O corpo nunca foi o meu forte. Extremamente desajeitada, na infância era sempre a última a ser escolhida para qualquer time e durante quase três décadas fracassei ao tentar emplacar uma atividade física extracurricular na minha agenda. Foram muitas as tentativas: aulas de natação, de tênis, de ballet, de sapateado. Anos de academia paga e não frequentada. Até que aos 30, já sentindo o peso da gravidade no corpo, encontrei o pilates, quase uma reflexão acadêmica sobre os músculos. Mas nosso namoro também chegou ao fim quando tive meu primeiro filho. E eis que quatro anos depois, outro bebê no colo e muito mais flacidez nas coxas, fui desafiada a testar uma aula de pole dance.
Cheguei cinco minutos antes da hora marcada ao Stúdio Metrópole, escola localizada na região central de São Paulo, que vende aulas online. Comprei a aula experimental do nível 1, o que foi uma ousadia porque existe um nível zero, introdutório, que ensina “caminhadas, piruetas e tipos básicos de pegada e de trava”. Sim, trava, seja lá o que isso quer dizer. A atendente jurou que eu poderia pular essa casa no tabuleiro e fazer a aula onde conheceria “pequenas coreografias, movimentos isolados, diversas técnicas de fortalecimento e as principais travas”. (Olha elas aqui de novo!)
No vestiário identificado pelo símbolo da mulher maravilha, vesti um short de lycra, um top, tirei os sapatos, meias, mas mantive a camiseta por pudor da minha barriga que ainda ecoava a gravidez. Ao entrar na sala, me dei conta de que todas as alunas, seis no total, eram meninas grandes. Fiquei intrigada e aliviada ao perceber que estava no espectro diametralmente oposto ao das minhas tentativas frustradas de ballet na vida adulta. Se antes as minhas colegas pareciam saídas de alguma semana de moda, agora aqueles corpos arredondados me davam uma nova perspectiva, um incentivo. De dentro do meu corpo puérpero, enchi-me de ânimo e otimismo, agora vai.
Segurei a barra com os dois braços e me agarrei a ela com as pernas. Um segundo depois, ali suspensa, tive a certeza de que morreria. Não, eu já estava morta
A professora iniciou a primeira demonstração: postou-se em frente à barra, que segurou alto com as duas mãos. Pisquei e ela estava pendurada, girando, fazendo movimentos ondulantes com o braço, empinando bunda e peitos e quebrando a cintura para o lado. Suspirei e pensei: lá vai.
Chegou a minha vez. Segurei a barra com os dois braços e me agarrei a ela com as pernas. Um segundo depois, ali suspensa, tive a certeza de que morreria. Não, eu já estava morta. Tudo doía, eu não tinha forças, desabei pesadamente. Olhei para a porta. Seria muito feio sair? Minhas colegas faziam o exercício sem mudar a expressão do rosto. Elas repetiram o exercício nove vezes. No-ve-ve-zes. No ar, suportando o peso de seus corpos com os braços e o poder de suas coxas que agarravam a barra. Já eu fiquei suspensa pelo segundo mais eterno da minha vida e desabei com a graça de uma fruta que passou do tempo. Quis rir, quis chorar, e desajeitadamente concluí minhas repetições cheia de humilhação.
Era hora de girar. Ai-meu-Deus, será que essa barra quebra? Como eu me sinto ralada por uma barra lisa? A fricção chega a níveis inimagináveis. De novo, minha graça era nula, enquanto as outras alunas rodopiavam com segurança, e decoravam a coreografia na velocidade da luz.
Finalmente chegou a parte do chão, em que faríamos uma versão sensual da cobra da Yoga, com mais bunda, mais peito, tudo empinado. E, neste contexto, a loucura toda é que a aula é seríssima, ninguém sorri, estão todas concentradas, com suas roupas minúsculas, biquinis de babados, shortinhos É o Tchan, hot pants, bodies. (Eu, obviamente, errei também no figurino, de bermuda ciclista. A professora chegou a recomendar que eu subisse o short, afinal precisava de pele até as virilhas para “grudar” na barra, fazer a tal trava.) Aqui eu também sofri: o que parecia uma coisa banal me deixou com os joelhos mais tristes da história, como maçãs que caíram da sacola no caminho de casa e quicaram muitas vezes antes de rolar para dentro de um bueiro.
Depois de estudar separadamente as seções da coreografia, era hora de juntar tudo. Poderíamos até gravar com o celular. Hesitei, mas quem sabe eu não me soltaria e sairia bem como uma dançarina do Bada Bing, a boate de strip tease da série “Sopranos”? Gravei e pensei que assistiria somente em casa, e que lá chegaria a uma conclusão. Mas a verdade é que durante a aula eu já havia entendido tudo muito rapidamente.
Nunca vi maior sessão de empoderamento que aquela aula de pole dance. Aquelas mulheres não só mostraram leveza e graça ou sua força física, mas eram absolutamente provocantes, cheias de sexo e poder. Elas eram puro fogo – e segurança.
Já eu, sem dúvidas, me senti uma protagonista. Mas em vez da dançarina exótica do Bada Bing, num retorno triunfal à sensualidade depois de parir o segundo bebê, o que descobri foi um talento digno de comédia pastelão.
*Esse texto foi produzido antes da pandemia
Isabelle Moreira Lima é jornalista especialista em vinhos, colunista e editora executiva da Gama. Depois de décadas de sedentarismo, teve um namoro forte com a corrida e agora ataca de iogue pandêmica