Coluna da Letrux: Gênio ou herói? — Gama Revista
COLUNA

Letrux

Gênio ou herói?

Queria ser gênia, por muito tempo tentei ser, depois aceitei que sou heroína, e que alívio também se tornar quem a gente é

09 de Fevereiro de 2022

Dei para dividir o mundo em gênios e heróis. Gênias e heroínas. Estou um pouco na contramão do fim do binarismo, peço perdão aos avanços, mas para mim esse exercício é importante porque tenho mania de relativizar tudo. Titi, meu parceiro, já sofreu muito com isso. Para tudo, havia uma explicação, um perdão, uma justificativa, muito encalacro também. E ele “Letícia, às vezes dois e dois são 4, aceita”. Ouch. Não lembro quando começou essa brincadeira, mas dei para.

Gilberto Gil é gênio. Caetano é herói. Gal, gênia. Bethânia, heroína. Lennon, totalmente herói. McCartney totalmente gênio. Acompanhou o raciocínio por esses totens? Parece chato e com poucas complexidades, mas não. Há muitas. Conto para as pessoas, e as pessoas questionam “Ah não, mas o Caetano também é gênio, blablá”. Mas aí é que tá: não é que não haja heroísmo na genialidade, nem vice-versa. Yin Yang purinho. Mas em algum momento você precisa escolher, encaixar. E essas são as lacunas. Esse é o precipício. Tem que soltar, tem que largar, tem que colocar na gaveta. “Ah que chato, blablá.” Também já estive aí, mas é um exercício. Tenho Marte em libra, portanto mesmo tendo um signo decidido como capricórnio, de vez em quando fico numa lama movediça que não me permite bater no peito mais forte e gritar “Eu sou o Ilê”.

Um pouco na contramão do fim do binarismo, peço perdão aos avanços, mas esse exercício é importante porque tenho mania de relativizar tudo

Me sinto mais pra heroína do que gênia. E gosto de me relacionar com gente genial. A Lei de Coulomb diz que: “A força entre dois corpos será atrativa se os mesmos tiverem cargas opostas, e será repulsiva se eles possuírem carga de mesmo sinal”. É sobre paixão, mas também é sobre física. Num outro binarismo já é possível se atrair pela sua família: caninos e felinos. Andre Dahmer me ensinou a dividir o mundo assim e também nunca mais parei. Olho para as pessoas na rua e penso “Felina! Canino”. Eu sou canina (é uma coisa física, mas também é uma coisa anímica, repara só) mas nesse caso não significa que vou me atrair por gente felina. Até posso, claro. Quem nunca? Risos! Mas algo sobre o mundo animal, nos permite ficar em bando. Já na questão psicológica, sinto que precisamos do oposto. Gênios e heróis.

Outro dia achei um imã, dois pedaços, meu sobrinho caçula e eu ficamos brincando de chegar bem perto mas não deixar as partes encostarem. A gente morria de rir porque a gente sentia a atração, a força, a mão ficava trêmula, mas a gente não deixava até que de repente não aguentávamos e PLAU, as partes colavam. Quantas vezes na vida não resisti a uma força oposta, só que de repente PLAU, estava colada? Tentar a gente tenta, conseguir nem sempre.

Dei exemplos clássicos, mas a categoria também serve para pai e mãe. Quem é da genialidade e quem é do heroísmo? Levo essa questão para todo mundo. Avô, avó, amizades, ex-pessoas, do amor, do trabalho. E antes que me julguem de binaristinha de merda, explico que não há predileção, e que isso é um jogo. Um dia uma pessoa jurou que eu era felina, fiquei lisonjeada porque acho minha cara super canina. Voltei pra casa e fiquei bons minutos me olhando no espelho, risos patéticos. Também há dias que Thiago é herói e que me baixa uma genialidade, sabem as Deusas de onde. O jogo não é fechado, eternizado. É sobre arquétipos, e eu carrego esse desejo de “executar ações excepcionais, com coragem e bravura, com o intuito de solucionar situações críticas, tendo como base princípios morais e éticos”. Obrigada, Google, é bem por aí.

E você, inclina-se para qual categoria? Gênio ou herói? Essa é pra pensar. Canina ou felina? Essa é pra brincar

Desde criança sou hipnotizada no símbolo do Yin-yang, aquela bola meio preta, meio branca, mas na parte branca há uma bolinha preta e na parte preta há uma bolinha branca. Sempre desenhava isso no caderno, nem sabia que era uma filosofia chinesa, de energias opostas e complementares. Mas já devia interpretar alguma coisa de tão fascinada que eu era pelo símbolo. Respeito toda subjetividade e complexidade, as gavetas são espaços limitantes, mas esse jogo me ensina a me ver e a enxergar as outras pessoas. Que depois venham todas as camadas, e subjetividades, e elas sempre aparecem. Mas pra começar, os arquétipos ajudam. Há enganos? Há, sem dúvida. Mas é gostoso adivinhar, receber sinais, perceber atitudes e escolher uma categoria de encaixe. Não achava que o jogo servia para muita coisa, era uma bobagem a se pensar em qualquer lugar. O garçom chegava cheio de genialidade e o gerente cheio de heroísmo. Canino e felino. Bobagens que lotam minha cabeça.

Mas de repente comecei a refletir mais sobre os arquétipos. E também sobre a física. E também sobre amor. Há casos de pólos extremos tão extremos que a impossibilidade de diálogo é real. A atração pode existir, mas apenas no campo magnético, mas é isso que se quer da vida? Corpos que trombam? Se colam? Só isso? Se fosse possível passar 24 horas, sete dias da semana, de corpo colado, ok. Mas o capitalismo todo dia nos dá bom dia, cospe na nossa cara, e não, não é possível ter uma semana animalesca. Queria ser gênia, por muito tempo tentei ser, depois aceitei que sou heroína, e que alívio também se tornar quem a gente é. E você, inclina-se para qual categoria? Gênio ou herói? Essa é pra pensar. Canina ou felina? Essa é pra brincar.

Letrux é atriz, escritora, cantora, compositora e uma força da natureza cujo trabalho é marcado por drama, humor e ousadia. Entre seus trabalhos estão o álbum “Letrux em Noite de Climão” e o livro “Zaralha”

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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