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DepoimentoPara com essa pressa que eu quero demorar
Precisamos parar já e perguntar se é essa a vida, a sociedade e o mundo que queremos. Foi com esse questionamento que a apresentadora da CBN Tatiana Vasconcellos foi viver perto da natureza
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Para com essa pressa que eu quero demorar
Precisamos parar já e perguntar se é essa a vida, a sociedade e o mundo que queremos. Foi com esse questionamento que a apresentadora da CBN Tatiana Vasconcellos foi viver perto da natureza
Depois de um ano e alguns meses de pandemia, como estamos por aí? Por aqui, o número de plantas não para de crescer. Passei a contar histórias para o antúrio – que tá dando cada flor linda! –, levo altos papos com a cróton enquanto derrubo bem devagarzinho toda a água do regador na terra dela, tento mais uma d.r. com a amaranta, porque acho que a gente não tá se dando muito bem, ela parece meio chateada. Fui percebendo que o que me faz estar mais conectada às minhas plantas e às tardes de sol não é loucura e muito menos coisa só minha, não. É o jeito que alguns de nós trabalhadores de grandes cidades encontramos para estarmos mais integrados a alguma natureza. Tenho um palpite, a partir de leituras que convergem para um esgotamento de parte da sociedade que opera na lógica do desempenho máximo (um beijo, Byung-Chul Han).
Não aguento mais as redes sociais, não aguento mais tanta “produção de conteúdo”, não suporto mais tanta opinião. Poucas me interessam. Se tem tanta gente produzindo conteúdo, quem tá com tempo para consumir tudo isso? É muita gente falando para pouca gente disposta a ouvir. Encontro conforto numa turma grande que também sofre de exaustão produtiva e informativa. Uns optaram por ignorar o noticiário, o que não recomendo, pois enquanto o eleitor se aliena esse governo totalitário passa a boiada, como sabemos. Outros, se refugiaram na natureza.
Teremos nós chegado a um ponto insuportável? Ao limite da lógica capitalista? Ao fim da linha?
Existe um movimento em curso de retorno para a natureza, impulsionado pela necessidade de desaceleração de uma parte privilegiada da população. Tem muita gente trocando o apê de 40 metros na cidade por um imóvel maior, mais barato, mais silencioso e perto do mar ou do mato. Teremos nós chegado a um ponto insuportável? Ao limite da lógica capitalista? Ao fim da linha?
Contabilizei: tenho 13 amigos ou conhecidos que se mandaram. Sem contar os de quem só ouço falar. Eles colaboraram para o aumento de 28% a 30% na busca por imóveis rurais com boa conexão de internet, tendência anotada pelo Secovi-SP no último ano. A busca tem sido por cidades com menos gente, maior qualidade de vida e proximidade com a natureza. Sobretudo as cidades do interior paulista notaram mudanças no comportamento de quem procurou casa para comprar ou alugar.
James Turrell / Getty Images
Os municípios que ficam a até 100 quilômetros de São Paulo tiveram maior procura da classe média alta por condomínios fechados e com área de lazer, tanto para moradia definitiva quanto para segunda residência. Nos três primeiros meses da pandemia, 50% das imobiliárias do interior de São Paulo já haviam notado um aumento de demanda. E ainda hoje a preferência é por imóveis que oferecem as melhores condições para trabalhar de maneira remota. Repensar o modo de vida foi apontado pelo Secovi como o grande impulsionador desse movimento.
Desde maio do ano passado, o Airbnb também observa aumento na procura por casas inteiras no campo e em cidades menores de praia, a até 300 quilômetros dos centros urbanos em todo o mundo. Com base em análise dos dados de reserva do Airbnb e de pesquisas com usuários, a plataforma aponta três tendências principais:
- As pessoas podem viajar a qualquer hora. Desde o início deste ano, foram mais de 200 milhões de pesquisas com datas flexíveis, o que pode indicar uma liberdade maior para viajar, inerente ao trabalho remoto.
- As pessoas estão viajando para mais lugares e essa tendência é global. De abril de 2020 a abril de 2021, a plataforma contou reservas em 94 mil cidades pelo mundo. No verão de 2019, as dez principais cidades representavam cerca de 10% das diárias reservadas. Em 2021, a participação dessas cidades caiu pela metade, o que indica uma variedade de destinos maior. Os principais eram as grandes cidades, mas as cidades com mais reservas são áreas litorâneas e localidades rurais.
- As pessoas têm ficado por mais tempo nos imóveis. O número de reservas com 28 dias ou mais na plataforma subiu de 14% do total de viagens em 2019 para 24% no primeiro trimestre de 2021. As pessoas estão partindo em busca de mais espaço e menos concreto.
Fugi de alguns bichos e entreguei um banheiro para um gafanhoto geneticamente modificado, fiz ioga, bebi vinho e acendi lareira
Eu faço parte dessa estatística aí, de gente que alugou uma casa no meio do mato e não tinha nem televisão. Mas de férias. Cozinhei comidas gostosas, caminhei na trilha e desfaleci de dor muscular no dia seguinte, ouvi música, tomei sol sem filtro para fabricar vitamina D, fiz escalda pés na cachoeira, fugi de alguns bichos e entreguei um banheiro para um gafanhoto geneticamente modificado, fiz ioga, bebi vinho e acendi lareira, lembrei dos meus sonhos de todas as noites, li Krenak e Kopenawa.
A segunda metade das curtas férias foi na praia. Areia, mato, sol, vento frio, o ritual de sempre pra entrar no mar e muita, muita gente sem máscara, socorro. Foram férias de muitos silêncios. Poucas palavras e percepção aguçada. Estar conscientemente inserida na natureza dá outra perspectiva da vida, do mundo, do tempo, do que constitui a própria natureza e do caráter fundamental de preservação dela. Não pode ser tão difícil de entender que se não tiver natureza não tem a gente, porque nós SOMOS parte integrante dela.
De volta à rotina, enquanto não ajudo a engordar as estatísticas do Secovi-SP, busco reproduzir no dia a dia urbano as sensações que experimento nas férias: pequenas bolhas de alienação de qualquer informação, pedalada, grama, sol, viajo pelos filmes que assisto e pelos romances que leio, sinto a terra do parque sob os pés e uma ou outra picada de formiga.
James Turrell / Getty Images
Silêncio.
Profundidade.
Vazio.
Contemplação.
Nutrição.
Essas palavras fazem sentido para você? Para chegar a elas, a gente precisa de tempo IMprodutivo. Paradoxalmente, são nos meus tempos improdutivos que tenho as melhores ideias. Nas férias, bastaram dez dias e dois filmes para que eu mandasse uma mensagem pra chefia da CBN sugerindo fazer uma cobertura especial do Oscar. Ou seja, de férias tendo ideias (e vontade) para produzir. Tenho absoluta consciência de que para a maioria da população brasileira dormir é um privilégio. Ter tempo para descansar e reparar seu corpo produtor é um luxo. E é justamente por isso que precisamos parar JÁ e perguntar se são esses a vida, a sociedade e o mundo que queremos. Um beijo para o Domenico de Masi. (Cê já viu o filme “Quanto Tempo o Tempo Tem?”? Recomendo fortemente.)
Dessa forma, considerando todos os privilégios do pacote e tendo passado por um luto pessoal, deliro ao pensar que é ok viver uma pandemia no Brasil de Bolsonaro. Um pouco de notícia, um pouco de silêncio. Meio como a turma que partiu em busca do mato ou do mar, mas não sem uma boa conexão de internet para as reuniões de todo dia.
Tatiana Vasconcellos é jornalista, apresentadora do programa “Estúdio CBN”, na radio CBN, e a mais nova cuidadora de plantas de São Paulo
As imagens e gifs que ilustram este texto foram retirados da obra “Skyspace“, do artista norte-americano James Turrel. Essa série de trabalhos, que consistem em câmaras com uma única abertura no teto, desafia a relação tradicional entre objeto e espectador. A obra gera uma profunda imersão do espectador, que é convidado a parar e apenas contemplar seu entorno – seja o céu, as cores, a luz –, e mergulhar nessa experiência perceptiva.
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