Como falar de morte com as crianças
O assunto é delicado, mas não deve ser evitado, caso os pequenos perguntem. Especialistas, livros e filmes podem ajudar
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Responda às perguntas, sem longos discursos –
Crianças são curiosas, não precisam de muito para saírem por aí perguntando o porquê de tudo que acontece à sua volta. Não apenas sobre morte, é importante responder a todas as perguntas dos pequenos, mas lembrar-se de evitar discursos longos e prolixos. “Uma criança não tem espaço de memória para acompanhar uma narrativa prolongada”, explica a psicóloga especializada em crianças e adolescentes Ceres Alves de Araujo. “O ideal é se ater às perguntas e respondê-las de maneira clara, objetiva e sucinta.” Ela afirma que, numa elaboração extensa, o pequeno pode captar apenas uma parte do discurso, se assustar com aquela informação específica e não entender a resposta como um todo. Ceres também deixa claro que, se a criança não despertar interesse sobre o assunto e não fizer questionamentos — ou se nenhum tipo de perda ocorrer próximo a ela, como um parente, amigo ou colega que morreu — não é preciso iniciar a conversa. “Sem o contexto da morte, não é interessante preparar a criança. Não tem sentido.” -
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Diga a verdade com delicadeza, mas sem metáforas –
Justamente pela curiosidade aguçada, os pequenos podem fazer perguntas complexas, como “O que acontece depois que morremos?” A resposta deve seguir a crença e filiação religiosa dos pais ou cuidadores. “Quem não tem uma crença, não vai mentir. Quem acredita que a pessoa que morreu ganha um corpo imperecível e vai viver eternamente, também deve contar isso à criança. Sempre com delicadeza”, explica a psicóloga Ceres Alves de Araújo. Mas ela atenta para as “concretudes”: “A verdade deve ser explicitada, mas com cuidado. Crianças tem um raciocínio muito concreto, e podem realmente acreditar em expressões como ‘virou uma estrela’, ‘foi para o céu’, e até quererem emendar diversas escadas para subirem ao céu e fazerem uma visita”. A psicóloga Maria Júlia Kovács, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte da USP, em um artigo publicado na revista da faculdade, completa: “O uso de metáforas para explicar a morte deve ser evitado. ‘Sono eterno’ pode se confundir com o sono diário e ‘viagem eterna’, com as viagens de fim de semana. O que tem como objetivo diminuir a dor pode causar dificuldades de compreensão”. Claro que, a depender da idade da criança, o nível de explicação varia. “Na primeira infância, que vai até os 5 anos, os pequenos não entendem o significado da morte, é algo muito abstrato. A explicação adequada, nesse caso, seria dizer que a pessoa que morreu não vai voltar. Só isso. É o que a criança, nessa faixa etária, vai captar”, explica Ceres. “Na segunda infância, que vai dos 7 até os 10 ou 11 anos, a criança já é capaz de entender. Então, para ela, é preciso explicar a causa da morte, as razões, o contexto.” -
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Não evite o luto da criança –
Crianças têm que passar pelo luto, assim como todos. “O problema não é o luto, mas quando não se faz o luto”, afirma a psicóloga Ceres Alves de Araujo. Os pais e cuidadores precisam estar atentos para captar sinais de ansiedade, tensão ou tristeza na criança. “Os adultos devem conversar sobre o que aconteceu, mostrar fotos da pessoa, dialogar, sanar dúvidas. É importante para o pequeno trazer a presença da pessoa que morreu.” Maria Julia Kovács, psicóloga da USP, afirma que crianças vivem o processo de luto como adultos, e que é um erro considerar que elas não percebem quando mortes acontecem. “É uma falácia que os pequenos superam perdas mais facilmente, já que se distraem com brincadeiras. Dessa maneira, a criança aprende a ocultar seus sentimentos. Falar, explicar, esclarecer não acaba com a dor, mas permite que a criança possa recorrer às pessoas com as quais se sente mais segura”, explica em seu artigo. Também no luto é importante perceber que, a depender da idade dos pequenos, o processo pode ser diferente. “Na primeira infância, a criança não consegue elaborar a perda, pode logo se distrair ou não entender por completo que a pessoa morreu. Já na segunda infância, o luto é mais intenso, a criança vai entender e vai sentir”, explica Ceres Alves de Araujo. Nas primeiras semanas após a perda, a criança pode ficar um pouco mais agressiva, dispersa, ter dificuldade para dormir ou mesmo regredir em algo que já havia aprendido, como voltar a fazer xixi na cama. É tudo normal, e especialistas indicam agir apenas caso o comportamento fique intenso ou demore mais de dois meses para passar. -
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Manter a memória da pessoa que morreu é reconfortante –
Em momentos de muito sofrimento, é normal que adultos queiram acabar com a dor da criança, cessar seu choro e infelicidade. Mas como afirmam as especialistas, assim como os adultos, os pequenos também precisam passar pelo processo de perda, por mais duro que seja. Uma maneira de acolhê-los e ajudar a superar, de acordo com Ceres Alves de Araujo, é perpetuar a memória daquele que partiu. “Se pensarmos no nosso DNA, ele veio dos nossos antepassados. E quando morremos, o DNA não morre conosco. De certa forma, o nascimento e a morte são fronteiras porosas”, reflete a psicóloga. “Isso dá uma ideia de continuidade que é apaziguadora para pessoas que perderam alguém. É uma memória genética, mas ela existe.” -
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Use livros e filmes para a conversa –
Animações e livros infantis podem ajudar na hora da conversa delicada. Clássicos como “Rei Leão” (1998) e “Bambi” (1942) trazem a morte como parte da trama, e são produções que colaboram na elaboração do luto, já que a criança pode se identificar com a trajetória dos personagens, de acordo com psicóloga Maria Julia Kovács. Como afirma o teólogo Rubem Alves (1933-2014), “as narrativas não substituem o contato com pessoas, mas podem ser excelentes complementos, principalmente quando são compartilhadas e criam um momento de conexão entre crianças e adultos”. “Viva — A Vida é uma Festa”, de 2017, e “Soul”, de 2020, são longas recentes que também tratam da perda e podem ajudar na conversa, além de livros como “Cadê Meu Avô?” (Biruta, 2004), “O Meu Amigo Pintor” (Casa Lygia Bojunga, 2004) e “A Montanha Encantada dos Gansos Selvagens” (FTD Educação, 2016).