O que falta para que professores sejam mais reconhecidos? — Gama Revista
Vai faltar professor no Brasil?
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Ilustração de Isabela Durão

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Depoimento

O que falta para que professores sejam mais reconhecidos?

Baixos salários, sobrecarga, formação insuficiente. Profissionais da educação básica falam sobre o que é necessário mudar para reverter a situação precária do setor

Ana Elisa Faria 13 de Outubro de 2024

O que falta para que professores sejam mais reconhecidos?

Ana Elisa Faria 13 de Outubro de 2024
Ilustração de Isabela Durão

Baixos salários, sobrecarga, formação insuficiente. Profissionais da educação básica falam sobre o que é necessário mudar para reverter a situação precária do setor

Baixos salários, falta de reconhecimento da importância do ofício — tanto pela sociedade quanto por órgãos governamentais —, formação acadêmica insuficiente, escassez de materiais, condições de trabalho precárias. Toda essa conjuntura faz com que professores e professoras, principalmente da rede pública, tenham a profissão cada vez menos reconhecida e, a cada dia, mais desvalorizada.

Mas é possível mudar o cenário atual das coisas? Docentes da educação básica contam a Gama como enxergam a situação e quais são as maneiras de mudá-la.

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    “Formar cidadãos não se resume a oferecer diplomas e mensurar aprendizagens”

    Manoela Maria de Araujo, 42, professora de matemática da rede pública municipal de Ceilândia (DF)

    “Um melhor reconhecimento da profissão está totalmente associado à necessidade do conhecimento da sociedade tanto da importância do papel dos professores quanto da importância da educação formal de uma maneira geral. Em uma época em que coexistem fake news, pessoas denominadas coachs atuando nas mais diversas áreas sem formação específica e a cultura do uso de sites e aplicativos de apostas, que acabam com a renda de várias famílias, atuando sem punição, trabalhar conceitos abstratos e cobrar leituras mais extensas chega a ser penoso e, diversas vezes, desestimulante para os estudantes. Dessa maneira, acredito que a mudança de metodologias e a busca de diferentes didáticas têm sido a realidade dos profissionais da educação que se preocupam com essa situação. Salas makers, aulas aliadas às mais diferentes e novas tecnologias e constantes realizações de cursos de aperfeiçoamento são algumas das tentativas de mostrar aos alunos que a escola é parte da vida deles e que o que ocorre em suas rotinas está diretamente relacionado com muitos dos conteúdos previstos no currículo. E formar cidadãos não se resume a oferecer diplomas e mensurar aprendizagens, mas direcionar mecanismos que os auxiliem na tomada de decisões, seja na organização da vida financeira, seja nos momentos de lazer. Assim, sociedade sendo informada, profissional da educação sendo valorizado!”

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    “Para que os profissionais da educação tenham a valorização que pedem e precisam, a formação acadêmica precisaria ser melhor”

    Cibele Colombo, 48, professora de português na rede estadual de Mauá (SP) e na rede municipal de São Paulo (SP)

    “Inicialmente, para que os profissionais da educação tenham a valorização que pedem e precisam, a formação acadêmica precisaria ser de melhor qualidade. As faculdades de licenciatura têm sido, há muito tempo, uma oferta de porta de emprego com baixo custo de investimento e isso tem levado ao mercado de trabalho profissionais sem compromisso com a educação, mas com oferta de emprego a curto prazo (digo isso com certo pesar). Políticas públicas que incentivem o profissional a uma formação continuada, não só garantindo a promoção, mas valorizando os profissionais que vão em busca de novos saberes, contribuiria para que os professores fossem motivados a aprender e a enriquecer sua prática, pois não há profissional inseguro que tenha reconhecido seu trabalho. Estendo a formação ao acesso à cultura. O docente precisa ser aquele que abre janelas para que o aluno veja outros horizontes e, certamente, esse profissional é visto com respeito pelos estudantes. Poderia discorrer por horas sobre o que nos falta, mas posso garantir que o que tem destruído o magistério é o governo ter oferecido a sala de aula como ‘quebra galho’ para bacharéis e profissionais que nada têm a ver com a área da educação, ao invés de investir em nossa formação, em condições de trabalho e em salário que possa diminuir a jornada do professor e garantir que ele faça um trabalho de excelência.”

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    “A reposta perpassa por duas palavras: valorização e questões salariais”

    Roosvany Beltrame, 52, mestre em educação, doutoranda em pedagogia e pedagoga da Secretaria Municipal de Educação de Governador Valadares (MG)

    “A resposta para o que falta para que professores tenham um melhor reconhecimento na profissão perpassa por duas palavras: valorização e questões salariais. Sobre a valorização: hoje, nós temos muita dificuldade de fazer com que o professor se sinta valorizado e reconhecido, tanto pela sociedade quanto pela comunidade escolar. Ele foi abandonado no silêncio de uma sala de aula, sem qualquer tipo de apoio governamental. A questão salarial se dá por conta das defasagens que vêm acontecendo em todo o país, nas redes municipal, estadual e federal. E uma coisa se liga à outra. Quem é valorizado tendo curso superior e recebendo um piso de R$ 3 mil por 40 horas semanais? Quem é valorizado se o pai não reconhece o trabalho que um professor faz com o filho? Nós vivemos em um país onde a escola foi abandonada. A escola está à mercê de equívocos, de questões políticas retrógradas que não fazem com que a escola cresça, além de deixar o professor sozinho, sendo apedrejado o tempo todo. E como reverter essa questão? Primeiro, é de suma urgência retomar as questões salariais. É fazer com que o docente ganhe bem para que ele possa trabalhar em uma escola só, para que ele tenha um emprego só, para que ele não tenha que sair de casa às 5h e voltar para casa às 23h. Isso se ele tiver um carro, senão ele vai chegar à meia-noite e dormir cinco horas por dia. E, a partir daí, começar uma reposição da valorização da carreira para que pessoas novas queiram vir para a docência, para que os nossos jovens de hoje queiram ser professores.”

  • “A escola necessita ter a credibilidade da sociedade, com profissionais melhores preparados e que consigam se dedicar somente à profissão”

    L.M.F, 50, professor de matemática da rede pública estadual de São Paulo (SP)

    “A valorização da profissão deve se dar por meio de políticas públicas que melhorem os salários, deem condições adequadas de trabalho e garantam a formação continuada para estimular a opção pelo ofício. Hoje, nas unidades educacionais, grande parte dos profissionais que estão atuando não escolheram ser professor, mas foi a oportunidade que surgiu como meio de sobrevivência quando muitas empresas demitiram trabalhadores para investir em tecnologia e inteligência artificial, e a escola, com falta de profissionais, absorveu essa mão de obra. Atualmente, a estrutura das instituições educacionais é a mesma do século passado, mas o estudante não tem o mesmo perfil, ele é estimulado a todo momento por meio das mídias sociais, e está cada vez mais distante das experiências concretas, do fazer, do ensaio e erro, de tentativas em seu percurso de aprendizagem para alcançar habilidades básicas. Para o professor ser reconhecido, é necessário haver uma mudança profunda na conscientização da sociedade que mostre que as conquistas durante uma vida devem vir por meio do trabalho e do conhecimento. É na escola que o cidadão aprende a ter consciência de classe, conhece os seus direitos, conhece a empatia, trabalha em equipe, pensa coletivamente. Mas, para isso, a escola necessita ter a credibilidade da sociedade, com profissionais melhores preparados e que consigam se dedicar somente a essa profissão.”

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    “O reconhecimento virá do próprio campo educacional, do ‘chão da sala’”

    Jailson Malta Miranda da Silva, 59, diretor escolar na rede municipal de educação de Rio Claro (SP)

    “O decadente reconhecimento profissional aos professores no Brasil confunde-se com a história do controle político capitalista sobre os sistemas educacionais que visam o domínio e a manutenção do status quo. Apesar de a escola ter a capacidade de emancipar cidadãos e reformar a si própria seguindo as necessidades sociais prementes, esse movimento é gradual, lento e combatido com distorções da realidade pela parte conservadora da sociedade, que ganha mais adeptos a cada ano. Esse reconhecimento, portanto, virá do próprio campo educacional, do ‘chão da sala’, onde formaremos os cidadãos a partir da necessária análise de seu papel como transformador social, sua disposição em mudar e na crença de que é possível ser livre e justo convivendo em sociedade. Para acionar esse movimento por dentro da escola, é necessário criar políticas públicas coerentes que prevejam a liberdade de cátedra, a valorização financeira da profissão, as estruturas e os materiais adequados, a reforma do ensino superior e investimentos num plano emancipador de sociedade, e não de governo.”