Megwyn White: ‘Bloquear a sexualidade é também bloquear o prazer em outras áreas da vida’ — Gama Revista

Megwyn White: ‘Bloquear a sexualidade é também bloquear o prazer em outras áreas da vida’

Diretora de educação na Satisfyer, empresa por trás do célebre sugador de clitóris, ela fala sobre a ligação entre expressão corporal e prazer, e os benefícios de uma rotina de orgasmos

Manuela Stelzer 25 de Maio de 2022

O fato de que o gozo é uma fonte rica em prazer não é nenhum segredo. Agora, que o orgasmo pode trazer benefícios palpáveis à saúde e fornecer, inclusive, uma espécie de glow up a quem quer que o experimente, isso talvez seja novidade. “Uma vez que entendermos que o orgasmo está conectado com nosso sistema nervoso, e pode melhorar a qualidade do sono, acalmar a ansiedade e ainda impulsionar a confiança, isso muda tudo”, afirma a sexóloga e diretora de educação da empresa de produtos eróticos Satisfyer, Megywn White.

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Entusiasta de que o prazer sexual é muito mais do que apenas um orgasmo entre quatro paredes, White fala sobre a ligação entre o sexo e a vida como um todo. “Quebrar certos bloqueios sexuais é muito poderoso. É algo que não vai impactar apenas a vida sexual, mas todas as outras facetas.” Tanto que, como coach de intimidade, seu trabalho é exercitar a conexão entre sexualidade, autenticidade e expressão criativa. “Quando realmente entendemos nossa sexualidade, conseguimos afirmá-la e não ter vergonha dela, isso se traduz na maneira como nos expressamos.”

Na entrevista que você lê a seguir, a sexóloga fala sobre a relevância da sexualidade na vida das pessoas, o que uma rotina de orgasmos pode trazer de benefícios à saúde, comenta o fato de que, como mostram pesquisas, a mulher heterossexual faz parte do grupo que menos chega no clímax, revela um pouco da magia por trás do tão aclamado sugador de clitóris (objeto já analisado por Gama) e o que ainda falta para sermos mais felizes sexualmente.

  • G |Como e quando se interessou pela sexualidade?

    Megwyn White |

    Sempre fui muito interessada pelo corpo humano. Mesmo criança, tinha um fascínio por anatomia e fisiologia. Originalmente, estava estudando para ser atriz e dançarina, então estive muito envolvida com performance, expressão artística, etc. Quando fui para a faculdade, a NYU, estudei muito a abordagem física da atuação, buscando formas de encontrar o personagem por meio do corpo e da energia corporal. Foi isso que me levou para o campo da ciência somática, que é basicamente como as emoções se organizam no corpo, como nos expressamos por meio de nossos sentimentos. Depois de me formar, estudei diferentes formas de trabalho corporal, como pilates, yoga, entre outros. Foi quando avancei na exploração sobre o corpo humano e como ele funciona, e percebi que, geralmente, as razões pelas quais as pessoas lidam com diferentes desafios na vida, não apenas físicos, se deve a uma supressão da energia sexual. E assim entrei para o mundo da sexologia. Passei a realmente entender como existe uma conexão entre dar prazer a si mesmo, conseguir se expressar e ter uma experiência mais completa da vida como um todo. Tenho um apego especial em ajudar mulheres a superar o estigma em torno da sexualidade, e a não se sentirem envergonhadas ao conversar sobre o tema. Sempre me pareceu muito estranho como temos tanta vergonha de falar sobre nossas próprias genitais. Ao aprender sobre o corpo e nossa anatomia, tenho cada vez mais certeza que não há nada para ter vergonha.

  • G |Por que, na sua opinião, mesmo com altos índices de mulheres que não gozam, poucas buscam ajuda?

    MW |

    Não somos ensinadas nem a usar as palavras corretas quando falamos de anatomia. Hoje, há mais educação, mas muitas mulheres ainda não sabem a anatomia do clitóris, e como, na verdade, é um órgão interno, e não apenas externo. Acho que essa dificuldade de pedir ajuda vem muito da nossa cultura, que ainda não normalizou o sexo como um assunto possível em uma roda de conversa. As pessoas podem conversar sobre tudo, mas masturbação e outros tópicos desse universo são temas quase proibidos. Acredito, entretanto, que as coisas estão mudando. Especialmente à medida que mulheres se educam sobre o assunto e entendem melhor os benefícios da masturbação e do orgasmo. Essa é a chave do aprendizado. Conversando com consumidoras da Satisfyer, percebi que uma vez que uma mulher entende que o orgasmo está conectado com nosso sistema nervoso e pode impactar outras facetas da vida, ou seja, pode melhorar a qualidade do sono, acalmar a ansiedade e ainda impulsionar a confiança – isso muda tudo. Começamos a perceber que, durante muito tempo, nossa sexualidade nos foi negada. Mas tem sido empolgante ajudar a engajar mulheres nessas conversas, ainda mais porque temos tanta tecnologia que preenche a lacuna do prazer, e nos ajuda a chegar lá mais facilmente.

Um dos efeitos do orgasmo é ter um brilho diferente. A maquiagem é uma forma de imitar o efeito do orgasmo

  • G |Quais são os benefícios de uma rotina de orgasmos?

    MW |

    Quando temos a experiência de um orgasmo, somos inundadas por hormônios, como dopamina, ocitocina e serotonina, além de um número de outros neuroquímicos que basicamente fazem nos sentirmos bem. Com exames de imagem mais tecnológicos do nosso cérebro, conseguimos afirmar que, quando temos um orgasmo, ativamos diferentes áreas ali – mais do que em qualquer outra atividade. Ou seja, potencialmente, ter um orgasmo é uma maneira de aguçar as conexões do nosso cérebro. Há estudos hoje que mostram o poder do orgasmo em melhorar nossa memória, impulsionando ligações dentro do hipocampo, por exemplo. No pacote, há muitos outros benefícios, principalmente no sentido de regular nosso humor e estado emocional. Experimentar um episódio de ansiedade é como ficar presa em um ciclo de pensamentos, uma espécie de roteiro mental prejudicial, e ter um orgasmo faz com que você acesse o prazer de uma forma que te tira daquela prisão de pensamentos, te traz de volta para o chão e te coloca no centro daquela sensação de prazer. Outro benefício é, claro, simplesmente se conhecer. Nossa sexualidade é parte importante da nossa individualidade, é algo que nos torna únicos. Se não estamos conectados com ela, a sexualidade vira uma questão complexa, que pode engatilhar uma busca pela nossa identidade fora do corpo, seja pela aprovação de terceiros ou até por meio das redes sociais. Quando realmente entendemos nossa sexualidade, conseguimos afirmá-la e não ter vergonha dela, e isso se traduz na maneira como nos expressamos. Nos liberta em diferentes formas. Também há, como já havia comentado, o benefício do sono. Gozar antes de se deitar ajuda a engatar um sono profundo, porque os hormônios liberados sustentam e melhoram os ciclos do sono. Esses são apenas alguns dos principais benefícios de uma rotina de orgasmos.

  • G |Gozar pode ser empoderador para as mulheres?

    MW |

    Sim, absolutamente. Um outro benefício é, inclusive, a beleza. Com o orgasmo, somos inundados por um fluxo de sangue fresco e rico em oxigênio – mas não apenas nas genitais, o sangue também preenche a área do rosto. O orgasmo faz conexões com nosso sistema límbico, então liberamos tensões na área do rosto e ativamos a microcirculação. Por isso, ao ter um orgasmo, um dos efeitos é perceber um brilho diferente, bochechas rosadas, etc. A maquiagem, na verdade, é uma forma de imitar esse efeito do orgasmo. Até digo para as pessoas que ele pode ajudar tanto quanto uma rotina de skincare e maquiagem, só que de dentro para fora.

  • G |Qual a importância do mercado de sexual wellness para as mulheres conhecerem melhor seus corpos e seu prazer?

    MW |

    Sempre me irritou como a sexualidade foi deixada de fora do universo wellness. Se você parar para pensar, o corpo é todo conectado. O clitóris é o órgão mais poderoso de prazer, e ele se conecta ao sistema nervoso parassimpático, então é basicamente a raiz da experiência da vida. E eu amo o fato de que o fenômeno do sexual wellness expandiu essas conexões entre corpo, sexo, beleza e bem-estar. É também uma forma de abrir espaço para a conversa, e é só o começo. Ainda vamos ver esse fenômeno se expandir para além do mercado, até ele se tornar parte da área da saúde. As pessoas não enxergam o sexo como relacionado à saúde, mas de fato é. E especialmente agora que estamos falando mais sobre prazer e procurando formas de facilitar o orgasmo na vida das pessoas, vejo que estamos chegando mais perto de vincular sexo e saúde.

  • G |Escrevemos na Gama sobre o sugador de clitóris e foi um sucesso de audiência. Como foi o desenvolvimento desse aparelho e o quanto você esteve envolvida?

    MW |

    Não estive de fato envolvida na invenção do vibrador, meu papel foi mais no sentido de ajudar a entender como o aparelho funcionava e teria sucesso, baseado no que sei sobre anatomia. O que mais me encanta nesse vibrador é que ele não encosta no clitóris – ele produz uma onda que mantém uma sucção constante, o que muitas pessoas entendem como algo que imita o sexo oral, mas não há o toque de fato. O vibrador não encosta em nada. É uma experiência única. Quando comecei a trabalhar na Satisfyer, o que achei fascinante foi que este vibrador oferece a forma mais direta de excitação que já vi, porque ele ativa a circulação de sangue e ativa também a parte interna do clitóris. Seu funcionamento mostra como o orgasmo é resultado de uma conexão do corpo como um todo. Há uma equívoco, embasado em um conceito mais masculino, de que há uma fórmula para o gozo da mulher. Eles sempre querem saber qual é a fórmula para o sucesso, onde está o ponto G, como acessá-lo da maneira correta, como decifrar o código para o orgasmo. O que é legal deste vibrador é que ele permite que as mulheres cheguem ao orgasmo sozinhas, e ainda por meio de uma conexão com sua respiração e uma interação com essa tecnologia que expande o efeito orgásmico. É como você disse antes: é empoderador. A verdade é que o orgasmo não acontece por acaso, é uma combinação de fatores, uma mistura de excitação com capacidade de se conectar ao seu próprio corpo e aproveitar a experiência pessoal do prazer.

  • G |Como você descreveria as clientes da Satisfyer e o sucesso desse modelo?

    MW |

    Tem uma questão muito importante que é: o que esses vibradores significaram para as mulheres. Acredito que eles ajudaram a libertar seu poder sexual, tornando-as capazes de explorar seus corpos e ter acesso a suas sexualidades como um recurso. Uma mulher que depende do parceiro ou parceira para atingir o orgasmo – isso dá uma insegurança. E agora, com essas ferramentas, temos acesso a essa energia sexual. As mulheres estão pedindo mais quando falamos em sexual wellness. Pensando na indústria como um todo, vimos muito crescimento e evolução no mercado. Há vários novos produtos, mais sofisticação. Elas querem também mais educação para saber utilizar essas ferramentas. Para mim, é similar à yoga e ao pilates, de certa forma. Foi algo que pratiquei e estudei por muito tempo, quando ainda era um fenômeno e um mercado muito emergente. Anos depois, se tornou um lugar comum, as pessoas começaram a praticar e entender as dinâmicas e os movimentos, além dos benefícios para a saúde. Acho que vamos experimentar algo muito próximo na questão da sexualidade e do prazer. Há muitas novidades. A Satisfyer é uma pioneira, mas eu pessoalmente adoro como há competição, porque, no fim, é o que nos mantêm em constante evolução, crescimento e mudança.

As mulheres estão pedindo mais quando falamos em sexual wellness

  • G |Além dos vibradores e produtos eróticos, de que outras formas podemos praticar nossa sexualidade?

    MW |

    Uma prática muito importante é a masturbação com as próprias mãos. Explorar o corpo, seja sozinha ou com o parceiro. É legal criar um espaço para que cada um dê e receba o toque sem a pressão da performance. Trabalhar uma imagem mais positiva do corpo, principalmente no caso das mulheres, que sofrem com a comparação com outros corpos, é parte relevante do exercício da sexualidade. Certamente, é uma maneira de recuperar o poder sobre a confiança de forma geral. Em parcerias, comunicação é tudo, e é também uma das partes mais desafiadoras dos relacionamentos hoje. Olho no olho é uma ferramenta essencial para a conexão emocional, é algo que trabalho com os casais que atendo, porque facilita a comunicação. E por fim, a inteligência emocional. Conseguir expressar a própria sexualidade, e ao mesmo tempo definir seus limites, ser capaz de pedir, perguntar e realizar seus desejos, escutar os desejos do outro, e fazer esse meio do caminho. Trabalhar com um coach de sexualidade ou um terapeuta desta área não serve apenas para tratar problemas do relacionamento, muitas vezes é uma maneira de se entender. Às vezes, as pessoas estão tão focadas em outras facetas da vida e deixam a sexualidade completamente de lado. Isso pode acontecer por questões internas e profundas, pode ser que aquela pessoa realmente não consiga lidar com aquilo sozinha, não consiga olhar para a própria sexualidade sem ajuda. Então, trabalhar com um profissional que possa te guiar, no sentido de quebrar certos bloqueios, é muito poderoso. Não vai apenas impactar sua vida sexual, mas todas as outras facetas. Eu garanto: bloquear o exercício da sexualidade é também bloquear o prazer em outras áreas da vida.

  • G |O que ainda falta para as pessoas serem mais felizes sexualmente?

    MW |

    O que vem a minha mente é a nossa conexão com nós mesmos, o acesso ao nosso próprio prazer e sentir que você consegue chegar a esse prazer sozinho. Por mais que pareça algo simples, eu acredito que é essencial, já que tanta coisa, nesse meio do caminho, se perde. Nossas relações são importantes, devemos cultivá-las, porque precisamos uns dos outros. Mas não podemos negar a conexão com nós mesmos. Se não, focamos na busca de uma outra pessoa que atenda todas as nossas necessidades, e aí aumentam os níveis de insatisfação, porque claro, é injusto esperar que alguém seja tudo para nós. Quando você tem uma conexão profunda consigo mesmo, chegamos a um nível de presença e segurança que eleva e melhora nossa experiência com o outro. A introspecção, seja ela praticada pela masturbação, meditação, respiração profunda, ou mesmo imaginar as próprias fantasias – todas são formas de conexão consigo mesmo. À medida que fazemos isso, temos muito mais para compartilhar, também entre quatro paredes. Ou podemos esquecer e até negar nossos desejos como prioridade na cama e na vida.

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