Costanza Pascolato: ‘A maior armadilha é imitar famosos’
Empresária e consultora de moda de 82 anos responde dez perguntas sobre estilo de seu novo livro-jogo. “O jeito como alguém se veste pode ser o desenho da sua personalidade”
No Brasil, Costanza Pascolato é sinônimo de elegância. Agora, aos 82 anos, a consultora de moda e empresária nascida na Itália quer conversar sobre estilo, gostos e hábitos. Pelo menos é o que informa a caixinha que guarda os cartões do “Puxa Conversa Moda” (Matrix, 2022), livro-jogo que, com base em cem perguntas feitas por ela viram um “divã de estilo” para o jogador se autodescobrir.
Gama selecionou dez dessas perguntas para levar a Costanza. Antes de começarmos o ping-pong em videoconferência, Costanza explica que sua carreira foi construída paralelamente à história da indústria da moda. “Hoje em dia moda é uma coisa abstrata demais, mas eu sempre pensei em moda em termos de comportamento. A editora [Abril] me escolheu para falar justamente de um assunto que foi a base onde montei uma profissão ao longo do tempo – e que já não é a mesma de quando eu comecei. A gente vai mudando”, afirma ela que acaba de lançar uma coleção de óculos com a Go Eyewear, a Anima Eyewear by Costanza.
Desde o início, ela conta, entendeu que vestir-se com cuidado é uma forma de olhar para o outro. “Pode parecer uma coisa supérflua às vezes, mas é uma forma de empatia de certa forma. O meu pai dizia que era importante sair de casa arrumado porque é uma questão de gentileza com o outro. Ele falava isso e eu nunca o vi desarrumado na vida.”
Guardou essas palavras para si e adotou como lema. “Eu gosto de me vestir, de imaginar como eu estou daqui para fora. Mesmo quando vou caminhar na rua, não saio de qualquer jeito, não ponho todo dia a mesma roupa. O jornaleiro vai me ver todo dia e ele jovem, ligadaço, vai saber. Mas não só por isso. Mesmo que ninguém me reconheça, mesmo que esteja na Suíça”, diz.
Agora, o que ela considera triste, dramático e a maior armadilha da moda é alguém vestir-se sem seguir sua própria personalidade, e sim copiando os outros, especialmente as celebridades. “Outra são os filtros que fazem com que você se pareça com outra pessoa – encurta meu nariz, aumenta minha boca”, diz, na entrevista que você lê abaixo.
É um perigo dramático cair na armadilha de querer se parecer com outra pessoa
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G |Na sua opinião, o que é uma pessoa bem-vestida? Por quê?
Costanza Pascolato |Cada um de nós tem uma personalidade. Ela pode estar arrematada, completa ou não. O legal é você se vestir de acordo com o estilo de vida que você tem, como pensa, com os livros que lê, e não só com aquilo que fica bem para você. Cada um se veste bem de acordo com o que é. É uma coisa tão simples de entender hoje, mas quando comecei havia uma série de regras mais elitizadas. Hoje eu já penso de outra maneira, sempre acompanhei os tempos.
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G |A primeira impressão é a que fica?
CP |Se a pessoa está prestando atenção, sim.
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G |O escritor irlandês Oscar Wilde disse que só os tolos não julgam pelas aparências. O que você acha dessa frase?
CP |Ele vivia num mundo da era vitoriana em que as classes eram muito claras e estabelecidas e tinha muito menos variedade de grupos, de pessoas como há hoje. A elite mandava e julgava. O julgamento é uma coisa terrível. Na verdade, é uma bobagem porque você fica limitado. O bom é ter abertura para entender por que alguém se exprime da maneira que faz.
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G |Na sua opinião, quais são os grandes perigos, as maiores armadilhas da moda?
CP |A maior armadilha, que aliás tem acontecido bastante, é quando você imita famosos que não têm nada a ver com você, com seu jeito. Outra são os filtros que fazem com que você se pareça com outra pessoa – encurta meu nariz, aumenta minha boca. É um perigo dramático cair na armadilha de querer se parecer com outra pessoa.
Minha mãe me dava uma roupa de alta costura por ano, não por luxo, mas para eu aprender como se constrói uma roupa excelente, perfeita
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G |O que as roupas que você usa dizem sobre você?
CP |Esse é complicadinho porque o jeito como alguém se veste pode ser o desenho da sua personalidade. Mas se você está maltrapilho, e tem muita gente que gosta de andar assim porque é mais confortável, pode dar a impressão de que não tem muita vontade de viver ou de aparecer. Já aquela que se veste de cabo a rabo de marca também não é muito legal.
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G |Você se veste pra você ou para os outros?
CP |Sempre me vesti para mim mesma. Fui por muitos anos a Fashion Weeks, mesmo antes dos fotógrafos e das mídias sociais. As semanas de moda eram o lugar que reunia a elite de todo o jornalismo de moda. Era um lugar em que você se exibia para assistir a desfiles que mostravam o talento de certas pessoas e para avaliar se aquela tendência era importante – e se valia a pena escrever sobre ela. Fiz isso por 50 anos, o que não é pouco. Eu realmente fazia aquelas malas com looks para cada dia porque não se podia usar três vezes a mesma roupa em um dia. Eu fazia Nova York, Milão, Londres e Paris, era seguido, 20-25 dias direto, uma correria. Então tinha uma mala versátil. Sempre fazia um certo frio e eu poderia pôr um casaco que mudava tudo. E a minha base é praticamente a mesma, preto e branco – sempre fui mais para o discreto.
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G |Quem influenciou o seu jeito de se vestir?
CP |Aprendi muito com a minha mãe, que entrou na indústria têxtil em 1947. Ela e meu pai fundaram a Santa Costanza, que fazia tecidos especiais. Na época, faziam um algodão maravilhoso no Brasil e minha mãe percebeu que não se fazia seda. Ela começou a exportar seda brasileira quando eu tinha 12 ou 13 anos e eu já ia com eles a Paris. Ficava na ante sala enquanto lidavam com esses grandes distribuidores de tecidos. Minha mãe me dava uma roupa de alta costura por ano, não por luxo, mas para eu aprender como se constrói uma roupa excelente, perfeita. Aprendi muita coisa, sobretudo aperfeiçoando e afinando o olhar. Quando fui trabalhar na editora Abril, na Claudia, e me pediram para falar e mostrar moda, foi uma sorte. Comecei em 1970, no início do grande crescimento da indústria de confecção do Brasil, e fui crescendo junto da indústria. Era a hora certa no lugar certo.
Durante muito tempo na vida, eu sempre fui muito bonita. Sabia me virar, sabia me mexer
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G |Qual look, de qualquer época da sua vida, você deletaria – apagaria para sempre – do seu álbum de fotos e da memória também? Por quê?
CP |Nos anos 80, eu estava num ritmo louco, 21 edições por ano entre Claudia e Claudia Moda. De vez em quando, eu tinha uns eventos e pegava umas roupas que me davam, mas a editora Abril não gostava muito que a gente aceitasse presentes. Uma noite, tínhamos uma festa, meu marido e eu, num clube que era super bacana. Eu apareci com um macacão de jersey brilhante rosa shock, com ombrões. A calça era aquela cenoura, toda drapeada. Quando eu disse “vamos”, meu marido olhou e disse “Meu amor, será que você precisa sair assim?” Ele ficou com uma carinha tão triste, ele estava tão tristonho. Eu pus um vestido, pronto, acabou, não tive coragem.
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G |O que você faria – ou já fez – ao chegar a um festão e encontrar alguém com uma roupa igual ou muito parecida com a sua, mas que você acreditava ser uma escolha única e totalmente pessoal?
CP |Nunca tive essa ilusão, se você quer saber. Sempre soube que a indústria é a indústria, produz em escala, e não tenho roupa de alta costura. Durante muito tempo na vida, eu sempre fui muito bonita e eu sempre me achava melhor que os outros. Sabia me virar, sabia me mexer. Saber vestir certas roupas… tem um certo talento, ou é coisa que você aprende. Era a minha profissão, eu tinha que entender daquilo.
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G |Quem é a pessoa mais elegante que você conhece e porque merece essa avaliação?
CP |Eu sempre achei a Fernandona, a Montenegro. Aquela presença que ela tem no palco ela tem na vida: um requinte na maneira de se vestir sempre. E não é nunca para se mostrar – ela é integrada com a roupa dela. Ela sabe se mexer também, é maravilhosa. Acho que os gestos também tem a ver. Me deixou de boca aberta várias vezes, é tão elegante de cabeça… Uma amiga me levou ao teatro para vê-la e depois ao camarim. E me apresenta e diz “Fernanda, você sabe que a Costanza não gosta de teatro?” Eu fiquei assim, nem falei nada. A Fernanda vira e fala “Ela não precisa gostar de teatro. A vida é o teatro dela”. Você entende a elegância, a inteligência, a gentileza? Isso é mais que elegante.
- Puxa Conversa Moda
- Editora Matrix
- 100 cartas
- R$ 43
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