Por que amamos as histórias da família real? — Gama Revista
Netflix/Divulgação

Por que histórias da realeza fazem tanto sucesso?

Na ocasião do relançamento no Brasil da trilogia Wolf Hall — best-seller que reconstrói momentos do mandato de Henrique VIII —, investigamos o fenômeno cultural das narrativas sobre monarquias

Mariana Payno 08 de Setembro de 2020

Três bilhões de pessoas corresponde a mais de um terço da população mundial — e também ao número estimado de espectadores que acompanharam, em telas e fuso-horários dos quatro cantos do planeta, o casamento de Meghan Markle e Príncipe Harry, em maio de 2018. O evento superou a até então histórica audiência da união de William, irmão de Harry, e Kate Middleton, que sete anos antes atraiu dois bilhões de olhares curiosos. A obsessão atravessa décadas, já que os pais dos dois príncipes, Diana e Charles, também se casaram sob muitos holofotes em 1981.

Não são apenas as grandes celebrações, porém, que alimentam o interesse do público pela família real britânica (e outras monarquias): filmes, séries e livros, totalmente ficcionais ou baseados na realidade, retratam incansavelmente esse universo sob diversos ângulos, angariando milhões de fãs pelo mundo. Afinal, por que as narrativas sobre a realeza são tão amadas?

Para começar, talvez porque as histórias de poder sejam hipnotizantes. “Gostamos disso porque, em geral, as monarquias vão ter sempre um pano de fundo histórico no qual poucos indivíduos estão ligados ao destino de todas as coisas e definem rumos grandes”, avalia Andre Conti, editor das novas versões brasileiras da célebre trilogia Wolf Hall. A série de romances históricos da escritora britânica Hilary Mantel, publicada originalmente entre 2009 e 2020, reconstrói momentos do reinado de Henrique VIII a partir de uma espécie de biografia de seu braço direito, um figurão meio obscuro — à la Mindinho, de “Game of Thrones” (2011-2019) — chamado Thomas Cromwell.

As monarquias vão ter sempre um pano de fundo histórico no qual poucos indivíduos estão ligados ao destino de todas as coisas

Reeditados pela Todavia, o primeiro volume sai nesta semana, e o segundo, em novembro; seguidos pelo terceiro (inédito no Brasil), que deve chegar em março do ano que vem. Sucesso mundial de público e crítica — coisa rara vencer os principais prêmios literários e vender centenas de milhares de cópias simultaneamente, diga-se de passagem —, a obra de Mantel aborda justamente o período de uma tensa queda de braço entre a Igreja Católica e a monarquia inglesa no século 16. Ou seja, é uma baita história de poder.

O fato de ser protagonizada pela dinastia Tudor (à qual pertencia Henrique VIII) confere à narrativa ainda mais apelo. “Eles são uma linhagem muito particular que durou muito pouco, com apenas três gerações no poder; ao mesmo tempo, você sente efeitos dessa família até hoje em questões políticas, religiosas, artísticas”, diz Conti.

Acrescente a esse contexto uma boa dose de extravagâncias sexuais do monarca e, voilá, a receita de um enredo envolvente salta das páginas dos livros de história — coisa que Mantel soube aproveitar bem nos seus romances. “Ela seleciona a figura curiosa do Cromwell e parte dele para recriar aquele mundo. Isso vai dando um efeito de muita intimidade. Não é um livro histórico careta, é muito vivo”, observa o editor.

Contos de fada

Não à toa, a obra da escritora britânica foi adaptada para as telas, na esteira do sucesso de outra grande produção sobre o mesmo período — a icônica série “The Tudors” (2007-2010), que seduziu espectadores e críticos no fim da década de 2000.

Mas não só essa dinastia da família real britânica conquistou espaço no cinema e na TV: “The Crown” (2016), assistida até então por 73 milhões de famílias no mundo, conta a trajetória da contemporânea rainha Elizabeth II; “O Discurso do Rei” (2010), vencedor do Oscar de Melhor Filme e outras três estatuetas, retrata seu pai Jorge VI; e “WE: O Romance do Século”, dirigido por ninguém menos que Madonna, é baseado no romance do irmão dele, Edward VIII, com a americana Wallis Simpson. Recentemente, a Netflix anunciou que vai transmitir o musical “Diana”, sobre a vida da nora de Elizabeth II, antes mesmo da estreia nos palcos da Broadway.

As histórias da realeza são aquelas que ouvimos desde crianças

Os monarcas do Reino Unido parecem ocupar mais espaço no coração dos plebeus mundo afora do que outros reis e rainhas. Especialistas ouvidos pela BBC explicam esse fenômeno tanto pelo tamanho e pela influência do Império Britânico (olha aí a boa e velha questão de poder) quanto pela estratégia de marketing desenvolvida pela família, principalmente depois que Lady Di se consagrou como “princesa do povo” na década de 1980.

Um fator crucial para despertar nosso amor pelos palácios, porém, é a magia que envolve todos eles, seja dentro ou fora da Grã-Bretanha. “São as histórias que ouvimos desde crianças”, afirma Andre Conti. Como cenários de contos de fada da vida real, então, outros reinos figuram no imaginário popular e atraem as atenções — seja pelos grandes eventos, como os casamentos, seja pelas narrativas históricas ou ficcionais, baseadas nesse universo.

Basta lembrar, por exemplo, da aposta bem sucedida da plataforma de streaming Hulu com a megaprodução “The Great” (2020), série sobre a imperatriz russa Catarina, a Grande, protagonizada por Elle Fanning; das centenas de milhares de cópias vendidas de “1808” (Globo Livros, 2014) e “1822” (Globo Livros, 2015), livros do jornalista Laurentino Gomes sobre a vinda da corte portuguesa para o Brasil; ou da união da atriz americana Grace Kelly com o príncipe de Mônaco Rainer III, transmitido para 30 milhões de pessoas em 1956 — e com um vestido desejado por muitas noivas até hoje.

“O interesse [pelas diferentes monarquias] é o mesmo, até porque fica muito claro que eles eram todos primos. O Henrique VIII era primo do rei da França, que era primo do imperador do Sacro Império Romano-Germânico e por aí vai”, observa Conti. “Existe um diálogo muito evidente entre todas as figuras.” Como que retroalimentadas por si mesmas, as narrativas de realeza parecem ser fonte inesgotável de inspiração para o entretenimento — afinal, das princesas da Disney às batalhas sangrentas de “Game of Thrones”, passando pelas inúmeras adaptações da trajetória histórica de reis e rainhas para as telas e livros, estamos sempre à espreita de um final feliz ou de uma boa briga pelo poder.

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