Jacquemus e seu livro de fotos que esgotou em 24 horas
Livro de estilista francês é a prova de que a moda é, antes de tudo, imagem — ainda mais em tempos de Instagram. Lançamento acaba de ganhar segunda edição
O estilista francês Simon Porte Jacquemus, a mente e o coração por trás da marca Jacquemus, desfilou a sua coleção primavera/verão de 2020, “Le Coup de Soleil”, em um campo de lavanda em Valensole, nos Alpes de Provence. Depois do show, ganhou quase 2 milhões de novos seguidores em sua conta do oficial do Instagram, que diferentemente das outras marcas de luxo, se divide entre as suas criações e sua vida pessoal.
E foi de lá que nasceu o seu mais novo projeto. O fotolivro “Images”, que foi lançado durante a quarentena e se esgotou nas primeiras 24 horas, reúne 321 fotos que ele mesmo tirou com o seu telefone. Agora, uma segunda edição entrou em pré-venda, com previsão de lançamento para dezembro. A curadoria também é dele, entre os mais de 80 mil cliques do seu rolo de câmera. Mas não é a primeira vez que o francês lança um livro de imagens. Em 2017, ele lançou “Marseille Je t’Aime”, parte de um projeto que incluia duas exposições e um desfile sobre a região onde nasceu e cresceu: a Provença, no sul da França.
Mas o que faz a audiência ter tanto interesse pelo rolo de câmera de um estilista? “Eu acho que a moda é principalmente sobre imagem, mas ‘Images’ [o livro] não é sobre moda. É sobre estilo de vida, sobre visão, sobre a poesia das pequenas coisas”, contou à Vogue sobre o novo projeto que mostra seu lifestyle como algo simples e solar, e também a ideia de que a moda pode ultrapassar a roupa. “Meu foco é encontrar novos caminhos e novas formas de comunicar os nossos valores. Para mim, a moda é mais do que fazer uma boa coleção ou um desfile bonito, eu quero passar uma mensagem.”
Estilista da imagem
O mercado está sempre nos induzindo a pensar que a receita do sucesso é seguir a sua tendência. Mas a história nos mostra que quem cria a cultura do futuro é quase sempre alguém que ignorou todos os conselhos de como ser, e o que fazer, para ser bem sucedido. Simon está num terceiro grupo, o dos que tem uma intuição certeira.
Lançada em 2009, a marca ganhou o mundo com a sua coleção primavera/verão de 2018, “La Bomba”, desfilada em setembro de 2017 no Museu do Picasso, durante a semana de moda de Paris. Indo na contramão do encontro da streetwear com o luxo, que era a aposta das grandes maisons da época, Jacquemus apresentou uma mulher naturalmente sexy, bronzeada e feliz, depois de um belo dia de praia no sul da França. O desfile foi inspirado por uma fotografia de sua mãe com um lenço na cabeça, e abriu as portas do Olimpo para o estilista, que viralizou nas redes com a mini bolsa “Le Chiquito” e o maxi chapéu que acompanhava a coleção.
Um exemplo do poder da intuição de Simon pode ser justamente a história da já icônica mini bolsa “Le Chiquito”, que hoje garante cerca de 30% do faturamento da marca. “Minha equipe disse: ‘Simon, isso nunca vai vender, vamos fazer só algumas’. Vendemos centenas. Se ficar legal no Instagram, vai vender. Este é o mundo em que vivemos”, contou em entrevista à revista W.
Pouco tempo depois o acessório estava aparecendo nos feeds de Rihanna, Beyoncé, Kendall Jenner e Kim Kardashian. “Eu vivo o sonho que eu sonhei durante toda a minha infância”, disse em entrevista à Dazed. “Minha marca não tem a ver com balada ou sair a noite. Tem mais a ver com frutas, legumes e rolar na grama.” Segundo a Vogue, “o que Jacquemus quer é criar o seu próprio universo, e como ele mesmo gosta de dizer: ‘Eu não crio roupas, eu conto histórias'”.
Rihanna e sua bolsinha Jacquemus
Simon nasceu e cresceu em Salon-de-Provence, um vilarejo no sul da França, há 30 anos. Sua primeira obra foi uma saia que fez para a mãe com uma cortina de casa, aos sete anos. Ela usou para buscá-lo na escola. Quando tinha oito anos, ele mandou uma carta a Jean Paul Gaultier pedindo um emprego. Sempre soube que queria ser estilista. Aos 18, foi estudar moda em Paris, mas um mês depois sua mãe morreu em um acidente trágico. Ele desistiu do curso na École Supérieure des Arts et techniques de la Mode (ESMOD) e decidiu começar sua marca imediatamente.
O pequeno Simon e a mãe, Valérie: “Eu passei minha infância entre suas saias, vestidos e sapatos. Passei minha infância sonhando que tudo era possível”
Jacquemus é o sobrenome de solteira de sua mãe, Valérie, e é ela a maior e mais profunda inspiração de seu trabalho. “Poucos dias depois do enterro, transformei minha dor em força e comecei a criar. É por isso que consegui tocar as pessoas. Mesmo que as minhas primeiras coleções não tivessem uma linha precisa, havia a emoção”, contou em entrevista à Elle.
Sua moda ensolarada, com ares de Provence, nada tinha a ver com o carão sofisticado com tons de exclusividade das maisons de luxo em 2013, quando a Jacquemus fez sua estreia na passarela da semana de moda de Paris. “Reconheci imediatamente o frescor e a originalidade, e mais importante, a sua visão forte. Nunca vi alguém tão determinado e com ideias tão claras do que queria alcançar”, relembra Adrian Joffe, segundo a FFW.
Três anos depois do icônico desfile de 2017, ele está em primeiro lugar na pesquisa “The Next 20”, encabeçada pelo portal de lifestyle Highsnobiety e pelo site de buscas fashion Lyst, como a marca que mais tem potencial de crescer no mundo pós-pandemia. O segredo parece ser um pouco de tudo, mas principalmente o que pedem os tempos e sua visão — prova é o livro esgotado que traz, basicamente, suas fotos pessoais. “Minha missão é ser o nome de uma geração que não está pensando apenas no futuro do planeta, mas também buscando a felicidade, que não se resume a ter muito ou pouco dinheiro”, disse Simon à Vogue, logo após o desfile de dez anos da label.