Qual é a motivação dos professores? — Gama Revista
O que motiva os professores?
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Isabela Durão

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Depoimento

De onde vem a motivação dos professores?

O encantamento com a ciência, formar melhores cidadãos, transformar vidas estão entre os motores de docentes em diferentes partes do país

15 de Outubro de 2023

De onde vem a motivação dos professores?

15 de Outubro de 2023
Isabela Durão

O encantamento com a ciência, formar melhores cidadãos, transformar vidas estão entre os motores de docentes em diferentes partes do país

Todos os dias, eles acordam cedo, vão para a escola, dão aulas de português, história, matemática, ciências e tantas outras matérias, ensinam sobre a sociedade, riem com alunos, corrigem provas e tentam construir um espaço seguro para que as crianças e adolescentes se tornem cidadãos mais conscientes de seu lugar no mundo.

No interior de Goiás, no Maranhão ou em São Paulo, os professores querem transformar a vida de seus alunos e inspirar um futuro melhor. Porém esses profissionais lidam com diversas formas da precarização do ensino no Brasil, da infraestrutura a que têm acesso até os salários. Gama reúne abaixo oito relatos sobre o que motiva alguns desses docentes, das redes pública e privada, a continuar na sala de aula apesar das muitas dificuldades.

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    “A esperança de uma sociedade que possa lutar pelos seus direitos é o que me motiva”

    Thiago Guimarães, professor de ciências da natureza do ensino médio no interior de Goiás

    “Tenho quase 28 anos de profissão e presto serviço em seis instituições de ensino, entre públicas, privadas e cursinhos preparatórios na cidade de Rio Verde, também em Goiás. Eu não vejo vantagem nenhuma em trabalhar na quantidade de lugares onde trabalho, o correto seria em um único local e ter valorização pela minha formação. Há um grande projeto de precarização da educação, pois se quisermos melhorar nossa renda precisamos ceder a esse sistema capitalista de nos vender mais do que o saudável. Ainda sim, nunca pensei em desistir. Ser professor é poder agregar na formação cidadã dos jovens, em conjunto de conceitos e conhecimentos da ciência da natureza. A esperança de ver uma sociedade com consciência de classe que possa lutar pelos seus direitos é o que me motiva. Além disso, ver meus alunos conquistando o mundo é uma sensação de muita felicidade e orgulho, porque sei que pude ajudar um pouco nesse processo, assim como outros professores fizeram por mim na minha vida.” (Emilly Gondim)

     

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    “A transformação me motiva a continuar na educação”

    Adriana Carrer, professora na Geekie One, empresa de conteúdo didático, consultoria pedagógica e inteligência de dados. Foi também professora no ensino público no Maranhão

    “Eu tive um aluno que era simplesmente incrível, gabaritou todas as minhas provas de fevereiro a dezembro. Era uma delícia corrigir a prova dele, uma linha de raciocínio muito clara. Mas ele era um aluno extremamente calado. Na aula, enquanto eu explicava, o via me seguir com o olho, conectado, mas não havia participação oral. Também não o via conversar com outros alunos. E pensava formas de melhorar essa situação. Em outubro, consegui desenvolver um trabalho em podcast para ser feito em grupo. Na entrega, o vi conversar com os colegas na sala, o vi sorrir em aula pela primeira vez. Estava conectado com a turma, se sentia pertencente. Este é o tipo de impacto que só é possível ter quando se é professor. Ele veio me agradecer no final do ano e me deu um abraço. É esse tipo de transformação que me motiva a continuar na educação.”

  • “Queria que os alunos entendessem como o universo é bizarro e apaixonante”

    Mauro Pontes, físico e professor de trabalhos manuais e de ciências de escolas privadas, em São Paulo (Arco Escola-Cooperativa e Colégio Equipe)

    “O que me motiva a ser professor é conseguir reconhecer um fio condutor que me liga com vontades e desejos que eu tinha ainda pequeno. Eu queria ensinar como é lindo o universo, o encantamento com a natureza, com o conhecimento; queria que os alunos entendessem como o universo é bizarro e apaixonante. É uma profissão dinâmica também e há um reconhecimento social sobre ela. Eu não sou desprezado, as pessoas têm respeito pelos professores: em todas as camadas sociais, eles são vistos como uma profissão essencial. Outra coisa que me motiva é estar cercado por trabalhadores que têm uma união de categoria, que se entende como proletário quando é de esquerda. Professor defende professor e isso é muito bom, saber que a gente pode ir à luta.
    Já fui motivado por entender que estou ensinando às pessoas pensamento crítico e político, mas acho que isso hoje é secundário e a gente não consegue mais fazer tanto. Também ensinamos menos os conteúdos. O contrato de prestação de serviço da formação de alunos muito cultos, que sabem ler muito bem, está em cheque com a burguesia. O que a clientela quer hoje é outra coisa. Ela ainda quer que a gente cuide dos filhos deles e não podemos nos furtar disso. A escola é um lugar onde as crianças ficam em segurança para que os pais possam trabalhar.” (Isabelle Moreira Lima)

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    “Nunca deixei uma criança para trás, alfabetizei todos”

    Rute Pereira dos Santos Cursi, professora da rede estadual de São Paulo e há 32 anos na educação

    “Sempre fui apaixonada por educação. Hoje o pessoal fala que é errado dizer que faz por amor. Mas o meu pensamento é exatamente esse: eu faço pelo amor à criança. Estar ao redor delas me faz muito feliz. A criança é o futuro, mas é ingênua, precisa de direcionamentos, embasamentos, e eu sempre gostei de ajudá-las nisso. Sinto que nasci para isso, é meu dom, e não continuar seria descartar um sonho. Nem consigo contar quantas crianças eu já alfabetizei e sei que nunca deixei uma criança para trás, alfabetizei todos. É importante se sentir útil à sociedade. A evolução da escrita e a progressão dos meus pequenos é o que me motiva e me dá forças para continuar a vivenciar todas as inovações na educação.” (Isabelle Moreira Lima)

  • “Cada aula é uma chance de fazer a diferença e deixar um legado duradouro”

    Warley José Campos Rocha, professor da educação básica técnica e tecnológica no IFRO, com formação e atuação em letras e linguística

    “Trabalhar na docência por mais de uma década tem sido uma jornada enriquecedora. Desde o ensino de línguas em cursos especializados até o ensino médio e superior, minha paixão pela educação cresce a cada dia. O que me motiva é a oportunidade de inspirar mentes e moldar o futuro. Ver estudantes evoluindo, adquirindo conhecimento e confiança é recompensador. A educação é a chave para o progresso, e, como professor, sinto que estou contribuindo para um mundo melhor. Cada aula é uma chance de fazer a diferença e deixar um legado duradouro. É por isso que continuo na docência, dedicado a sensibilizar e capacitar aqueles que buscam aprender e crescer. (Gabriela Bacelar)

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    “Fico motivada quando meus alunos demonstram ser pessoas melhores”

    Letícia Loureiro, formada em filosofia e pedagogia, professora de alfabetização bilíngue na cidade de São Paulo

    “Quis ser professora porque gostava de estar na escola para muito além da educação: eu gostava da socialização que a escola proporciona. Era um local onde eu podia brincar, ter bons exemplos e explorar muitas coisas. Quis então proporcionar essa mesma sensação a outras pessoas. Na faculdade percebi que eu queria ser um bom exemplo, aquela professora que mostrava boas referências e está atualizada, de forma não tão tradicional. O que me motiva a continuar está atrelado ao que me motivou a começar, somado ao impacto diário da educação, ou seja, quando meus alunos demonstram ser pessoas melhores, respeitando a diversidade do próximo. É sobre ser um bom exemplo como pessoa e não apenas em conteúdo. E nesse sentido a educação infantil é fundamental, nós professores temos mais tempo para trabalhar a humanidade deles. Por diversas vezes pensei em desistir por questões financeiras, desgaste com os pais, falta de apoio da coordenação, falta de um bom material, problemas estruturais da profissão. Mas amadureci e hoje não me vejo fazendo nada diferente. Não quero romantizar a situação, muitos colegas de profissão acabam preenchendo a grade de trabalho em diferentes escolas para complementar a renda, essas instituições têm diferentes metodologias e alunos, isso afeta a saúde mental e a qualidade da aula.” (Emilly Gondim)

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    “Ser professor é ser um provocador, um agente de transformação e um eterno amante da sabedoria”

    Gabriel Prado, professor de matemática, business e data science do ensino fundamental e médio, da rede privada, em São Paulo

    “A pergunta sobre o que me motiva a ser professor é, em sua essência, uma inquirição sobre o significado da transmissão de conhecimento e do papel do educador na sociedade. O ato de ensinar não se resume apenas a repassar informações, mas a instigar o pensamento crítico, a provocação e o desafio das certezas pré-concebidas.

    A sala de aula é um campo de batalha onde as ideias são postas à prova e os jovens são confrontados com a vastidão do desconhecido. E nesse palco, a figura do professor serve como um guia, por vezes cético, que desafia seus alunos a olharem além das superfícies e se aprofundarem em suas reflexões.

    Não é a mera disseminação de conhecimento, mas a possibilidade de despertar em outros a paixão pela descoberta, o prazer sádico de questionar e a coragem de enfrentar o vazio existencial que a verdade, em sua crueza, muitas vezes revela. Ser professor é ser um provocador, um agente de transformação e um eterno amante da sabedoria.” (Isabelle Moreira Lima)

  • “Temos uma troca verdadeira e eu também saio ganhando: aprendo muito com eles”

    Josi Lima, professora do 6º ao 9º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Espaço de Bitita, no Canindé, no Centro de São Paulo

    “Quando escolhi cursar Letras meu objetivo era trabalhar com livros em uma editora. Mas o contato com meus professores na faculdade e o fato de ter entrado ali com a ajuda do programa de bolsas do Prouni me inspiraram a seguir na licenciatura e, de alguma forma, retribuir para a sociedade o auxílio que tive. Lido com uma realidade dura no meu dia a dia: dou aulas em uma escola que fica numa região com um IDH muito baixo, grande parte dos meus alunos vive em abrigos, ocupações e, muitas vezes, trazem histórias assustadoras de brigas e conflitos familiares. Tento ser a professora que dá abertura para o diálogo e percebo que os alunos gostam de sentar ao meu lado para conversar. Temos uma troca verdadeira e eu também saio ganhando com isso, aprendo muito com eles. Isso também acontece porque sou a professora engraçadona, que dá um jeito de citar um meme ou uma dancinha de Titok no meio de uma explicação em sala de aula. Hoje, prender a atenção do jovem e o manter interessado na disciplina é muito difícil com o tanto de acesso que eles têm à tecnologia e às redes sociais. E não adianta bater de frente e querer proibir esse acesso. Meu jeito de lidar com isso é encontrar brechas para estar próxima e fazer parte desse novo mundo deles.” (Dolores Orosco)

  • “Tenho a convicção de que é possível construir uma educação pública de qualidade”

    Vanessa dos Santos Machado, coordenadora pedagógica da EMEF Tenente José Maria Pinto Duarte, em São Paulo

    “O que me motiva a continuar é a convicção de que é possível construir uma educação pública de qualidade, voltada para o desenvolvimento intelectual, ético, estético, cultural e político das crianças e dos adolescentes, voltada para a emancipação dos indivíduos, compromissada com a construção de uma sociedade mais justa, menos desigual, antirracista e que valoriza a diversidade. A minha escolha tem a ver com a minha origem, com o fato de eu ser egressa da escola pública e ter alcançado o ensino superior, me formado. Sou a primeira geração da minha família a ter um diploma de ensino superior, e é por conta desse acesso à escola pública que eu tive, e que minha mãe por exemplo não teve. Ao mesmo tempo, tenho consciência de todas as lacunas da minha formação. E quando optei em trabalhar eu tinha certeza que poderia ajudar a construir uma educação pública de qualidade, fornecer um serviço melhor do que eu recebi.” (Luara Calvi Anic)