Edutokers e edutubers: os professores que são estrelas da internet — Gama Revista
Vai faltar professor no Brasil?
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Reportagem

Edutokers e edutubers: os professores que são estrelas da internet

Com dancinhas e aulas dinâmicas, professores influencers atraem a atenção de milhões de crianças e jovens; mas será que ensinam bem?

Flávia Mantovani 13 de Outubro de 2024

Edutokers e edutubers: os professores que são estrelas da internet

Com dancinhas e aulas dinâmicas, professores influencers atraem a atenção de milhões de crianças e jovens; mas será que ensinam bem?

Flávia Mantovani 13 de Outubro de 2024

A brasileira Carina Fragozo se sentiu uma celebridade quando viajou para a Irlanda, há três semanas. “Era eu pisar na rua que vinha alguém falar comigo. Teve um dia em que sete ou oito pessoas me pararam, muito mais do que no Brasil”, conta. Carina é professora de inglês. O que faz ela ser abordada por desconhecidos é o fato de sua sala de aula ser o YouTube. Sua turma supera os 2 milhões de alunos — seu canal, English in Brazil, tem 1,89 milhão de seguidores nessa plataforma, 104 mil no TikTok e 63 mil no Instagram. “A Irlanda é um país pequeno, com muitos brasileiros. Muitas pessoas me disseram que meu canal ajudou muito quando tiveram que aprender inglês para ir para lá trabalhar”, diz.

Carina começou a postar vídeos com dicas de inglês em 2013. Ela é uma das pioneiras entre os professores influencers, um fenômeno que transformou alguns profissionais em verdadeiras estrelas, a ponto de estamparem camisetas com seu rosto e de serem reconhecidos na rua. Também chamados de edutubers e, mais recentemente, de edutokers, eles atraem um público que vai de estudantes do ensino fundamental a adultos que se preparam para concursos, dando aulas de português, matemática, ciências e outras disciplinas que fazem parte do currículo escolar.

Apesar de o conteúdo ser muitas vezes o que cai nas provas de escolas ou do Enem, a lógica das aulas é a das redes sociais. Vídeos curtos, dancinhas, paródias e muitas caras e bocas são recursos usados para atrair o público para a explicação de temas como mitose, eletricidade estática e regência de verbos. Boa parte deles também compartilha cenas de sua vida pessoal, geralmente no Instagram, com fotos de passeios com os filhos ou stories se maquiando no carro, além de divulgarem conteúdos pagos, as famosas publis. Também é comum que eles criem suas próprias plataformas de cursos pagos.

Com isso, muitas vezes a sala de aula presencial fica para trás. Carina Fragozo, por exemplo, cursava doutorado em linguística na USP (Universidade de São Paulo) e planejava fazer concurso para se tornar professora universitária quando decidiu deixar de lado o plano A e focar em seu canal. “Terminei a tese e já consegui contrato com uma marca que me pagava, para postar publicidade, mais do que a bolsa de doutorado. Com isso, fiquei livre para experimentar muitas coisas. E nunca mais parei.”

@carinafragozo

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♬ som original – Carina Fragozo

Ela diz que, no começo, tinha um pouco de vergonha de postar os vídeos. “Tinha medo de as pessoas me julgarem pelo ambiente acadêmico em que estava inserida, tendo que lidar com a seriedade de escrever uma tese, orientador, Currículo lattes e tudo mais. O nicho educacional não tinha essa força que tem hoje. tinha mais youtubers de entretenimento, maquiagem, que chamavam de blogueirinhas”, conta. No entanto, desde o primeiro vídeo, chamado “Como aprendi inglês sem sair do Brasil”, ela notou que poderia haver um nicho ali. “Em uma semana, tive 1.000 visualizações. Percebi que tinha um potencial, que as pessoas buscavam esse tipo de conteúdo. Mas demorei a entender que isso podia ser uma carreira.”

Para crescer, apesar de manter os vídeos mais longos e informativos, ela foi se adaptando às demandas desse mercado. “Comecei a viralizar quando passei a falar de músicas que a gente canta errado em inglês, pronúncias de marcas famosas… Quando trouxe um pouco mais de entretenimento, de ‘edutainement’”, diz. Ela também posta vídeos curtos, os chamados “shorts”. “Posto aulas completas, mas faço shorts também. Preciso me adaptar, o mundo assiste a filmes curtos.”

Hoje, Fragozo tem uma equipe de 20 pessoas para auxiliá-la tirando dúvidas dos alunos ou com o marketing de seu curso online. “Sou empreendedora, CEO de um negócio. Não sei como estaria se estivesse dando aula em faculdade ou escola, mas estou muito feliz”, afirma.

Prêmios e hashtags

Com grande audiência entre crianças e jovens, o YouTube percebeu o potencial de atração dos professores influencers e criou o YouTube Edu, um canal que reúne vídeos selecionados com base nos conteúdos da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e que atualmente tem a curadoria da Unesco. A empresa organiza periodicamente encontros e workshops voltados para os edutubers e em 2023, criou um prêmio voltado só para youtubers de educação.

Também no ano passado, o TikTok incluiu a categoria “professor do ano” em seu TikTok Awards, que premia criadores de conteúdo que estão na plataforma. Consultada pela Gama, a empresa afirmou que há um crescente interesse nesse tipo de conteúdo e citou o alcance de hashtags como #Edutok (mais de 24,4 milhões de vídeos publicados), #AprendaNoTikTok (mais de 614,5 mil vídeos) e #TokDoEnem (mais de 1 milhão de publicações). Em 2022 e 2023, na época do Enem, a rede social organizou lives em que edutokers davam dicas de preparação para a prova.

Criadora do canal Mais Ciências, a professora do ensino fundamental Rafaela Lima já ganhou alguns desses prêmios. Diferentemente de muitos colegas, ela não parou de lecionar em escolas: é professora do oitavo e do nono anos das redes estadual e municipal de Duque de Caxias (RJ). “Fui reduzindo minha carga horária ao longo do tempo, mas nunca larguei tudo”, afirma. Ela adaptou o escritório de sua casa com isolamento acústico e um cenário e grava no contraturno de seu trabalho. Também dá palestras, atua como mestre de cerimônias e faz publicidade.

Lima diz que recebe muitas mensagens de colegas de todo o país. “Eles mandam fotos dos meus vídeos sendo exibidos na sala de aula ou me dizem que passam como dever de casa para os alunos”, diz. Ela começou a postar conteúdo em 2015, ao perceber que havia muitos canais educativos focados no ensino médio e na preparação para o Enem, mas poucos voltados para o ensino fundamental. Hoje, até posta alguns stories de sua vida pessoal no Instagram, mas que seu público é atraído, de fato, pelo conteúdo. “Meu canal é usado para estudo mesmo. Tanto que no período de férias quase não tem movimento no canal e no período de provas, no fim do ano, tem muitos acessos.”

Mas não por todo mundo. Quando ela começou a postar vídeos, em 2015, sua ideia era deixar um registro das aulas para seus alunos revisarem ou recuperarem o conteúdo. Mas a baixa conectividade à internet atrapalhou. “A maioria dos alunos não tinha banda larga, ver vídeo era quase impossível. Poucos acompanhavam de fato.” Hoje, o acesso à internet melhorou, mas ainda há limitações. “Em geral os alunos de classe D e E têm menos cultura de estudo, cultura familiar mesmo, e por isso não usam tanto a rede social para estudar.”

Miríade de possibilidades

Alguns governos também vêm apostando nos professores influencers. Neste ano, a secretaria estadual de educação do Rio Grande do Sul organizou uma plataforma com aulas de preparação para o Enem ministradas por alguns dos edutubers mais famosos em suas disciplinas. Em 2020, ano da pandemia, o governo de SP chamou influencers de educação para gravar aulas em seu Centro de Mídias.

Para o físico Marcelo Knobel, professor e ex-reitor da Unicamp, a presença dos professores influenciadores nas redes sociais é “mais uma maneira de a educação chegar nas pessoas”. “Os professores, os educadores, os cientistas devem usar todos os meios possíveis para atingir a sociedade. Crianças e adolescentes estudam com o apoio de vídeos na internet. Isso já é parte do dia a dia dos estudantes.”

Knobel foi um dos curadores do conteúdo inicial do YouTube Edu e diz que a ideia era dar um selo de qualidade para diferenciar o joio do trigo. “Tem muita gente com um conteúdo espetacular, mas tem também muito picareta que ensina conceitos equivocados. A ideia foi dar um selo de qualidade”, afirma.

Segundo ele, os casos mais problemáticos não são os influenciadores com experiência e formação docente, mas aqueles que fazem divulgação científica sem ter formação para isso. Em uma de suas colunas na Gama, ele abordou o assunto. “Há diversos estudos que mostram que uma parcela significativa dos vídeos que se apresentam como sérios, na realidade, propagam notícias falsas e até negacionismo científico”, escreveu.

Ele acredita que há espaço para educar em todo tipo de plataforma. “Os tempos envolvidos nas redes sociais são sempre muito breves, com mensagens curtas, onde você não consegue aprofundar alguns conceitos. Mas para isso tem outras mídias: livros, vídeos longos, podcasts. Há uma miríade de possibilidades e é importante que a gente tenha ciência também no TikTok, no Instagram e em todas as redes sociais.”

Show na educação

Professora da pós-graduação em educação da Faculdade de Letras da PUC-Campinas, Eliane Azzari realizou e orientou pesquisas sobre influenciadores na educação. Uma delas, chamada ”O show na educação”, analisa o perfil de dois professores que são estrelas no TikTok. Para a especialista, os professores influencers podem atrair alunos que não se interessavam por um assunto, o que é positivo. Mas é preciso avaliar em que medida esse formato de “aulas dinâmicas, lúdicas, com teatralizações, dancinhas e desafios” gera benefícios do ponto de vista educacional, pondera. “Transformar o professor em um tiktoker não vai torná-lo necessariamente um bom professor.”

Segundo Azzari, é problemático considerar essa forma de ensinar como um sinônimo de qualidade na educação e mesmo de inovação. “Quem já fez cursinho pré-vestibular sabe que isso não é novidade. Isso de o professor criar meios para chamar atenção dos alunos, de técnicas de memorização de conteúdos, da ludicidade. São práticas antigas, que até já tiveram sua eficiência discutida, revestidas de novos recursos tecnológicos”, afirma. “Você não está necessariamente inovando quando troca a transparência pelo slide multimídia ou a lousa de giz por uma lousa digital”, compara.

Um de seus questionamentos é à linguagem da aceleração. “Pesquisas da psicoeducação mostram os impactos dessa rapidez da informação na atenção, na paciência. O tempo de concentração do aluno acostumado a mexer no TikTok é muito menor”, afirma. O papel da educação, nesse caso, poderia ser o de oferecer um contraponto a essa lógica, e não o de abraçá-la sem senso crítico. “É importante esse professor entender que essa linguagem muda a forma como os alunos aprendem. A leitura exige tempo, pausa, reflexão. Nem sempre você vai conseguir isso com um vídeo de alguns minutos.”

Azzari, que trabalha com formação de professores, diz que esse fenômeno tem influenciado a construção da identidade dos novos docentes. ”Eles estão bastante afetados por esses discursos que ditam o que é ensinar e o que é aprender, de que se você não está no TikTok você não existe para os alunos de hoje”, afirma. Ela defende que esses recursos façam parte do repertório do professor. “As pessoas aprendem de formas diferentes, então temos que ter um leque de opções. Quando usados nos momentos apropriados, todo recurso pode ser bom, inclusive a boa e velha cartolina”, afirma. “O que a educação precisa fazer é não perder o trem da história. Entender o que essas tecnologias fazem e buscar um balanço. O problema é dizer que tem que ser assim o tempo todo.”