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ReportagemPor que o "detox de homem" tem feito tanto sucesso?
Desilusões, relacionamentos tóxicos, cansaço emocional, além de autoconhecimento, levam cada vez mais mulheres heterossexuais ao movimento conhecido como “boysober”
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Por que o “detox de homem” tem feito tanto sucesso?
Desilusões, relacionamentos tóxicos, cansaço emocional, além de autoconhecimento, levam cada vez mais mulheres heterossexuais ao movimento conhecido como “boysober”
Desilusões amorosas e relacionamentos tóxicos em sequência, fadiga emocional, relações sexuais meadianas, encontros frustrados, abusos — além de autoconhecimento e empoderamento feminino — são algumas das razões que têm levado cada vez mais mulheres heterossexuais, de várias idades, a tirar um período sabático de homens. Ou, como algumas delas dizem, a fazer um detox.
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Assim como nos populares sucos detoxificantes, cujo objetivo é remover as toxinas do organismo, a ideia da prática é limpar a vida — sentimental e sexual — de relações nocivas, que não fazem mais sentido e, no lugar, focar em si.
O movimento ficou conhecido como “boysober” (estar sóbria de garotos, em tradução livre), junção das palavras “boy” e “sober”, e foi criado pela atriz e comediante norte-americana Hope Woodard, 27. Ao realizar um balanço da sua trajetória relacional e se dar conta de que nunca esteve sozinha ao emendar relação em relação — casuais ou não —, decidiu, a partir de outubro de 2023, ficar um ano sem transar ou namorar.
“Depois de tanto date, senti que precisava de uma purificação. Todas as vezes em que saia, pensava: ‘Quem vai me escolher essa noite?’. E agora percebo que, na verdade, não estou procurando por isso. Posso olhar ao redor e escolher por mim mesma. Ou não escolher ninguém“, contou a artista em uma entrevista à revista Marie Claire.
As reflexões de Woodard — no TikTok, no Instagram e nos seus shows de stand-up — viralizaram, e o debate sobre o tema ganhou tração e foi se espalhando pelo mundo. Muitas mulheres, inclusive, relatam que vivenciam ou vivenciaram o “boysober”, porém, não tinham nomeado o experimento.
Fora de foco
É o caso de Elisa Azevedo, 49, servidora pública de Canelas, no Rio Grande do Sul. Após um namoro abusivo, ela está solteira há cerca de nove meses e, desde então, não pensa e nem sente falta de um companheiro. “Para mim, encontrar um amor não é prioridade. Não é que eu tenha desistido, mas simplesmente tirei todo o foco dessa parte da minha vida”, diz.
A rotina de Elisa é bem agitada. Além do trabalho, tem dois filhos adolescentes, tarefas que já demandam boas horas do dia. “Fora o cuidado com a casa e os meus treinos, porque sou corredora. Então, não tenho muito tempo para estar atrás de homem, querendo encontrar um amor.”
A servidora está superfeliz com isso. “Não tenho nenhum contatinho. Costumo dizer que durmo e acordo com a minha paz, pois não estou esperando que ninguém me mande mensagem ou me procure”, fala.
E se, não mais que de repente, surgir um cara bacana? Ela não descarta um relacionamento futuro, caso aconteça, no entanto, a experiência a fez criar padrões mais altos no quesito homem. “Sei que sou meio exigente, mas fui colocando filtros na minha vida — de orientação política ao gosto por atividades físicas — e, agora, não me sujeito a algumas coisas. Todas as vezes que baixei o padrão, eu me ferrei. Então, se aparecer alguém que não se enquadre nesses crivos, posso estar bem encantada, mas não entro na relação.”
Para mim, encontrar um amor não é prioridade. Não é que eu tenha desistido, mas simplesmente tirei todo o foco dessa parte da minha vida
Elisa comenta que, embora a mãe sempre tenha dado força para as filhas seguirem os estudos e o trabalho para serem independentes, faz parte de uma geração que via no casamento e na construção da família o caminho “certo” a se seguir ao entrar na idade adulta. Hoje, ela acredita que a nova geração é mais livre de convenções sociais.
The boy is off the table
Professora de inglês, escritora e diretora cultural da Academia Joseense de Letras, Val Saab, 56, estava navegando pelas redes sociais quando se deparou com a palavra “boysober”, ficou curiosa e tratou de se aprofundar na temática. “Dou aulas de inglês e estou sempre me atualizando. Não conhecia a expressão e fui pesquisar para entender melhor do que se tratava. Foi assim que descobri que fazia uso da técnica”, assegura.
Em seguida, Val foi ao TikTok, rede em que compartilha dicas para ajudar no aprimoramento da língua inglesa, e fez um vídeo — que fez sucesso na plataforma —, no começo de 2024, falando a respeito do novo termo. “Só que eu expliquei como uma mulher. E acho que isso chamou a atenção de outras mulheres. Fiquei impressionada com o número de mulheres que estão fazendo o ‘boysober’ sem nem saber que existia um nome para isso.”
Empolgada com a repercussão positiva e com as inúmeras trocas que fez com aquelas que comentaram a postagem, a professora criou o “Azar Deles”, grupo no WhatsApp para uma discussão diária e mais aprofundada com essas mulheres. Atualmente, são dois grupos — o “Azar Deles 1” e o “Azar Deles 2” —, totalizando 60 integrantes do país todo que contam suas histórias, se apoiam e narram como têm vivido o detox do gênero masculino.
São relatos de quem está pegando a energia que era gasta numa relação ruim, falida, para colocar energia em viagens, nos estudos, nas amizades, num novo hobby. Ou em coisas que não fazia antes porque o parceiro não gostava — ou, pior, não deixava —, como sair para dançar. É uma corrente de sororidade, empatia e, sobretudo, de libertação.
Sóbria de homem desde o ano passado, Val não se vê mais em um namoro ou até mesmo mantendo relações sexuais casuais. Ela analisa que aproveitou a vida nesse quesito, entretanto, não tem mais essa necessidade física. “Tinha muita energia sexual. Acho que a menopausa contribuiu para a queda da minha libido, ao mesmo tempo em que fui perdendo o encanto nesses homens que estão por aí”, confidencia.
O amor romântico virou amor. Posso amar todas as pessoas, independente de beijar a boca
Val Saab lembra que quando terminava um relacionamento, se sentia feliz. “Percebi que não era aquilo que me disseram que eu tinha que buscar”, conta. A partir dessa constatação, foi mudando até não querer mais se relacionar romanticamente. “Eu prefiro esse amor universal, essa energia que gasto com as meninas [as duas filhas], ajudando as mulheres a se empoderar [no grupo], do que ficar de mãozinha dada passeando no shopping center”, declara.
“O amor romântico, para mim, virou amor. Eu posso amar todas as pessoas, independentemente de elas serem homens ou mulheres. Independente de beijar a boca. Eu prefiro esse amor universal, esse amor fraterno”, conclui Val.
Descentralizar: o meio-termo
Uma experiência não tão “radical”, como algumas pessoas enxergam a tendência dessa sobriedade — ou do exercício de autoconhecimento, autocuidado e bem-estar voltado à mulher —, há um meio do caminho, testado pela terapeuta e taróloga Sarita Deoli, 34.
Muitas chamam de descentralização do homem, que nada mais é do que se colocar no centro da própria vida, enquanto a relação amorosa fica ao lado, é um item a mais, e não central do cotidiano.
Sarita iniciou esse processo por volta de 2017, logo depois de terminar um relacionamento de quase sete anos com altas doses de ciúmes, possessividade, machismo e em que ela cuidava de todo o emocional do casal e das tarefas domésticas. “Ele sonhava em casar e ter filhos, mas era o tipo que ficava sentado no sofá tomando cerveja e assistindo a jogos de futebol enquanto eu cuidava do resto”, afirma.
Sei que é possível ser feliz sem um relacionamento romântico com homens
Ao dar fim ao namoro, mesmo gostando do companheiro da época, Sarita se dedicou a se conhecer melhor e a ter mais contato com autoras feministas que, de acordo com ela, a apresentaram aos direitos das mulheres e às possibilidades de se impor.
“Percebi que não dava para colocar toda a minha expectativa numa relação, sendo que eu tinha a minha vida também. Hoje eu sei que não preciso de um homem para poder me sentir completa, tanto que passei muito tempo sozinha e feliz. Atualmente, estou namorando de novo, mas sei que é possível ser feliz sem um relacionamento romântico com homens”, pondera.
Movimento dual
A comunicadora e psicanalista Manuela Xavier examina o movimento de um ponto de vista crítico e dual. A especialista explica que, historicamente, a subjetividade e a experiência feminina são organizadas tendo o homem como um centro, o que faz com que muitas mulheres não sejam protagonistas da própria história.
“Elas são coadjuvantes da história de alguém. Estão sempre trabalhando para realizar os sonhos dos homens, para serem escolhidas por um homem. E aí a gente vê muitas dinâmicas de aniquilação dessas mulheres”, inicia.
Tendo essa perspectiva histórica à frente, segundo Manuela, é, sim, importante “dar um tempo de homem ou tirar o homem do centro”, numa tentativa de recuperar o protagonismo feminino. “Quando descentralizamos o homem da vida, descobrimos os nossos próprios tesouros.”
Entretanto, apesar de reconhecer os benefícios dessa onda para o autoconhecimento, para o amor-próprio, para a evolução e para a saúde mental das mulheres, Manuela alerta para os perigos de transformá-la em apenas um modismo passageiro ou uma lucidez temporária.
Outro receio da profissional é que o “boysober” exclua as mulheres “da gramática do amor e da gramática do afeto”. “Quando você está lúcida de você — eu prefiro esse nome do que estar sóbria de um homem porque até no nome é sobre o homem —, você pode até ficar bêbada de alguma coisa, cair numa história errada, deitar no lençol de um canalha qualquer, mas você mantém o seu protagonismo.”
Os homens, quando retirados do centro, experimentam o que experimentamos a vida inteira
Manuela é otimista ao analisar que os homens, vendo toda essa movimentação das mulheres, têm grandes chances de evoluir e, cada vez mais, de discutir e vivenciar uma masculinidade saudável. Isso porque eles estão vendo que as mulheres não estão mais dispostas a “perder o tempo delas com um homem mais ou menos”.
“Os homens, quando retirados do centro, experimentam o que experimentamos a vida inteira e passam a se questionar: ‘Eu posso ser rejeitado? Posso ficar na prateleira? Como assim você vai escolher ele e não a mim? Como assim você vai escolher entre eu, que sou machista e o outro, que não é? Como assim? Tem alguém melhor do que eu?’.”.
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