Maria Ribeiro -- Setembro amarelo — Gama Revista
COLUNA

Maria Ribeiro

Setembro amarelo

Faço análise há 25 anos e creio em Freud como na penicilina, mas sou igualmente a favor da naturalização do tema. Essa é a minha fita amarela

20 de Setembro de 2021

Eu mudaria a cor. Que setembro já tem muito amarelo por causa da independência.

Independência… essa palavra fake news avant garde. Que eu dependo até da terceira temporada de Succession (vem, outubro!). Mas isso não vem ao caso. Alguém decidiu que essa era a cor do mês e aceitação é praticamente o carnaval da maturidade – olha o Ilê aí.

Acho que já nasci com angústia. Sem entender exatamente o porquê de viver sem entender, ou de, no mínimo, achar estranho a gente só ir fazendo as coisas e pronto, tipo decorar o texto que outra pessoa escreveu. Nascer, morrer, casar, separar, ter filho, ganhar dinheiro, ter coisas, aprender números racionais, decorar ângulos adjacentes, ficar doente, não ter coisas. E tudo isso assim, como se fosse normal, sem ninguém organizar nenhuma manifestaçãozinha que seja, nem uma hashtag como #PorQueQueExisteTudoENaoNadaPeloAmorDeCristoRei?

Tudo bem que às vezes vem uma música nova do Caetano ou um podcast do Mano Brown e você fala: óbvio, tá tudo certo, é isso, o mundo é bom, Deus existe, a praça Buenos Aires também, o Spike Jonze, não tem absolutamente nada fora do lugar. Nada: nem o amor, nem os prédios espelhados de Pinheiros, nem aquele microondas na cozinha do seu melhor amigo. A vida é mesmo um grande Lego perfeito e sentido é um troco que já vem na placenta, certo?

Setembro amarelo é pra falar de angústia, não pertencimento, depressão. Em tese, é um mês de prevenção ao suicídio

Errado, Watsons. A batalha naval é noventa por cento água. Até o Chico Buarque casou de novo. De modo que, a não ser que você viva à base de MDs ou de sinapses desinteressantes, o natural, se você tem o selo de humanidade da Anvisa, é pelo menos um desconforto no Natal ou a cada “troca de pele”, digamos assim. Que devem ser várias, devo avisar. No mínimo uma por década.

Setembro amarelo é pra isso. Pra falar de angústia, não pertencimento, depressão, de desinstagram (pode inventar palavras, Gama?). Em tese, é um mês de prevenção ao suicídio. Porque em 1994 um garoto americano de 17 anos chamado Mike Emme tirou a própria vida em um Mustang amarelo e seus pais e amigos distribuíram fitas da mesma cor com mensagens de apoio a quem estivesse passando por dores parecidas. Achei bonito saber disso.

Porque quando não conseguia dormir na casa das colegas da escola, aos 8, achava que só eu passava por isso. E na época que me faltava o ar, aos 16, quando minha mãe casou com meu padrasto e deixei a casa da infância pra trás, a mesma coisa. Solidão absoluta.

Fui procurar ajuda aos 20, quando passei a ter crises de ansiedade que me impediam de pegar avião ou de frequentar elevadores e, de lá pra cá, nunca mais deixei de cuidar da minha sanidade.

Faço análise há 25 anos e creio em Freud como na penicilina, mas sou igualmente a favor da naturalização do tema. Essa é a minha fita amarela. Pra quem quiser, deixo ela aqui. Com a chegada da primavera, acho que dá uma boa dupla.

PS: Nunca tive depressão, não sou bipolar e nem possuo transtornos psíquicos graves. Me considero uma neurótica clássica, portanto, talvez não tenha o “lugar de fala” ideal pra tratar do assunto. Mas como o tema me é caro, e creio no lance da aldeia do Tolstói, deixo aqui meu modesto carimbo. Não é o maior e nem o mais dramático, mas é meu.

Que venham outros.

Maria Ribeiro é atriz, mas também escreve livros e dirige documentários, além de falar muito do Domingos Oliveira. Entre seus trabalhos, destacam-se os filmes "Como Nossos Pais" (2017) e "Tropa de Elite" (2007), a peça "Pós-F" (2020), e o programa "Saia Justa" (2013-2016)

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões da Gama.

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