Outlive
Médico especialista em longevidade, Peter Attia lança livro que enfatiza prevenção como melhor remédio para doenças do envelhecimento
Você já deve ter ouvido por aí promessas de que, num futuro próximo, o ser humano será capaz de viver até 150 ou 200 anos, senão para sempre. Essa é uma das primeiras noções que o médico e escritor canadense Peter Attia desconstrói em seu “Outlive: A arte e a ciência de viver mais e melhor” (Intrínseca, 2023). Um dos maiores especialistas do mundo quando o tema é longevidade, Attia desenrola no livro um manifesto inovador, em que mescla sua jornada pessoal aos avanços desenvolvidos pela medicina nas últimas décadas, assim como um foco crucial na medicina preventiva.
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Um maratonista aquático de alto nível, capaz de fazer longas travessias marítimas, o médico levava uma vida admirável como praticante de atividade física. No entanto, além de estar acima do peso, um exame de sangue revelou que ele caminhava a passos largos para desenvolver uma diabetes tipo 2, entre uma série de outros problemas de saúde antes mesmo de chegar aos 40 anos. “Minha própria árvore genealógica estava repleta de homens que morreram de doenças cardiovasculares na casa dos quarenta”, revela no livro.
Esse momento impactante marcou também o início do interesse de Attia pela longevidade, o que o levou a compreender que sua situação, embora pudesse terminar em tragédia, era também perfeitamente contornável. Um dos focos de “Outlive” é mostrar que a medicina avançou de forma considerável no tratamento a “causas rápidas de morte”, como acidentes e doenças infecciosas. No entanto, ainda está devendo no que se refere às causas de morte lenta: os males crônicos relacionados ao envelhecimento, como doença cardíaca, câncer, doença neurodegenerativa ou diabetes tipo 2, que Attia chama de quatro cavaleiros.
Escrita em parceria com o jornalista especializado em saúde e ciência Bill Gifford, com tradução de Bruno Fiuza e Roberta Clapp, a obra busca ajudar os leitores a transformar seu modo de pensar a saúde em longo prazo, criando o melhor plano individualizado para viver mais e melhor.
Afinal de contas, o que eu faço?
Boa pergunta. Se eu a escutasse em uma festa, tentaria de todas as formas mudar de assunto. Ou mentiria e diria que sou um piloto de corrida, que é o que eu quero ser quando crescer de toda forma (plano B: pastor de ovelhas).
Meu foco enquanto médico é a longevidade. O problema é que, de certo modo, eu odeio essa palavra. Ela foi implacavelmente contaminada, ao longo de séculos, por uma sucessão de charlatães e impostores que afirmavam possuir o elixir secreto para uma vida mais longa. Não quero ser associado a essas pessoas e não sou arrogante a ponto de achar que por acaso sou eu quem terá alguma resposta fácil para esse problema que intriga a humanidade há milhares de anos. Se a longevidade fosse algo simples, então talvez não houvesse necessidade de escrever este livro.
Vou começar pelo que a longevidade não é. Longevidade não significa viver para sempre. Nem mesmo viver até os 120 ou 150 anos, algo que supostos especialistas prometem de maneira banal a seus seguidores. A não ser que haja alguma grande descoberta que, de algum modo, reverta dois bilhões de anos de história evolutiva e nos liberte da flecha do tempo, tudo e todos os que estão vivos hoje inevitavelmente morrerão. É uma via de mão única.
Longevidade também não significa apenas comemorar mais e mais aniversários à medida que definhamos lentamente. Foi o que aconteceu com um infeliz personagem da mitologia grega chamado Titônio, que pediu aos deuses a vida eterna. Para sua alegria, os deuses concederam seu desejo. Entretanto, como ele se esqueceu de pedir também a juventude eterna, seu corpo nunca parou de envelhecer. Ops.
A maioria dos meus pacientes percebe isso instintivamente. Quando chegam para a primeira consulta, geralmente dizem que não querem viver mais se for para ficarem presos a um estado de saúde cada vez pior. Muitos deles acompanharam os pais ou avós enquanto estes padeciam de tal destino, ainda vivos, mas tolhidos pela fragilidade física ou pela demência. Eles não desejam reencenar o sofrimento de seus parentes. É neste momento que eu os interrompo. Digo que, se os pais atravessaram uma velhice sofrida, ou morreram mais cedo do que deveriam, isso não significa que deva acontecer o mesmo com você. O passado não precisa ditar o futuro. Nossa longevidade é mais maleável do que pensamos.
Longevidade não significa viver para sempre. Nem mesmo viver até os 120 ou 150 anos, algo que supostos especialistas prometem de maneira banal
No começo do século XX, a expectativa de vida girava em torno dos cinquenta anos, e a maioria das pessoas provavelmente morria de causas “rápidas”: acidentes, ferimentos e doenças infecciosas de vários tipos. Desde então, a morte lenta suplantou a rápida. A maioria das pessoas que está lendo este livro pode ter a expectativa de morrer na casa dos setenta ou oitenta anos, mais ou menos, e quase sempre de causas “lentas”. Presumindo que não seja adepto de comportamentos ultra-arriscados como praticar BASE jumping, participar de corridas de moto ou usar o celular enquanto dirige, são esmagadoras as chances de que alguém faleça em decorrência de uma das doenças crônicas do envelhecimento, às quais chamo de os quatro cavaleiros: doença cardíaca, câncer, doença neurodegenerativa ou diabetes tipo 2 e disfunções metabólicas relacionadas. Para alcançar a longevidade — viver bem e por mais tempo —, é preciso entender e enfrentar essas causas de morte lenta.
A longevidade tem dois componentes. O primeiro é até quando você vive, sua expectativa de vida cronológica, mas o segundo, igualmente importante, é o quão bem você vive — a qualidade do seu tempo de vida. Isso é chamado de healthspan, a expectativa de vida saudável, e foi o que Titônio se esqueceu de pedir. Em geral, o healthspan é definido como o tempo de vida sem debilidades ou doenças, mas acho isso muito simplista. Estou tão longe das “debilidades e doenças” quanto quando tinha 25 anos e estudava medicina, mas meu eu de vinte e poucos anos era capaz de dar uma surra no meu eu cinquentão, tanto física quanto mentalmente. Isso é um fato inegável. Portanto, a segunda parte do nosso plano de longevidade é preservar e aprimorar nossas capacidades físicas e mentais.
A questão-chave é: para onde eu vou a partir daqui? Qual é minha trajetória futura? Hoje, na meia-idade, os sinais de alerta são abundantes. Já fui ao funeral de amigos de escola, o que ilustra o aumento drástico no risco de mortalidade que começa nessa fase da vida. Ao mesmo tempo, muitos dos que estão hoje na casa dos trinta, quarenta e cinquenta presenciaram o avanço a toda velocidade de seus pais pela estrada da incapacidade física, da demência ou de doenças crônicas. É sempre triste assistir a esse processo, o que reforça um dos meus princípios fundamentais: a única forma de criar um futuro melhor — projetar uma trajetória melhor — para si mesmo é começar a pensar nesse assunto e agir agora.
A longevidade tem dois componentes. O primeiro é até quando você vive, sua expectativa de vida cronológica, mas o segundo, igualmente importante, é o quão bem você vive
Um dos principais obstáculos que qualquer pessoa enfrenta na busca pela longevidade é o fato de que as habilidades que eu e meus colegas adquirimos durante nossa formação médica se provaram muito mais eficazes contra a morte rápida do que contra a morte lenta. Aprendemos a tratar fraturas, combater infecções com antibióticos poderosos, auxiliar e até substituir órgãos comprometidos, além de descomprimir a coluna ou o cérebro em caso de lesões graves. Tínhamos uma capacidade incrível de salvar vidas e restaurar a função total de corpos machucados, inclusive ressuscitando pacientes que estavam quase mortos. Mas tivemos muito menos êxito em ajudar pacientes portadores de doenças crônicas — como câncer, doenças cardiovasculares ou neurológicas — a escapar da morte lenta. Conseguíamos aliviar os sintomas e, muitas vezes, atrasar um pouco o fim, mas não parecíamos capazes de reajustar o relógio como fazíamos com os problemas agudos. Havíamos nos tornado melhores em pegar os ovos, mas não podíamos fazer muito para impedir que continuassem a ser lançados do alto do prédio.
O problema é que abordávamos os dois grupos de pacientes — as vítimas de trauma e os portadores de doenças crônicas — com o mesmo roteiro básico. Nosso trabalho era impedir que o paciente morresse, independentemente de qualquer coisa. Eu me lembro de um caso em particular, um menino de quatorze anos que uma noite chegou à emergência do hospital à beira da morte. Ele estava em um carro atingido em cheio por um motorista que avançou o sinal vermelho a uma velocidade assassina. Seus sinais vitais estavam fracos e suas pupilas, fixas e dilatadas, indício de traumatismo craniano grave. Ele estava a um passo da morte. Como chefe do setor de trauma, imediatamente fiz o protocolo de reanimação, mas, assim como com a mulher na emergência de Stanford, não deu certo. Meus colegas queriam que eu desistisse, mas bati o pé e me recusei a declará-lo morto. Continuei com as tentativas de reanimação, injetando bolsas e bolsas de sangue e epinefrina no corpo inerte, porque não aceitava o fato de que a vida de um menino inocente pudesse acabar daquele jeito. Por fim, chorei sentado na escada, desejando ter podido salvá-lo. Mas, quando ele chegou a mim, seu destino já estava selado.
Esse ethos está arraigado em qualquer pessoa que se lance à medicina: ninguém pode morrer no meu turno. Também é assim que lidávamos com nossos pacientes oncológicos. Mas, muitas vezes, ficava evidente que chegamos tarde demais, quando a doença já havia progredido tanto que a morte era praticamente inevitável. No entanto, assim como com o menino que se acidentou, fazíamos todo o possível para prolongar a vida do paciente, adotando tratamentos tóxicos e, por vezes, dolorosos até o último minuto, na melhor das hipóteses ganhando apenas mais algumas semanas ou meses de vida.
Uma simples medida preventiva (não fumar) salvou mais vidas do que qualquer intervenção que a medicina tenha concebido para os estágios avançados da doença
O problema não é que não estejamos tentando. A medicina moderna dedicou esforços e recursos inacreditáveis para cada uma dessas doenças. Mas nosso progresso não tem sido propriamente espetacular, com exceção, talvez, das doenças cardiovasculares, cujas taxas de mortalidade foram reduzidas em dois terços no mundo industrializado em cerca de sessenta anos (embora ainda haja mais a ser feito, como veremos). As taxas de mortalidade por câncer, por outro lado, quase não se alteraram nos mais de cinquenta anos desde que foi declarada a guerra contra a doença, apesar do investimento em pesquisas na ordem das centenas de bilhões de dólares em gastos públicos e privados. A diabetes tipo 2 continua a representar uma grande crise de saúde pública e não dá sinais de retração; da mesma forma, o Alzheimer e outras doenças neurodegenerativas relacionadas assombram nossa crescente população idosa, praticamente sem tratamentos eficazes à vista.
Mas, em todos esses casos, nossa interferência se dá no momento errado, bem depois que a doença se assentou, e muitas vezes quando já é tarde demais — quando os ovos já estão caindo. Eu ficava arrasado toda vez que tinha que dizer a um paciente oncológico que ele tinha seis meses de vida, sabendo que a doença provavelmente havia se estabelecido em seu corpo muitos anos antes de ser diagnosticada. Perdemos muito tempo. Embora a prevalência de cada uma das doenças dos quatro cavaleiros aumente drasticamente com a idade, em geral elas começam muito antes do que somos capazes de perceber e demoram muito para matar. Mesmo quando alguém tem um ataque cardíaco e morre “de repente”, a doença provavelmente passou duas décadas se estabelecendo nas artérias coronarianas. A morte lenta é ainda mais lenta do que imaginamos.
A conclusão lógica é que precisamos intervir mais cedo para tentar deter os quatro cavaleiros — ou, melhor ainda, para evitá-los por completo. Nenhum tratamento contra o câncer de pulmão em estágio avançado reduziu a mortalidade tanto quanto a redução do tabagismo em todo o mundo nas últimas duas décadas, em parte graças à proibição generalizada. Uma simples medida preventiva (não fumar) salvou mais vidas do que qualquer intervenção que a medicina tenha concebido para os estágios avançados da doença. No entanto, a medicina convencional ainda insiste em esperar até o momento do diagnóstico para intervir.
- Outlive
- Peter Attia e Bill Gifford
- Intrínseca
- 480 páginas
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