Para dormir melhor se preocupe menos com o seu sono — Gama Revista

Saúde

Para dormir melhor, deixe seu sono em paz

©Unsplash

Cada vez mais novas tecnologias medem a qualidade do sono. Mas, para muita gente, elas podem ter o efeito contrário

Willian Vieira 17 de Abril de 2020

Foi-se o tempo em que o sono era um insondável mistério. Hoje, há um leque de opções para conhecer os meandros de uma noite mal dormida, de apps que medem os sons e movimentos do corpo a dispositivos colocados na cabeceira da cama que monitoram a respiração com ondas de rádio e sonar. Quem compra uma pulseira para contar calorias ao correr já ganha de brinde um medidor de qualidade do sono baseado nos batimentos cardíacos; o mesmo se dá com os relógios inteligentes, como o Apple Watch. Com tanta tecnologia à disposição, fica fácil aprender a dormir melhor, certo?

Pois especialistas do sono têm apontado para a direção contrária. Um estudo publicado no “Journal of Clinical Sleep Medicine” mostrou que alguns pacientes gastam tanto tempo na cama tentando melhorar os dados sobre seu sono, oferecidos por tais aparelhos em tempo real e em cálculos diários, que acabam mais insones.

Gastamos tanto tempo na cama tentando melhorar os dados sobre o nosso sono que acabamos mais insones

Tal obsessão pelo sono perfeito ganhou até nome: ortosônia, termo criado por pesquisadores americanos em 2017 na esteira de outros vocábulos que traduzem o comportamento obsessivo da atualidade. Afinal, tentamos controlar todas as etapas da vida cotidiana, cada vez mais inundada pela tecnologia farta e pela promessa de que é possível, sozinhos, com ajuda de uma maquininha e um pouco de Dr. Google, resolver qualquer problema que nos aflige.

Da mesma forma que a ortorexia, preocupação exagerada com a forma de comer que causa distúrbios alimentares, ou a vigorexia, vício em exercícios que leva as pessoas a se machucar nas academias e sonhar com um corpo simplesmente impossível, a ortosônia exemplifica a atual (e paradoxal) relação entre tecnologia e qualidade de vida. Mas os médicos alertam: confiar numa invenção para decidir sobre como se deve dormir é uma ilusão.

Obsessão com o sono e excesso de dados

Primeiro, os dados colhidos nem sempre são precisos – o grau de acurácia é de 70% ou menos. Segundo, mesmo que os números reflitam exatamente o funcionamento corporal, o simples fato de ficar acompanhando dados num celular, com uma tela azul em frente aos olhos, buscando um ideal do que uma boa noite de sono deveria ser, pode gerar mais ansiedade, algo desnecessário a quem já tem problemas para dormir.

Com os gadgets e aplicativos surge uma forma concreta de monitorar o sono – e, logo, de definir metas e sofrer para atingi-las. A quantidade de dados disponíveis (que só tende a aumentar com o avanço das tecnologias) transforma o sono em uma tarefa friamente quantificável: a consequência é que pessoas suscetíveis (ou naturalmente obsessivas) podem ver o sono como mais uma parte da vida em que têm de se sobressair. O resultado: mais estresse, mais ansiedade e pior sono.

Dentre os relatos colhidos pelo estudo está o de uma mulher que chegou ao consultório reclamando que dormia “apenas 60% do que devia”, de acordo com seu tracker de sono. Ela conseguiu medicação, fez testes de apneia e se submeteu a uma noite no laboratório – na qual dormiu a noite toda, um sono pesado. Ao ouvir o diagnóstico (de que seu sono ia bem, obrigado), respondeu: “Então por que meu Fitbit diz que estou dormindo mal?”

O que fazer para dormir melhor?

A insônia afeta até 45% da população mundial. Só no Brasil há 73 milhões de pessoas com dificuldade para dormir, de acordo com a Associação Brasileira do Sono (Absono). E é um mal sério, ligado ao aumento de mortes prematuras, infarto, hipertensão, depressão e ansiedade. O que fazer, então? Parece que voltar à moda antiga.

Para Hawley Montgomery-Downs, professora de psicologia da Universidade de West Virginia (Estados Unidos) que pesquisou o impacto dos medidores de sono, a melhor forma de descobrir se estamos dormindo bem é confiar no que o corpo nos diz. O ideal é aproveitar uma semana de férias, quando podemos acordar sem despertador, para entender a melhor hora de acordar e dormir e quanto.

Não é preciso monitorar o sono num relógio ou celular: a higiene do sono preconiza dormir no mesmo horário todo dia, por um número mínimo de horas e sem estímulos externos – como barulho e luzes. O senso comum diz que todos devem dormir ao menos oito horas por dia, mas a Absono é clara em sua cartilha: sejam seis horas ou dez, “o importante é que cada um conheça seu organismo e respeite as suas necessidades.”

“Como fazemos com as atividades produtivas do dia, queremos, cada vez mais, medir e controlar o sono”, diz a psicóloga Silvia Conway, diretora da Absono. “Quando achamos que conseguimos dormir o ‘ideal’, ficamos felizes; quando não, entramos em desespero, sentimos culpa, como se fôssemos incompetentes, o que gera um ciclo de frustração”. E mesurar o sono, como uma performance a mais na vida, só atrapalha.

“Tem paciente que chega no consultório assustados porque só dorme cinco horas por dia”, diz a psicóloga. “Mas ele se sente bem, descansado, então qual o problema? Só porque não é da forma que ele lê nas revistas, que as pessoas falam que dormem?” Cada um, afinal, dorme a seu jeito.

Assim, sai a cultura do controle e entra o “mindfullness”. Entender o que traz a insônia e praticar o que ajuda: transformar o quarto num lugar sossegado usado apenas para dormir (o approach minimalista tem ganhado cada vez mais adeptos), por exemplo. Outras dicas são evitar comer muito antes de ir para a cama; calibrar a temperatura do quarto; e criar pequenos rituais, como tomar uma infusão, ler um livro (mas nada muito excitante) e até listar coisas para fazer no dia seguinte. Nada de telas, nada de equipamentos, nada de tentar controlar o sono.

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