Coluna do Observatório da Branquitude: "A esperança maior é o espelho se quebrar" — Gama Revista
COLUNA

Observatório da Branquitude

A esperança maior é o espelho se quebrar

Estreando na Gama, o Observatório da Branquitude trata do papel da instituição ao pesquisar o lugar de privilégio racial do branco-narciso, que acha feio tudo aquilo que não é seu reflexo

15 de Março de 2023

Dos contos de fadas dos irmãos Grimm aos belos sambas de João Nogueira, a ideia de um espelho que nos faz encarar realidades por vezes incômodas parece presente no imaginário das gerações. Se o espelho da bruxa revela que sim, há uma outra mais bonita vivendo na floresta, o espelho do poeta abraça de nostalgia um passado suburbano carioca duro e feliz.

Porém, esse espelho revelador de verdades inquestionáveis também pode esconder outras tantas visões, além de distorcer aquilo que se vê. Os estudos sobre as relações raciais no Brasil apresentam um viés histórico curioso. Embora a palavra “relação” pressuponha ao menos dois lados, toda tradição de debates isenta de escrutínio o sujeito branco, que por sua vez se dedicou a estudar as outras raças. Ora, se ao branco coube a narrativa sobre negros e indígenas, o que enxerga ele ao ter sua imagem refletida?

Branquitude é o lugar de privilégios raciais que se construiu historicamente como o mais elevado da hierarquia racial

Não posso responder a essa pergunta sem antes explicar que branquitude é o lugar de privilégios raciais que se construiu historicamente como o mais elevado da hierarquia racial, com o poder de classificar o outro, atribuir racialidade e subjetividade estigmatizante a quem considera não branco. Essa localização só se torna possível pois o branco se coloca como sujeito universal onde os outros, veja bem, são os outros.

Nesse sentido, ao se olhar no espelho ele é um drácula, pois olha e não se vê. Não é capaz de encarar a própria imagem refletida, pois se emerge como universal cabendo aos não brancos a especificidade, o exotismo. Porém, ao atribuir a si mesmo a universalidade do imaginário, da política, da estética e das visões de mundo, o branco se apaixona por si mesmo, é um branco-narciso que acha feio tudo aquilo que não é seu espelho.

Ao atribuir a si a universalidade do imaginário, da política, da estética e das visões de mundo, o branco se apaixona por si mesmo

Essas imagens do branco-drácula e do branco-narciso tomadas emprestadas do pesquisador Lourenço Cardoso são aquelas que essa coluna nasceu para questionar. Não é mais possível analisar os fenômenos sociorraciais brasileiros sem implicar o branco e suas estruturas de privilégios fincadas no racismo, com raízes históricas na escravização, mas reificadas diuturnamente.

Aos brancos, cabe entender que só é possível ser um aliado antirracista se, ao menos, conseguir se ver de forma implicada na estrutura racista que edifica as desigualdades do Brasil. Um exercício de desapaixonamento e de se enxergar como mais um no universo das diversidades fará muito bem a uma caminhada para uma sociedade mais justa.

Portanto, nascemos para oferecer ao Brasil um novo repertório de análises de suas questões mais profundas. Centralizar a branquitude como objeto de estudo significa não apenas delimitar um campo de ação, mas fazer uma contundente declaração de que o poder branco econômico, jurídico, político e cultural não poderá mais dormir em paz. Estará em constante observação e questionamento.

O Observatório da Branquitude é uma iniciativa da sociedade civil fundada em 2022 e dedicada a produzir conhecimento e incidência estratégica com foco na branquitude, em suas estruturas de poder materiais e simbólicas, alicerces em que as desigualdades raciais se apoiam.

Teremos um encontro mensal aqui na Gama para quebrar os espelhos enviesados da branquitude.

Thales Vieira é sociólogo (PUC-Rio) e mestre em antropologia (UFF). Atuou no poder público, em organismos internacionais e em fundações. Pai da Naíma, Nina e Maya, é fundador e diretor executivo do Observatório da Branquitude.

Observatório da Branquitude é uma organização da sociedade civil fundada em 2022 e dedicada a produzir e disseminar conhecimento e incidência estratégica com foco na branquitude, em suas estruturas de poder materiais e simbólicas, alicerces em que as desigualdades raciais se apoiam.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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