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SemanaComo mudar hábitos e ser mais saudável
Tentar eliminá-los não é o caminho. A chave, segundo o autor do best-seller ‘O Poder do Hábito’, que falou a Gama, é substituir comportamentos que você deseja se desfazer. Veja as dicas dele e de outros especialistas
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SemanaComo mudar hábitos e ser mais saudável
Tentar eliminá-los não é o caminho. A chave, segundo o autor do best-seller ‘O Poder do Hábito’, que falou a Gama, é substituir comportamentos que você deseja se desfazer. Veja as dicas dele e de outros especialistas
Os hábitos são responsáveis por aproximadamente 40% das nossas atitudes diárias, diz um estudo da Universidade de Duke, na Carolina do Norte. Isso significa que quase metade do seu dia é tomado por ações que não passam por uma escolha consciente, isto é, são realizadas no modo automático. Algumas podem ser saudáveis, como correr todas as manhãs ou comer salada uma vez por dia. Outras delas nem tanto, apesar do bem-estar momentâneo que causam, como sair para beber algumas vezes por semana. E, para mudar um comportamento já introjetado em nossas vidas, uma dose de motivação e força de vontade podem não ser suficientes.
A neurociência, ao contrário do que pregam muitos livros de autoajuda, diz que querer não é poder. Além da motivação, existem muitos fatores que influenciam na mudança de hábitos. Em entrevista a Gama, o autor do best-seller “O Poder do Hábito” (Objetiva, 2012), Charles Duhigg, explica que existem três elementos que compõem esse comportamento: primeiro, o gatilho, que desencadeia a rotina, que por sua vez gera uma recompensa, essa a última fase do ciclo. Reconhecer qual é o gatilho e a recompensa te permite mudar a rotina para algo que faça mais sentido e seja mais saudável. “Dessa forma, é possível identificar se há uma nova rotina que corresponda com o gatilho antigo e traga uma recompensa similar”, conta.
Se a explicação ficou confusa, Duhigg relata um caso simples e pessoal para exemplificar: seu gatilho era o intervalo em um dia estressante de trabalho. A rotina consistia em parar na cafeteria para comprar um cookie. E a recompensa, segundo ele, não era o doce em si, mas essa pequena pausa para espairecer. Só que comer esse doce diariamente lhe causou um aumento de peso, e ele quis mudar. Foi então que, em vez de fazer a paradinha de sempre, passou a convidar os colegas para uma caminhada, que trazia a mesma pausa como recompensa, mas sem uma refeição desnecessária. Identificar o gatilho que desencadeia a rotina e a recompensa que se busca com aquele hábito foi o caminho para substituí-lo por outro menos calórico, no caso de Duhigg.
Na lógica exposta pelo autor, deixar um hábito de lado é algo difícil de conseguir. Por isso, a mudança é o caminho. “As pessoas querem extinguir determinados hábitos, mas uma vez que o comportamento está no nosso cérebro é muito difícil tirá-lo de lá”, ele explica. “Assim que tivermos um momento de estresse, é provável que aquele hábito reapareça. A maneira certa de lidar é mudá-lo, em vez de tentar acabar com ele.”
‘Desaprendizagem não existe’
A extinção de um hábito pode ser relacionada ao que o neuropsicólogo e analista do comportamento Alan Oliveira chama de “desaprendizagem” — algo que muitos especialistas consideram impossível. “Com o avanço da neurociência, percebemos que o organismo que teoricamente ‘desaprendeu’ tinha um número maior de conexões cerebrais do que antes. Ou seja, ele aprendeu uma outra coisa por cima, que enfraqueceu a probabilidade dele continuar fazendo a primeira ação”, explica. De maneira geral, o caminho para largar mão dos hábitos ruins é substituí-los por outros, e não tentar reprimi-los.
O caminho para largar mão dos hábitos ruins é substituí-los por outros, e não tentar reprimi-los
Para a mudança acontecer, o ambiente também tem grande importância. É o caso, por exemplo, da ingestão habitual de bebida alcoólica, que pode ser engatilhada por um espaço específico, um local em que a pessoa vai e sente vontade de beber. O neuropsicólogo diz que o contexto em volta de cada indivíduo deve ser observado e analisado. “Por uma herança internalista, a gente pressupõe que o comportamento é modificado por uma causa interna, então dizemos que ‘você tem que ter força de vontade’, algo que ignora relações contextuais importantíssimas para entender o motivo que uma pessoa faz o que faz”, diz.
De acordo com ele, mais importante do que entender o que quer mudar, devemos buscar compreender o que pode induzir aquele comportamento específico que desejamos diminuir. Manter a dispensa abastecida de diversos tipos de chocolate, por exemplo, não facilita na hora de diminuir a ingestão de açúcar. Ir ao bar depois do trabalho todos os dias também não vai ajudar a amenizar o hábito de beber. Vale ressaltar que entre dependência e hábito há uma diferença: “Chamamos de dependência somente quando o comportamento causa sofrimento para a pessoa ou a prejudica em algum nível e mesmo assim ela não consegue parar”, finaliza.
Na maior parte dos casos, hábitos prejudiciais à saúde são engatilhados por um estresse e mantidos por gerarem recompensa, a famosa liberação de dopamina — tão intensa para o organismo que, mesmo sabendo das consequências negativas tardias, mantemos aquele comportamento ruim pelo prazer imediato. “As consequências prazerosas são a chave para entender por que a pessoa continua fazendo aquilo apesar de saber que não é bom para ela. Quanto mais dopamina liberada, maior o prazer momentâneo, o que aumenta a frequência de repetição da ação”, conta o neuropsicólogo.
Como mudar durante a pandemia
Aqui, as opiniões dos especialistas se dividem. Charles Duhigg, do “O Poder do Hábito”, diz que a pandemia é um ótimo momento para mudar os hábitos, já que nossos gatilhos foram desestabilizados e, assim, facilitam a mudança. “Você não passa mais por aquela cafeteria à caminho do trabalho, um comportamento que era habitual. Às dez da manhã, em vez de sair para comprar um café, você pode decidir fazer 20 minutos de yoga”, diz ele. A psicóloga e analista do comportamento Liane Dahás reitera o momento como perfeito para tal: “A pandemia nos deixa num contexto em que a mudança se faz necessária e urgente”.
A pandemia nos deixa num contexto em que a mudança se faz necessária e urgente
Pesquisadora da PUC-RS e neuropsicóloga, Rochele Fonseca atenta para os fatores estressores do período pandêmico, um momento em que estamos mais suscetíveis a recorrer aos maus hábitos para um alívio imediato. De acordo com ela, o estresse reduz nossa motivação para perpetuarmos comportamentos saudáveis, e para nos mantermos distantes de ações nocivas.
Mas independentemente do momento, o efeito da pandemia para cada um foi diferente. “Alguns aproveitaram para investir numa alimentação saudável, outros ficaram com as rotinas muito tumultuadas em casa e aumentaram o consumo de alimentos ultraprocessados”, diz a psiquiatra Débora Kinoshita, do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do hospital Oswaldo Cruz. Em todo caso, o importante é estar atento “às possibilidades abertas durante esse momento, que podem se tornar janelas de oportunidade”, diz.
Então, por que não tentar uma mudança? Se quiser fazer isso agora, ou depois que a quarentena acabar, Gama separou algumas dicas para largar hábitos e instituir novos e mais saudáveis.
Prepare o ambiente
Para o neuropsicólogo Alan Oliveira, o contexto é (quase) tudo. A dica que ele dá é prepará-lo de uma maneira que dificulte a autossabotagem e facilite a mudança de hábito. Se quer criar uma rotina de exercícios, por exemplo, estabeleça um horário fixo, faça uma playlist específica, escolha um local que você goste, convide um amigo. “Configurar o contexto vai facilitar, mas o pontapé inicial vai ter que ser consciente, não tem jeito.”
Comece devagar
“Na escada de metas, o ideal é subir degrau por degrau, dois em dois no máximo, se não a sua perna não suporta”, metaforiza Rochele Fonseca, pesquisadora e neuropsicóloga. Sua dica é estabelecer micrometas a serem alcançadas. Um hábito não vai ser instalado de uma vez, é importante entender que a mudança vem aos poucos. Traçar metas inalcançáveis dificulta a conquista do objetivo, desmotiva e pode até fazer a pessoa desistir.
Respeite o processo
Cada um tem o seu. A psicóloga e analista do comportamento Liane Dahás relembra que a paciência é essencial. “O tempo que vai demorar para a mudança acontecer não está pré-estabelecido”, diz. Ela indica se observar, celebrar as vitórias, aceitar que as recaídas podem acontecer, e acima de tudo, ter paciência. “Olhe para si mesmo e para o seu tempo como um processo, e respeite-o.”
Fortaleça comportamentos incompatíveis
“É como assobiar e chupar cana”, diz Alan Oliveira. Fazer um implica, necessariamente, em deixar de fazer o outro. Portanto, o neuropsicólogo indica o fortalecimento de comportamentos que vão no sentido contrário do hábito que se quer perder. No caso de fumantes, por exemplo, permanecer em locais fechados e preferir um café e conversa com os amigos diminui a frequência de saídas para fumar. Liane Dahás, também analista do comportamento, reitera: “Crie uma base de ações contrárias àquele hábito, e aumente a frequência delas. Se escolher apenas uma, pode ser que fique compulsivo”. É o caso, por exemplo, de quem escolhe o exercício físico como comportamento contrário a um hábito, e acaba viciada naquela única atividade.
Rastreie o hábito
Além das dicas de Charles Duhigg sobre como diagnosticar um hábito, entender o gatilho que o desencadeia e a recompensa que gera, é também possível rastrear o hábito, uma dica de Dahás. De acordo com a psicóloga, a ideia é produzir uma tabela com os comportamentos que queremos implementar: se exercitar, comer mais frutas — sempre no sentido positivo. E ticar todas as vezes que realizarmos tais ações. Com o tempo (e um pouco de perseverança), a frequência aumenta, até que o novo comportamento se torne um hábito. Já existem aplicativos que disponibilizam esse serviço.