faixa etária complexa. Estão se descobrindo e se conhecendo, e vivem o estranho momento, como explicam especialistas, de questionar a tudo e a todos, se afastar da família e procurar seus pares entre amigos. A psicóloga clínica Bettina Schaefer diz que a adolescência é o período em que os grupos de amizade são de extrema importância: “São eles que vão ditar a sensação de pertencimento, o que é legal e o que tem valor”.

Adolescentes precisam brigar e discordar do grupo de amigos e perceber que não vão morrer se isso acontecer, vão conseguir lidar

Ela também diz que pais e cuidadores devem respeitar esse movimento de manada que acontece na juventude – só mais velhos esses jovens vão entender suas vontades e decisões próprias. “Os pais, de tão ansiosos que ficam, não dão a chance dos filhos quebrarem a cara, que é necessário na adolescência. Ele precisa poder brigar e discordar do grupo de amigos, e perceber que ele não vai morrer se isso acontecer, ele vai conseguir lidar.”

Muitas são as incógnitas quando o assunto é juventude e amigos – como vivem, onde habitam, o que comem e como interagem entre si. Parece haver uma nova forma de construir relações, em que o universo virtual, vide a história de amizade à distância da Natália e Marcella, e a realidade pandêmica tiveram forte influência. Gama foi investigar como esses jovens fazem seus amigos do peito.

Eu quero ter um milhão de amigos

A linha que divide universo digital e físico é cada vez mais tênue. Os dois mundos se confudem e se influenciam. Tanto que hoje, por exemplo, é possível ser preso em uma cadeia física e real por crimes cometidos na internet. Mas não é apenas nesse âmbito que a mistura da vida online e off pode ser um perigo. Número de seguidores, para alguns, pode ser a mesma coisa que a quantidade de amigos. Mas a verdade é que ”amizade é entrega, investimento, afeto. E não há tempo suficiente para isso com mil seguidores“, conta a terapeuta especializada em jovens Renata Busch. Segundo ela, o coleguismo também é importante, mas é um outro nível de relação. “Amizade requer cumplicidade, parceria, continuidade, e até que você abra mão de algumas coisas pelo outro. É preciso um requinte de investimento interno muito maior do que uma rede social permite, maior do que aparecer no Tik Tok fazendo uma dancinha juntos.”

Se ao analisar perfis jovens ficar perceptível a pouca repetição das pessoas presentes nas imagens publicadas, algo que no olhar adolescente é motivo de exaltação, pode haver um problema, como aponta Renata Busch. “Não é normal alguém que em 5 fotos diferentes, de momentos diferentes, tenha dez pessoas ao lado dela, e não repita ninguém. Isso é simbólico. Precisamos de parcerias com pessoas que se repetem, porque ao repetir quer dizer que você está alimentando uma amizade.” Ela diz que a ilusão dos mil amigos é muito danosa para o emocional de um adolescente, podendo deixá-lo frustrado e com relações fragmentadas.

Amizade requer um investimento muito maior do que uma rede social permite, maior do que aparecer no Tik Tok fazendo uma dancinha juntos

Bettina Schaefer compartilha da opinião de que amigos não são números, ou simplesmente pessoas que te acompanham. “Tudo vai depender do tipo de vínculo que se estabelece. Você pode, lógico, ter um amigo virtual (como no caso da Natália e sua amiga do Twitter) porque vocês trocam, se escutam, se ajudam. Mas é um caso em que há esse investimento, energia, afeto.” De acordo com a psicóloga, a adolescência é um momento de muitas inseguranças, em que os jovens se sentem constantemente sozinhos e excluídos. São muitas dúvidas e questionamentos, e a busca por amigos (ou seguidores) pode ser “uma tentativa de se distrair um pouco dessas preocupações”, e claro, ser aceito.

A jornalista e colunista do Estadão Carolina Delboni, especialista em educação e adolescência, analisa que essa faixa etária é muito mais aberta a experimentações e amizades diversas. “Se você olha para a comunidade jovem, tem pessoas ali que não entendemos como se conhecem. Aí você descobre que é a prima do vizinho do irmão do amigo, e tudo bem, eles se seguem e se relacionam, porque não restringem o convívio social.” Segundo ela, os jovens têm seu pequeno núcleo, que combinam programas e conversam constantemente, mas também têm outros vários que interagem nas redes e encontram na balada, por exemplo. “Há um desprendimento nas relações, mas que não necessariamente significa falta de profundidade.”

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Amizade virtual sim

Mas sem a presença física, não dá – os adolescentes sentem falta, como explica a jornalista Carolina Delboni. “O número de jovens e crianças que entraram em depressão na pandemia é gigantesco, e uma das coisas que eles mais falam é sobre a saudade de encontrar os amigos”, conta, ao citar o estudo do psiquiatra Guilherme Polanczyk, que analisou de que maneira a pandemia afetou crianças e adolescentes. “Acho que isso é a maior demonstração de que não dá para dizer que essa geração se basta e se satisfaz só com a relação virtual.”

A psicóloga Schaefer reitera: “O que vejo de diferente é que os jovens adquiriram com as redes sociais uma possibilidade a mais para fazer amizade. Hoje é muito mais fácil, só é curtir a mesma página, assistir o mesmo streaming de videogame, e as conversas se iniciam”. Mas ela pondera como a presença física é importante. “Tenho a impressão de que o corpo tem muita relevância na adolescência. Tudo relacionado ao corpo gera excitação, medo, ou mesmo frustrações. É muito difícil eles fazerem amigos onde não possam ter acesso físico.”

O corpo tem muita relevância na adolescência. É muito difícil eles fazerem amigos onde não possam ter acesso físico

No início da pandemia, em que o medo e a pouca informação sobre o vírus reinavam, a tecnologia foi aliada dos jovens e outros diversos grupos para manterem as conexões. Nessas condições, Schaefer descobriu o fenômeno, em consultório, da relação parassocial, que inclusive já foi tema de discussão na Gama. “É quando a amizade é meio platônica, uma pessoa que conhece tudo sobre a outra, e essa outra nem sabe da existência da pessoa”, explica. “Vejo isso acontecer com quem começou a ouvir podcasts, acompanhar streamings, tudo de forma mais rotineira. É como uma muleta para a falta de amizade no dia a dia durante a quarentena.”

Mas quando o assunto é o mundo virtual e online, é bem fácil perder o controle da situação. ”Acho que muitos jovens nem escolhem estar nas redes sociais, eles se sentem capturados, cobrados a estarem lá, saberem de tudo”, alerta Renata Busch.

O imediatismo é outro sintoma grave do uso da internet. O adolescente por si só já tem essa característica, como comenta a terapeuta, e com mensagens instantâneas e a possibilidade de falar sobre tudo, a qualquer hora, com qualquer pessoa piora o quadro. “Se antes esse jovem ia para a escola e discutia com o colega, só ia resolver aquilo na hora do recreio. Com o advento a tecnologia e o mundo online, ele quer resolver tudo naquele segundo, o que não dá o tempo processual que as relações demandam”, explica Renata. Ela relembra também a questão do cancelamento, em que há pouco espaço para o erro e a reparação dele – “se errou, acabou”.

Onde me encaixo?

É a pergunta que todo adolescente se faz. “É uma fase de descobertas, de quem sou eu, e num primeiro momento você segue a manada. Para pertencer e se identificar, ele precisa se sentir igual aos outros”, explica Renata Busch. “E aí vemos os nichos dos grupos: o do popular, do estudioso, do que não faz nada, do que bebe. Só que como você vai se encaixar se nem sabe quem é você direito?” A terapeuta explica que a internet torna tudo muito polarizado: ou está no grupo, ou não está, o que dificulta ainda mais as relações.

Para Schaefer, as redes sociais exacerbam a busca incessante pelos seus iguais. “No mundo virtual você não busca um outro diferente de você. Busca-se um outro muito semelhante. Você curte aquilo que é parecido com você, e aí não há uma troca possível, é uma relação com você mesmo.” Ela cita o título “Agonia do Eros” (Editora Vozes, 2017), do autor coreano Byung-Chul Han, e diz que, de acordo com a sua leitura, é trazida esta problemática no livro: “Você está apenas debatendo com uma outra faceta sua. E isso é muito ruim, porque o adolescente não pratica o exercício de entender o outro e suas diferenças. Ficam frustrados, perdidos e desistem rapidamente das coisas, porque no virtual é muito fácil: é só excluir, deixar de seguir, bloquear”.

A adolescência e suas dúvidas sobre amigos e grupos é um período complexo também para os pais ou responsáveis, que querem ajudar os filhos mas nem sempre sabem como. A parceria e cumplicidade é um caminho. “Falar das dificuldades, das vontades e dos desejos mostra para os jovens que seus sentimentos e dores são legítimos. É mostrar que entende, sabe como é duro”, aconselha Renata Busch. Mas a parceria tem seus limites. “É preciso, em algum momento, fazer o papel de chato. O adolescente espera que você diga que não pode, que não deve, o que é certo fazer. Precisa acolher o filho, mas pontuar o que é adequado e o que não é.”