O que o esporte ensina para o mundo corporativo? — Gama Revista
Atletas podem falar?
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Guilherme Falcão / Getty Images

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Semana

Escute as lições das quadras

As lições dos atletas sempre foram ouvidas pelo mundo corporativo. Bernardinho, Daiane dos Santos, Gustavo Borges, Marcio Atalla e Vittoria Lopes compartilham aprendizados

Bruna Bittencourt 04 de Outubro de 2020
Guilherme Falcão / Getty Images

Escute as lições das quadras

As lições dos atletas sempre foram ouvidas pelo mundo corporativo. Bernardinho, Daiane dos Santos, Gustavo Borges, Marcio Atalla e Vittoria Lopes compartilham aprendizados

Bruna Bittencourt 04 de Outubro de 2020

É um namoro sério. O esporte é uma inspiração mais que recorrente para o mundo corporativo. Não por acaso, alguns dos maiores atletas brasileiros estão acostumados a dar palestras motivacionais para funcionários de grandes companhias, em que discorrem sobre temas como disciplina, superação, trabalho em equipe e resiliência, naturais ao ambiente empresarial.

Medalhista olímpico, Gustavo Borges é um deles. O ex-nadador e hoje empresário costuma falar da relevância de um centésimo de segundo na piscina ou do volume de treinos que costumava enfrentar. “Passo pela forma como encarei os aprendizados que tive no esporte e o que levo hoje para o empreendedorismo”, conta a Gama. Formado em economia pela Universidade de Michigan (EUA), Gustavo possui três academias de natação, além de ter cocriado uma metodologia própria para a natação.

Outro nome requisitado é Bernardo Rezende, o Bernardinho, ex-treinador da seleção masculina e feminina brasileiras de vôlei, pelas quais conquistou seis medalhas olímpicas e inúmeros títulos. Em suas palestras, que por conta da pandemia migraram para o formato virtual, ele disserta sobre a criação de equipes, como geri-las e mantê-las motivadas. Conhecido por seu vigor à beira da quadra durante os jogos, o técnico (hoje à frente do Sesc RJ Flamengo) conta sua história, lições que aprendeu tanto com John Wooden (famoso técnico de basquete) quanto Winston Churchill, além do método que batizou de Roda de Excelência, que guia sua busca por qualidade, em “Transformando Suor em Ouro” (Sextante, 2011), livro já vendeu 500 mil exemplares. Sua conta no Instagram tem altas doses motivacionais.

“A mesma disciplina do esporte vai para o trabalho, uma coisa alimenta a outra”

No streaming, “Arremesso Final” (Netflix), série que mostrou toda a obstinação de Michael Jordan vestindo a camisa do Chicago Bulls, fez sucesso este ano bem além de fãs do basquete. A plataforma lançou recentemente “The Playbook: Estratégias para Vencer”, série em treinadores campeões como o português José Mourinho, que fez história no Chelsea, Real Madrid e Internazionale, falam sobre como alcançar o sucesso.

Na TV paga, a série Jornada Dupla, exibida este ano pelo Canal Off, mostrou dez profissionais que se dividem entre trabalho e esporte, como Marcio Santoro, ciclista e copresidente da agência de publicidade Africa. “Para ser feliz na responsabilidade do trabalho, na exigência que cada um tem, todas buscam o prazer do esporte. A mesma disciplina do esporte vai para o trabalho, uma coisa alimenta a outra. No pouco tempo que têm, são ultraprodutivos”, conta Alex Miranda, diretor da série e surfista diletante, que há 28 anos passa suas férias no Havaí na temporada de ondas grandes.

Além do campo inspiracional, a atividade física tem uma influência grande no desenvolvimento cognitivo, na memória, na melhora de atenção, da aprendizagem e no controle das emoções, lista Marcio Atalla, que se especializou no treinamento de atletas profissionais. “Por diversas razões, você consegue transferir vários comportamentos do esporte para a vida empresarial”, completa. “Jogo tênis com um grupo de amigos, entre eles, o presidente de uma grande empresa, que brinca comigo: ‘Marcinho, o melhor jeito de você conhecer uma pessoa é trazer ela para a quadra. Gosto de fazer negócio assim porque aí já sei como ela se comporta numa situação de estresse’”.

Atalla, Bernardinho, Gustavo, Daiane e a triatleta Vittoria Lopes contam o que podemos levar do esporte para nossa vida profissional:

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    Comer, treinar, dormir, voltar e fazer de novo

    Gustavo Borges, ex-nadador, medalhista olímpico, empresário e comentarista de natação da Rede Globo
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    Jonatas Marques

    “Há vários aprendizados do esporte que a gente incorpora na nossa vida profissional. Primeiro, ter objetivos, metas e canalizar o esforço para essa busca. O atleta tem um comprometimento muito grande com o caminho que vai trilhar, com o objetivo dele no esporte. Ele se planeja para isso e há pessoas que o influenciam positivamente como treinadores e outros atletas. E, acima de tudo, o trabalho bem feito, com excelência, para chegar onde se quer. É desta forma que você constrói resultados.

    O volume de treino que fiz, a disciplina, o comer, treinar, dormir, voltar e fazer de novo é algo que impacta as pessoas nas palestras.”

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    “É difícil ter no esporte ou no mundo corporativo fases sempre lineares”

    Daiane dos Santos, primeira campeã mundial da ginástica artística brasileira, criadora do movimento duplo twist carpado (Dos Santos I)
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    Mark Dadswell / Getty Images

    “Costumo falar que é a ginástica é o único esporte em que a gente entra na prova e só perde. Começamos com uma nota e só temos desconto. Até tem bonificação, mas os descontos são maiores. Dificilmente, você terá uma nota 10.

    A primeira lição que o esporte traz é a disciplina. E também a superação, a determinação. Grandes objetivos requerem grandes sacrifícios. Na ginástica, há a busca pela excelência, pelo melhor resultado.
    Para não deixar que problemas pessoais interfiram nessa busca por excelência, você precisa tirar teu melhor de um momento adverso. É tentar de alguma forma deixar suas questões pessoais de fora do ginásio, da piscina ou da quadra. E isso é uma das coisas mais difíceis porque o atleta é um ser humano que está propício a cometer falhas, a ter momentos de vulnerabilidade. Hoje o trabalho das equipes multidisciplinares tem colaborado para que situações como essa não atrapalhem um momento-chave do atleta. A preparação de psicólogos e coachs o ajudam a superar a adversidade e a transformar isso em estopim para que ele consiga seu objetivo. E isso a gente pode levar para o mundo corporativo.

    Quando minha bisavó faleceu, minha mãe me deu a notícia entre o treino da manhã e da tarde. Mas naquele dia preferi ficar no ginásio e treinar. A ginástica foi um consolo para não pensar naquela dor da perda, adiar de algum jeito. Uma hora teria que ir para casa, mas treinar me ajudou de algum jeito a estar mais preparada para enfrentar aquele momento de luto. Quando você sai de um ginásio ou de um sala reunião, aí você pensa em sua vida fora do ambiente de trabalho.

    O amparo familiar é muito importante para que o atleta supere momentos difíceis. Os treinadores que sempre acreditaram muito no meu potencial fizeram diferença. No mundo corporativo, é a mesma coisa. Ajuda muito ter um gestor que incentiva sua equipe, que mostra que momentos de oscilação, de baixa são normais. É difícil ter no esporte ou no mundo corporativo fases sempre lineares. Altos a baixos são saudáveis.”

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    Ninguém faz nada sozinho

    Bernardinho, treinador de vôlei
    Imagem de destaque
    Marcio Rodriges/Megafoto

    “Para você empreender em qualquer área, você tem que realmente ter disciplina. Tem que se preparar, preparar, preparar. Você vai tentar, vai acertar, vai errar. Vai perder, vai ganhar, vai dar certo, não vai dar certo. É seguir trabalhando. A resiliência vem da disciplina. Você tem que realmente acreditar que com bons hábitos, com a postura correta, vai chegar lá.

    Time é a essência de tudo, você não faz nada sozinho. Aprendi o valor do time jogando voleibol. Para mim, é um laboratório de lições muito importantes, de valores fundamentais.

    Você quer realmente criar alguma coisa que transforme? Peça ajuda a alguém, tenha um time. Motivação é um processo que você cria colocando metas intermediárias: eles vão conquistando, você vai mostrando o crescimento, seu comprometimento com eles. As pessoas se motivam muito quando sentem que têm apoio. Você cobra, mas dá o suporte. Tem muita relação pessoal, é no dia a dia que você motiva as pessoas. São pequenas conquistas, pequenos passos para que eles possam chegar lá.”

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    Escola da vida

    Vittoria Lopes, triatleta, medalhista nos Jogos Pan-Americanos 2019. Atualmente, treina com o Time Brasil em Portugal como parte da preparação para a Olimpíada de Tóquio
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    Tomy Zaferes

    “No triatlo, a gente treina de domingo a domingo, não tem muito dia off. É viver para o esporte, literalmente. É um pouco diferente de outras modalidades que tem um dia mais tranquilo, no domingo.

    Vejo muita gente que sai do esporte e continua sendo um profissional super destacado, porque tem muita disciplina, não desiste. É muito difícil você ver um atleta que sai do esporte e que não tenha uma carreira bem sucedida pelo fato de nunca desistir, de não se abalar facilmente. Esporte é um estilo de vida. Acho que se você usá-lo não sofrerá tanto pelo fato de ser uma escola para tudo na vida.

    A minha mãe [Hedla Lopes, triatleta que já participou 22 vezes do Ironman] tem uma academia de natação. É normal abrir uma academia concorrente a cada esquina. Mas percebo que ela leva a concorrência muito para o lado do esporte. A metodologia que ela usa como empresária ela traz do lado atleta dela. São duas áreas completamente diferentes, mas é a mesma filosofia. Ela costuma falar: ‘foque no seu trabalho, não olhe para os outros, faça o seu’.”