Afrofuturismo e protagonismo negro
Em mais um 13 de maio marcado pelo conservadorismo que vê a abolição como dádiva das elites, movimento afrofuturista aborda o protagonismo negro
Para setores do movimento negro, ter a data da Lei Áurea, 13 de maio de 1888, como marco do fim da escravidão no Brasil é desconsiderar desde a luta nos quilombos do século 16, representada na figura de Zumbi dos Palmares, até a pressão fundamental dos abolicionistas negros do século 19 – José do Patrocínio, Luiz Gama, André Rebouças – para que o governo imperial extinguisse o sistema escravista de vez no Brasil. É sobre protagonismo negro e ainda não está tudo bem.
Enquanto grupos conservadores idolatram o levantar de pena da Princesa, enfatizando o direito à liberdade do povo negro como doação ou dádiva proposta pelas elites coloniais, atores negros reivindicam seus lugares de protagonistas da história do Brasil, por meio das manifestações artísticas, musicais, literárias, cinematográficas, televisivas, fantásticas, afrofuturísticas.
“São pessoas negras usando elementos de tecnologia, do fantástico, para refletir sobre a própria experiência e pensar em futuros possíveis em que a gente não seja necessariamente afetado por uma estrutura racista”, disse ao Nexo Stephanie Borges, tradutora e poeta, em 2020, sobre o afrofuturismo.
Cunhado em 1994 por Mark Dery, escritor norte-americano pioneiro na cibercultura, o afrofuturismo surgiu da inquietação do crítico literário ao conversar com três artistas e intelectuais negros – Greg Tate, Tricia Rose e Samuel R. Delany – e perceber a ausência de escritores afro-americanos na ficção científica. Nascido com o fim de descrever as criações ficcionais que inventam outros futuros para as populações negras na literatura, o termo se expandiu e acabou atingindo diferentes campos da produção artística.
Gama selecionou algumas dicas para conhecer o movimento.
-
Ô abre-alas pro afrofuturismo passar!
No Carnaval 2022, temas relacionados à celebração da cultura negra e à luta antirracista foram destaque entre as escolas de samba do Rio de Janeiro. A Paraíso do Tuiuti, que inaugurou a avenida com o enredo Ka ríba tí ye – Que Nossos Caminhos Se Abram, trouxe a história de resistência e sabedoria do povo preto, fazendo um paralelo entre grandes personalidades e os orixás do candomblé.
-
Afrofuturismo brasileiro ganha asas
A multiartista, curadora e cientista de Afrofuturalidades mineira Zaika dos Santos é um dos nomes mais falados quando o assunto é afrofuturismo no Brasil. Em março, Zaika levou sua obra para a mostra The Black Angel of History, com curadoria de Reynaldo Anderson, no Carnegie Hall, em Nova York. Em artigo recente para a Revista Amarello, ela falou sobre o tema e a Semana de Arte Moderna Negra de 22.
-
Outra ótica literária
“A mescla entre mitologias e tradições africanas com narrativas de fantasia e ficção científica, com o necessário protagonismo de personagens e autores negras e negros”, é como o escritor Fábio Kabral define o afrofuturismo. O autor carioca tem diversos livros lançados sobre o tema, como O Caçador Cibernético da Rua 13 (Editora Malê, 2017), disponível também em formato de audiolivro.
-
À frente das telas
Se o tema é sci-fi, não poderiam faltar produções cinematográficas, como o longa Pantera Negra, de 2018. No final do último ano, entretanto, a crítica e pesquisadora do afrofuturismo, Kenia Freitas, foi curadora da mostra online de curtas “Afrofuturismo: Diásporas e Fronteiras”, reunindo uma série de títulos sobre o assunto. Entre eles, estão o francês Fouyé Zétwal, que está no Vimeo, e o brasileiro Chico, dos irmãos Marcos e Eduardo Carvalho, também disponível online.
-
Ícone pop atemporal
Modelo, cantora, atriz e performer, a jamaicana Grace Jones integrou a cena disco da Nova York da década de 1970, quando foi referenciada como diva gay, e chegou a atuar em filmes como Conan – O Destruidor em 1980, época em que se tornou ícone pop e influenciou artistas com sua estética única. Por manter uma imagem que representa diferentes tempos e gêneros, tornou-se referência do afrofuturismo.
-
Afrofuturismo no mainstream
Na música, as referências ao afrofuturo atravessam fronteiras e décadas. Em 1950, o precursor, o jazzista Sun Ra, criou uma visão artística de que os negros não pertenciam a esse planeta – remetendo à diáspora e ao “planeta África”. Em 1970, o pioneiro do funk americano, George Clinton, trouxe a fusão do gênero com a mitologia da ficção científica. Mais recentemente, há produções como os álbuns Afrofuturista (2015), de Ellen Oléria, e Dirty Computer (2018), de Janelle Monáe, e o filme musical/álbum visual Black is King, de Beyoncé (2020).