Como identificar o vício em jogos de azar online e o que fazer — Gama Revista
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Isabela Durão

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Como identificar o vício em jogos de azar online e o que fazer

Especialistas em comportamento dão dicas para saber quando alguém está dependente dos joguinhos de aposta da moda, como o “tigrinho” e o “aviãozinho”

Ana Elisa Faria 18 de Agosto de 2024

Como identificar o vício em jogos de azar online e o que fazer

Ana Elisa Faria 18 de Agosto de 2024
Isabela Durão

Especialistas em comportamento dão dicas para saber quando alguém está dependente dos joguinhos de aposta da moda, como o “tigrinho” e o “aviãozinho”

Tigrinho, aviãozinho, foguete. Os jogos online de azar da moda são muitos, estão disponíveis em plataformas lançadas aos montes e, apesar de polêmicas, foram regulamentados em julho de 2024 pelo Ministério da Fazenda na esteira da chamada lei das bets, que regula as apostas esportivas. Só que, diferentemente da aposta na vitória de um time de futebol num determinado campeonato, o que exige certa habilidade, informações e conhecimentos prévios sobre o esporte, além de um pouco de sorte, games como o popular Fortune Tiger, o tigrinho, são considerados caça-níqueis.

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Ou seja, o que determina a chance de alguém ganhar dinheiro com aquele jogo é a aleatoriedade. São os chamados jogos de chance, que não dependem da habilidade do apostador para ganhar ou perder — e a perda é o que mais acontece. Tanto que há exemplos diários de pessoas que estão jogando compulsivamente e perdendo as economias de uma vida, tornando-se assim jogadores patológicos, condição que exige tratamento médico. O problema, aliás, já é caso de saúde pública e preocupa profissionais da área.

Para ajudar na identificação do vício nesses joguinhos que, para perder, bastam poucos toques na tela do celular, Gama coletou dicas com especialistas em comportamento.

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    A pessoa fica limitada àquela experiência, ao objeto da dependência –
    Um dos sinais de que o ato de jogar deixou de ser um simples passatempo, um hobby controlável, e se tornou uma dependência, o chamado jogo patológico, é o empobrecimento. E não é somente o esgotamento de recursos financeiros — que é uma das principais e mais terríveis consequências do vício em jogos de azar — que preocupa, mas também a diminuição de perspectivas, responsabilidades, interesses e funcionalidade em outras áreas da vida, como os relacionamentos, o trabalho, os estudos e a saúde. “Todo dependente vai secando, vai perdendo repertório e o colorido. Cada vez mais, a pessoa fica limitada àquela experiência, ao objeto da dependência. Quando há essa sensação de perda de dimensão e controle, de prejuízo, de disfuncionalidade, de empobrecimento, existe uma dependência”, explica Aderbal Vieira Jr., responsável pelo ambulatório de tratamento de dependências de comportamentos do Proad, o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp e do Hospital São Paulo. De acordo com Antonio Serafim, professor do Instituto de Psicologia da USP, é preciso analisar o padrão de execução que sinaliza a falta de controle de escolha e de inibição. Para isso, dois sinais que levam à bola de neve disfuncional e empobrecedora são importantes de serem observados: a frequência e a intensidade da jogatina. “Às vezes o jogo é frequente, diário, e o jogador vai aumentando a carga horária de dedicação, até afetar a dinâmica geral do dia a dia, deixando de cumprir obrigações, metas e de interagir com as pessoas. E o dependente fica ali, numa explícita necessidade constante de reiniciar aquele processo”, diz.

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    As perdas financeiras saem de controle, com empréstimos e dívidas –
    Quando o grau de dependência de jogos do tipo caça-níquel online já deixou a pessoa disfuncional, prejudicando a realização das atividades cotidianas e reverberando negativamente em esferas significativas da vida, com baixo desempenho no trabalho, declínio social e acadêmico e no convívio familiar, uma consequência óbvia e devastadora ecoa, os enormes prejuízos financeiros. O médico Aderbal Vieira Jr. explana que ao entrar nesses cassinos da internet, com dois botões apertados sem qualquer dificuldade, as pessoas podem perder milhares de reais. Exemplos não faltam. Em junho, o portal g1 contou a história de Patrícia, uma cozinheira de 43 anos do interior de São Paulo que perdeu bastante dinheiro em pouco tempo. “A evolução do vício é muito rápida e comparo mesmo ao crack. Eu zerei R$ 80 mil em dois meses sem perceber”, contou à reportagem. Para tentar sair desse problema causado pelas apostas excessivas no jogo do foguete, ela começou a fazer empréstimos bancários, deixou de pagar contas básicas da casa, vendeu o aparelho celular e pediu R$ 5 mil emprestado a um agiota. Outra história é a da empresária Vitória Damaceno Bittencourt, 23, de Maringá, no Paraná, que está com uma dívida de R$ 110 mil, após precisar fazer empréstimos para tentar recuperar o dinheiro perdido no jogo do tigrinho. Em uma rápida pesquisa no Google, encontramos inúmeras reportagens similares de casos variados, porém igualmente alarmantes. “A situação é tão dramática e preocupante que nós, especialistas, ficamos estarrecidos ao observarmos toda a política e a mobilização em torno da legalização dos jogos de azar, sem termos a devida estruturação da área da saúde para oferecer tratamento adequado à população que está dependente”, afirma Rodrigo Machado, psiquiatra do Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Segundo ele, a popularização do tigrinho e afins pode ocasionar um caos no sistema de saúde. Isso porque há um notório aumento na procura por tratamento para o jogo patológico, mas, ao mesmo tempo, “não há recursos para o financiamento de pesquisas para avaliar o tamanho do buraco atualmente”. Machado conta que o Brasil é referência [na área de transtornos do controle dos impulsos] na América Latina, mas o serviço brasileiro não tem capacidade para atender um grande volume de pessoas no país inteiro. O psicólogo Antonio Serafim aponta uma outra problemática a respeito da questão financeira, a facilidade em conseguir empréstimo. Hoje, com poucos cliques, há uma enorme oferta de crédito disponível. “E, assim, o jogador pega esse dinheiro e gasta tudo de uma vez. A pessoa perde o controle porque acredita que na próxima jogada vai ser recompensada e recuperar tudo o que investiu.” O que não acontece, pois, apesar de deixar quem joga ganhar algumas vezes, os jogos de azar, a partir de algoritmos e elementos visuais atraentes que manipulam a sensação do ganho iminente, são construídos para que a maioria dos apostadores perca.

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    Comorbidades como ansiedade e depressão podem entrar em cena –
    Além de não querer sair do celular para ficar jogando e jogando, minar as relações interpessoais, lesar a funcionalidade do dia a dia e afundar a família em dívidas, a pessoa com dependência em jogos online comumente apresenta uma série de comorbidades relacionadas à saúde mental. No geral, as mais usuais são isolamento, irritabilidade, estresse crônico, insônia, ansiedade e depressão, mas podem chegar aos pensamentos suicidas e ao suicídio. “Há uma taxa de suicídio muito mais elevada entre essa população. Muitos desses indivíduos chegam deprimidos ao consultório e outros também acabam, em algum momento, passando a abusar de álcool e de outras substâncias. É um adoecimento que vai se alastrando para outras esferas”, lista o dr. Rodrigo Machado. Em dezembro de 2023, em Missão Velha, no Ceará, Ângela da Paz, 39, tirou a própria vida porque estava endividada devido ao vício em cassinos online. Em entrevista ao UOL, Jéssica Lobo, irmã de Ângela, relatou que a morte se deu depois da perda de quantias significativas em apostas no Crash, o jogo do aviãozinho, e no Fortune Double. “Foi uma bomba para nós. Vimos pelo aplicativo que ela fazia depósitos todos os dias. Encontrei 55 páginas de depósitos no histórico do jogo, cada página com cerca de 40 depósitos. Os valores variam muito, mas a maioria é de R$ 100 e feitos diversas vezes por dia. No nome da minha mãe tem mais de R$ 150 mil entre empréstimos e cartões de crédito”, contou.

     

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    A pessoa dependente demora a enxergar as consequências ruins do vício –
    Ajude o dependente a entender o que está acontecendo e busque atendimento médico especializado. Não é fácil, muito menos rápido, conseguir fazer com que o jogador patológico entenda que aquele game colorido, simpático e aparentemente inofensivo do celular está prejudicando a sua vida — e a de muitos ao seu redor. Com a constante liberação de dopamina, que fica nas alturas, e os mecanismos criados pelos desenvolvedores dos jogos para o apostador acreditar que a sua hora de glória financeira vai chegar em breve, a pessoa dependente demora a enxergar as consequências ruins do vício. Mas não desista dela. Amigos, colegas e familiares podem ajudar na busca por tratamento adequado, que varia caso a caso e a partir de uma avaliação, mas geralmente se concentra entre psicoterapia, consultas com um psiquiatra e, dependendo, terapias medicamentosas. “A gente aconselha também que o paciente procure grupos de apoio, como o Jogadores Anônimos, menciona Rodrigo Machado, do Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas. Ele também relata que, quando necessário, até aconselhadores financeiros são chamados para auxiliar na reorganização das finanças do jogador endividado. O psiquiatra frisa que quanto antes iniciar o tratamento, melhor. No entanto, ele diz que na maioria das vezes as histórias são dramáticas e “quando as pessoas chegam para o atendimento, infelizmente, é quando normalmente as consequências negativas já se acumulam”. O professor do Instituto de Psicologia da USP Antonio Serafim pontua que quando questões de dependência são trabalhadas, há um monitoramento do entorno do paciente, o que envolve os familiares. “Dependendo da gravidade da condição, pessoas próximas devem ficar sempre ali, monitorando, porque a facilidade para uma recaída é grande. Por isso, é necessário que o indivíduo em tratamento tenha um ambiente muito acolhedor, e não repressor, que o estimule de outras formas.”

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    O melhor remédio contra o vício é não entrar na modinha dos jogos de azar –
    Conforme os especialistas consultados pela Gama salientam, não é possível saber quem, com exposição aos joguinhos, vai se tornar um jogador patológico ou quem vai jogar por hobby, uma vez ou outra. Com isso em mente, a orientação dos profissionais é curta e direta: não jogue. “Se você entrar nos jogos de azar, necessariamente você vai perder dinheiro. Há alguns jogos que têm algum grau de estratégia, de estudo, e há jogadores tradicionais que ganham a vida jogando pôquer, por exemplo, mas é uma pessoa ou outra, não sou eu e nem é você que vai conseguir ter uma carreira nisso”, destaca o psiquiatra Aderbal Vieira Jr. Outro conselho para evitar cair em tentação é deixar de seguir influencers que divulgam o tigrinho e demais joguinhos, fazendo promessas de retorno garantido de dinheiro, o que não corresponde com a realidade. “Um problema que vem inserido no contexto desses jogos são as mensagens de convencimento que vêm associadas. Os influenciadores simulam ganhos, o que induz as pessoas que não conseguem ter uma visão crítica. Como a humanidade tem necessidade de busca por vantagens, a fala desses influenciadores servem como gatilhos que vulnerabilizam bastante quem está do outro lado do celular”, reforça o professor Antonio Serafim.