Michael Leviton fala sobre a importância de mentir e saber contar a verdade — Gama Revista
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Este homem foi ensinado a dizer sempre a verdade

Criado numa família que cultuava a honestidade absoluta, o escritor e músico americano Michael Leviton fala sobre a dificuldade de se adaptar a um mundo em que mentir é a regra

Leonardo Neiva 24 de Julho de 2022

Este homem foi ensinado a dizer sempre a verdade

Leonardo Neiva 24 de Julho de 2022
Arquivo pessoal

Criado numa família que cultuava a honestidade absoluta, o escritor e músico americano Michael Leviton fala sobre a dificuldade de se adaptar a um mundo em que mentir é a regra

Michael Leviton tinha apenas quatro anos quando descobriu a conspiração internacional do Papai Noel. Por vir de uma família judia, sequer sabia da existência do bom velhinho até estar frente a frente com ele, sentado em seu trono no saguão de um shopping center em Las Vegas. Quando foi depositado sobre os joelhos de Noel, em vez de desfiar tudo que gostaria de ganhar no próximo Natal, como as outras crianças faziam, Michael foi direto e sincero como sempre: “Eu sou judeu”. Depois de dar uma gostosa gargalhada, Noel segredou ao pé do ouvido do menino: “Eu também, garoto, eu também.”

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O evento inaugurou um período de grande aflição para o pequeno Michael. Isso porque a mãe, geralmente tão honesta, o proibiu de contar aos colegas que o Papai Noel na verdade não existia. “Eu morria de medo do dia em que iam descobrir a verdade”, confessa. “Achava que enlouqueceriam porque eu tinha mentido para elas.” Essa foi a primeira mentira da vida de Michael. Até os 30 anos de idade, ele só contaria mais duas.

Isso porque o garoto norte-americano nasceu e cresceu numa família onde a sinceridade estava acima de tudo mais, um ambiente que ele mesmo descreve como “nosso pequeno culto à honestidade”. Por isso, quando foi tomar sua primeira vacina, também aos quatro, os pais de Michael se recusaram a seguir o exemplo de outras famílias, que optaram por mentir sobre a dor que os filhos sentiriam com a picada da agulha.

“Meus pais me prepararam com muita antecedência para as tragédias inevitáveis da vida (morte, decepção, fracasso etc.). Aos quatro anos, já tinha ouvido sobre muitas coisas assustadoras, mas tinha me fixado particularmente nas vacinas”, conta no livro “To Be Honest” (Para Ser Honesto, sem tradução no Brasil), uma autobiografia sobre o que significa crescer num ambiente de absoluta honestidade.

Claro que a prática teve consequências importantes para a vida de Michael. Hoje com 42 anos, o cantor, compositor, tocador de ukulele, escritor e fotógrafo sempre teve dificuldade de se ajustar socialmente ou entender por que as outras pessoas mentiam. Nunca passava em entrevistas de emprego porque questionava as perguntas que os entrevistadores lhe faziam e julgava seu comportamento ao longo de toda a conversa. Também não fez grande sucesso em encontros amorosos, ocasiões nas quais tinha o costume de mencionar a ex-namorada, por quem ainda era apaixonado, falar sobre fetiches antes mesmo de os dois terem transado e se mostrar aberto até demais sobre sua situação financeira delicada (“Só senti que você deveria saber no que estava se metendo”, disse em determinada ocasião). Quando aquela que considerava o amor de sua vida o deixou devido à sua forma de agir, pouco antes de completar 30 anos, ele decidiu largar a honestidade exagerada que até então tinha tomado para si e passar a mentir, ainda que bem pouco.

Hoje, Michael considera ter alcançado um equilíbrio. Não está totalmente cercado de amigos, mas encontrou pessoas que o entendem e aceitam. E começou a namorar novamente sem deixar de ser ele mesmo. “Conheci e passei a entender melhor o outro lado da moeda. Quando mais jovem, não conseguia compreender por que as pessoas mentiam. Com 20 anos, eu literalmente pedia para me explicarem por que contavam mentiras, mas ainda estava completamente despreparado para as respostas”, conta ele, que hoje também está à frente do podcast “The Tell”, em que seus convidados contam histórias reais e bizarras a cada novo episódio.

Numa entrevista bastante honesta a Gama, ele fala sobre a importância de mentir para manter boas relações sociais, sobre como é impossível ser totalmente honesto na política e o quanto verdades positivas demais podem ser até mais constrangedoras do que críticas.

  • G |Como foi crescer numa família em que você precisava ser honesto sobre tudo o tempo todo?

    Michael Leviton |

    Foi ótimo para mim, mas não tão bom para aqueles que interagiam comigo. É fácil aceitar verdades difíceis quando se é criança. Você se acostuma rápido com a ideia de que o mundo é cheio de perigos e é possível se ferir ou até morrer a qualquer momento. Não sei o que teria acontecido se tivesse sido enganado sobre essas coisas e só ficasse sabendo sobre elas mais velho, caso fosse pego de surpresa pela noção de que o mundo não era justo e eu não estava seguro. Sinto que teria sido muito mais doloroso do que ter sido preparado para isso desde os quatro anos. A casualidade dessas ideias era mais desagradável para outras pessoas, e continua a ser. Muitos adultos não se adaptam a essas verdades duras e ainda se chocam ao descobrir que alguém que amam pode ficar doente.

  • G |Quais são suas primeiras memórias sobre seus pais a respeito da honestidade?

    ML |

    A primeira memória que narro no livro é de quando tinha quatro anos e fui tomar vacina. Todas as outras crianças estavam nervosas, perguntando aos pais se iria doer, mas eles respondiam que não. Meus pais falavam do quanto era ridículo mentir para os filhos dessa maneira. Ao contrário dos outros, eles me disseram que ia doer, mas não por muito tempo. Enquanto todas as crianças saíram transtornadas, eu estava preparado. Sentia que podia confiar nos meus pais e não entendia por que alguém escolheria viver de outra forma. Parecia ao mesmo tempo uma coisa louca, estressante e frustrante. Era absurda a ideia de que alguns pais se negavam a admitir a dor que o filho ia sentir dentro de alguns minutos. Mas não sei se soa tão absurdo quanto me parece, porque o resto do mundo vive dessa maneira. Meus pais não falavam diretamente que isto ou aquilo era importante, mas a forma como conversávamos deixava claro o quanto mentir era absurdo, destrutivo e sem sentido, e que nada de bom viria daquilo. As outras pessoas nos pareciam muito frágeis e acovardadas.

  • G |Qual foi a primeira mentira que você contou na vida?

    ML |

    Minha primeira mentira foi não contar às outras crianças que o Papai Noel não existia. Quando tocavam no assunto, eu respondia que era judeu, portanto não tinha nada a ver com isso. Deixava pensarem que o Papai Noel existia, mas morria de medo do dia em que iam descobrir a verdade. Achava que enlouqueceriam porque eu tinha mentido para elas. E, como eu era sincero, teria que confessar. Mas, quando o dia chegou, elas não acreditaram que eu já sabia. Então não teve nenhum grande confronto, até porque foram enganadas de forma coletiva, e existe uma certa diversão nisso. Todos os meus colegas aceitaram que os pais mentiram para eles durante anos. Não entrava na minha cabeça que uma experiência assim podia ser reconfortante, e não constrangedora.

  • G |No livro, você diz que sua avó mentiu sobre o Papai Noel para que sua mãe pudesse se divertir quando criança. Você deixou de viver coisas como essas na infância?

    ML |

    Eu gostava de muitas outras coisas. Me divertia sendo capaz de me expressar livremente e contar histórias ridículas que aconteciam comigo, enquanto outras crianças teriam ficado ansiosas e envergonhadas. Mesmo quando as pessoas me tratavam mal, eu sabia que podia contar uma história engraçada sobre isso. É o tipo de diversão que muitas crianças não entenderiam. Claro que, quando me falam sobre como era bom acreditar no Papai Noel, não consigo me conectar com isso. Tenho certeza de que foi divertido, não acho que estejam mentindo. É só um tipo de diversão que nunca entendi e nunca vou entender. As pessoas não enxergam a mentira como uma coisa tão desagradável e dolorosa como eu. Para elas, existe todo tipo de mentira, inclusive as permitidas, que não magoam ninguém. Ouvi dizer que, se você conta uma mentira boa, não é pego pelo polígrafo. Se fala que alguém está bonito, é uma coisa tão positiva que não vai aparecer no detector, já que ele só identifica os níveis de ansiedade da pessoa. Então, quando você acha que não há problema em mentir, não conta. E isso também evita que as pessoas precisem revelar coisas sobre si mesmas ou descobrir informações sobre os outros que preferem não saber. Então diferentes tipos de desonestidade são vistos como ações positivas. É muito difícil para mim enxergar dessa forma.

  • G |Como sua visão sobre a honestidade foi mudando com o tempo?

    ML |

    Algumas coisas nunca mudaram. Toda vez que minto, me sinto horrível. Mas entendi por que as pessoas mentem e por que ser sincero é tão difícil. Passei a sentir empatia por isso e a perceber que era absurdo dizer a verdade para pessoas que não queriam ouvi-la ou pedir que fossem verdadeiras quando se sentiam desconfortáveis com isso. Espera-se que você tente dar às pessoas uma experiência positiva. Se ser honesto as deixa tristes, eu não deveria sê-lo. É como se existisse uma nuvem de desconforto em todo relacionamento, que precisa pairar sobre a cabeça de alguém. Quando eu era totalmente sincero, essa nuvem sempre ficava com a outra pessoa. Ela estava desconfortável enquanto eu me sentia ótimo. Quando minto ocasionalmente, a outra pessoa fica mais confortável e eu passo a carregar a nuvem. É a coisa mais gentil a fazer. Pessoas que vivem tentando antecipar os sentimentos e reações dos outros não se importam muito com o que é real, elas só procuram dar às pessoas uma boa experiência, tomando para si toda essa complexidade e desconforto. Há algo muito positivo nisso, então hoje sou bem menos honesto do que no passado. Quando alguém me trata mal ou faz algo que acho negativo, finjo que nada aconteceu para que ele se sinta melhor. Carrego o desconforto de saber que fizeram uma coisa que me incomodou e permito que as pessoas mantenham sua reputação intacta, algo que elas apreciam e até esperam de você.

  • G |As pessoas são hipócritas quando dizem que valorizam a honestidade acima de tudo?

    ML |

    Alguém que afirma ser muito sincero, a ponto de incomodar os outros, geralmente quer dizer que insulta as pessoas e que elas não conseguem arcar com a verdade. Minha família não gostava desse tipo de gente. Ficava claro que eram pessoas sinceras de maneira seletiva, porque só gostavam da parte ofensiva da honestidade. E isso não é tudo. Quando eu era jovem e alguém me dizia que estava sendo sincero depois de agredir alguém verbalmente, eu fazia perguntas bem íntimas, como qual a coisa mais dolorosa que já tinha acontecido com seus pais. A pessoa não sabia o que responder. Aí eu dizia: ‘Então você não gosta de sinceridade, mas de insultar as pessoas. Se não estiver disposto a chorar na minha frente e me contar sobre seus traumas, quão honesto você é?’ Com qual frequência você diz às pessoas que as ama? Se você só é sincero na hora de ofender, não dá para chamar de sinceridade, mas de sadismo. A honestidade é só uma desculpa. Na minha família, ser honesto também servia para dizer coisas positivas e se abrir sobre seus sentimentos. Fazer críticas era algo que só acontecia ocasionalmente. Boa parte da honestidade de que falo no livro tem a ver com deixar as pessoas desconfortáveis ao dizer o quanto as amo. A sinceridade positiva deixa as pessoas até mais desconfortáveis do que a negativa.

  • G |Você e sua irmã foram preparados para o fato de que algumas pessoas não iam gostar das coisas que diziam?

    ML |

    Quando criança, minha família me avisou que as pessoas não iam gostar de mim porque não gostam de honestidade. Que era algo que nós valorizávamos, mas os outros não. Mas meus pais também diziam que, ao ser honesto, você atrai aqueles que realmente o entenderão. Então o fato de que muita gente não vai gostar de você não é necessariamente ruim. Você só procura por quem realmente vai querer conhecê-lo. De que adianta ter um monte de gente que te adora se você coloca uma máscara para falar com eles? Então valeu a pena ter tantas pessoas que não gostavam de mim. Foi um caminho para encontrar os que gostavam.

  • G |Para vocês, omitir informações era tão ruim quanto mentir?

    ML |

    Muita gente reclama sobre isso. Depende do motivo pelo qual está omitindo algo. Se é porque as pessoas não vão gostar da verdade e você acha que escondendo elas vão ter uma visão mais positiva de você, então também é como se estivesse botando uma máscara. Isso não é uma mentira, um truque para induzir os outros a se sentirem melhor sobre você, mesmo que só esteja aguardando que te amem o bastante para poder revelar a verdade? Até isso é uma espécie de golpe, já que você fica à espera de que os outros mordam a isca para só então contar a outra parte. Hoje vejo por que omitir é importante e torna a vida mais fácil. Não acho que omitir até coisas irrelevantes seja honesto, mas não significa que seja ruim. Muitas coisas desonestas são boas e úteis. Mas, se uma pessoa omite uma traição, todo mundo vai dizer que é uma mentira. Se ela finge ser rica para conseguir um encontro, também não é mentir? Para mim, a omissão é uma mentira, mas as pessoas só entendem isso quando o problema as atinge.

  • G |No livro, você menciona que desistiu de fazer entrevistas de emprego porque elas nunca tinham um resultado positivo. O que acontecia?

    ML |

    Várias perguntas em entrevistas não devem ser respondidas com honestidade. Para a maioria se espera que você dê uma resposta pré-aprovada culturalmente. Qual o seu maior defeito? Aí você responde que é perfeccionista, workaholic ou qualquer coisa do tipo. Eu ficava confuso com o que estavam realmente perguntando e começava a questionar por que escolhiam perguntas como essa — o que não é a forma apropriada de agir numa entrevista. Todos estão seguindo um script. Eu também tentava conversar com os entrevistadores enquanto pessoas. Perguntava o que achavam de seus empregos e da empresa, e ainda julgava a maneira como estavam se comportando. Eles ficavam bastante desconfortáveis. Uma vez participei de uma entrevista para um trabalho ensinando música para crianças. No dia, levei meu ukulele para tocar algumas canções que escrevi, mas me disseram que não precisavam ouvir. Então respondi que preferia não trabalhar para eles, se estavam dispostos a contratar alguém sem escutar como a pessoa toca. Claro que ficaram horrorizados. O entrevistado não deve, de forma alguma, julgar a pessoa que o está entrevistando ou a empresa. Mas eram coisas naturais para mim, mesmo quando expressava pensamentos positivos. Às vezes falava sobre o quanto tinha gostado do entrevistador ou elogiava uma pergunta que ele me fazia. Se me expressasse com muito entusiasmo, também ficava um desconforto. Sempre que agi como um ser humano, demonstrando curiosidade genuína, me expressando e dizendo aquilo que sentia, as pessoas responderam muito mal.

  • G |Você consegue se imaginar atuando numa área como a política? Algumas profissões favorecem um comportamento menos honesto?

    ML |

    Alguns políticos bastante honestos ao longo da história tiveram que enfrentar grandes problemas. O exemplo mais familiar é o de Ralph Nader, que veio de fora da política, um ativista que concorreu à presidência de forma independente. Nas eleições de 2000, ele falou várias coisas que Al Gore não podia falar, e algumas pessoas acabaram votando nele. Dizem que essa liberdade era uma vantagem injusta, e acho que é verdade. Assim como em muitas áreas da vida, ser honesto demais torna impossível ser bem-sucedido na política. Por isso Ralph nunca poderia ser o candidato dos Democratas, mas conseguiu fazer com que o público o ouvisse. Ele era como eu, que, ao perceber que não ia poder trabalhar em nenhuma empresa, passei a fazer minhas coisas de forma independente. Assim ninguém exerce poder sobre mim, e eu faço o que quiser. Mas não tem como um político que atua dentro do sistema ser honesto. Mesmo os mais sinceros, como Bernie Sanders, ainda são obrigados a mentir sobre alguns assuntos.

  • G |Além das entrevistas de emprego, outros momentos bem difíceis para você eram os dates. Conforme sua mudança de posicionamento, sair com alguém foi ficando mais fácil?

    ML |

    Teve um ponto em que tentei agir como as outras pessoas, então parei de dizer tudo que sentia. Tentava fazer com que só ela falasse, enquanto eu dizia coisas meio misteriosas. As pessoas acham que o mistério é uma coisa romântica, nunca entendi isso. Sempre gostei de saber coisas sobre as pessoas. Mas tem muita gente que curte projetar uma fantasia sobre a figura do outro. Então, quanto menos a pessoa disser, melhor. Meus dates definitivamente passaram a me apreciar mais. Foi impressionante como se tornou fácil desde que eu não falasse muita coisa. Mas também era desconfortável e nada romântico para mim. Então, depois de um tempo, mudei de novo. Não sou mais tão honesto quanto no começo, o que seria impossível, mas ainda sou mais sincero do que deveria. Retornei àquela ideia da autosseleção, de querer perto de mim quem realmente me entende. Você só descobre isso quando se expressa. Se a pessoa não gostar de você, paciência, significa que não é a certa. Uma coisa que você nunca deve fazer num encontro é falar sobre seu ex. Para mim, isso é estranho, porque quero conhecer a pessoa e sua história de vida. Então não sei por que falar de ex-namorados é um problema. Agora escrevi um livro em que minha ex é uma personagem central, então qualquer uma que não queira saber do assunto vai se afastar naturalmente. E estou bem com isso. Hoje sinto que alcancei um equilíbrio. Tenho uma nova namorada, e acho que é algo especial conseguir atrair alguém sendo autêntico. Para mim, é o melhor método.

  • G |E sua família leu o livro? Em uma passagem, você fala de um manuscrito que escreveu sobre eles, e seu pai parece não aprovar a forma como foi retratado.

    ML |

    Uma das partes mais fantásticas de fazer o livro foi mostrá-lo para minha ex-namorada e minha família, as pessoas sobre as quais escrevi. É uma coisa muito estressante e esquisita de fazer, falar sobre tanta gente e tentar ser o mais preciso possível, porque você não sabe se os outros vão discordar do que escreveu. Todo mundo tem pontos de vista tão divergentes sobre tudo. Por sorte, minha ex e meus pais são predispostos a gostar da verdade. Se algo que escrevi era real, ainda que isso os envergonhasse, manter a verdade era mais importante. Me emocionei com as respostas deles, que ficaram impressionados com o quanto o livro era preciso. Para minha ex, foi tocante reviver o romance que tivemos aos 20 anos. Ainda tenho contato com ela, que está casada e tem filhos. Vive uma situação completamente diferente, e ler um livro sobre uma relação de dez anos atrás é uma coisa insana. Mas ela gostou tanto que até o marido leu. No fim, foi preciso fazer poucas alterações. Minha família também gostou do livro, até mesmo dos pontos que os colocavam sob uma sombra negativa. Meu pai, que é retratado de forma mais dura, mandou alguns volumes para seus amigos e teve conversas interessantes sobre como ele mudou com o tempo.

  • G |Você também mudou bastante sua forma de agir e ficou mais flexível quanto a mentiras. Quanto dos valores apresentados pela sua família na juventude permanecem até hoje?

    ML |

    Eles não continuam iguais, porque conheci e passei a entender melhor o outro lado da moeda. Quando mais jovem, não conseguia compreender por que as pessoas mentiam. Com 20 anos, eu literalmente pedia para me explicarem por que contavam mentiras, mas ainda estava completamente despreparado para as respostas. Por exemplo, não entendia que as pessoas eram incapazes de admitir o que fizeram porque sentiam vergonha. Eu questionava: Mas então por que você fez algo que achava errado? Esse conceito não entrava na minha cabeça. Hoje não parece mais tão absurdo. Entendo porque as pessoas agem assim e tomo parte nisso o tempo todo. Se alguém não quiser que eu fale sobre algo, vou fingir que nunca aconteceu. Virou uma coisa normal.

  • G |Sempre foi difícil para você manter relacionamentos duradouros, amorosos ou não? Te conhecer e saber como você é ajuda?

    ML |

    Hoje tenho muitos amigos. Sou bem melhor nisso do que antes, assim como em manter relacionamentos. Claro, passei a ser menos sincero. Mas todos eles entendem minha história. Imagino que estejam me perdoando constantemente por todo tipo de coisa, ou talvez até gostem disso. Acho que a maioria aprecia minha honestidade da forma como ela está hoje. Senão, não estariam comigo, porque é uma parte muito importante de como interajo com eles.