Você é vítima do microgerenciamento no trabalho? — Gama Revista
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Ilustração de Isabela Durão

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Reportagem

Você é vítima do microgerenciamento no trabalho?

Pessoas em cargos de chefia que controlam demais o que os funcionários fazem podem minar a produtividade, a criatividade e o bem-estar de toda a equipe

Ana Elisa Faria 15 de Setembro de 2024

Você é vítima do microgerenciamento no trabalho?

Ana Elisa Faria 15 de Setembro de 2024
Ilustração de Isabela Durão

Pessoas em cargos de chefia que controlam demais o que os funcionários fazem podem minar a produtividade, a criatividade e o bem-estar de toda a equipe

Sabe o chefe que pede para ser copiado em todos os e-mails e controla cada etapa dos processos? E o supervisor que conta quantas vezes os funcionários vão ao banheiro durante o expediente? Ou ainda o gerente que encomenda um relatório e, todo santo dia, antes do prazo final, quer checar o que já foi feito até ali? Há também aqueles que raramente permitem que os empregados tomem decisões. Esses profissionais, ocupantes de cargos de chefia, têm uma característica em comum: o microgerenciamento.

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Esse palavrão, bastante debatido no meio corporativo, pode ser definido como um estilo de gestão em que uma liderança controla em excesso, tim-tim por tim-tim, as atividades executadas por seus subordinados.

Mas os especialistas alertam: embora à primeira vista pareça uma forma de organização e de garantir eficiência, o zelo em demasia prejudica a produtividade, a criatividade e a proatividade de colaboradoras e colaboradores, além de acabar com o bem-estar no ambiente de trabalho.

O microgerenciamento acontece quando um líder dá atenção demasiada a detalhes que nem sempre importam

Organização não é controle

A publicitária Fernanda Mattos, criadora de conteúdo digital no bem-humorado Home Office sem Filtro, explica o mal-afamado conceito do mundo empresarial. “O microgerenciamento acontece quando um líder dá atenção demasiada a detalhes que nem sempre importam. Ele fica focado só no micro e perde a visão do macro, desperdiçando a oportunidade de ajudar a equipe a se desenvolver e a se potencializar”, diz.

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Para a mentora e professora de organização pessoal para mulheres Ana Carolina Queiroz, nome à frente do perfil Eu Organizado, microgerenciar significa uma atitude organizacional que passou do ponto. “É quando você se apega às pequenas coisas e, ao invés de olhar para a montanha lá na frente enquanto faz a trilha, você se preocupa com as pedrinhas no meio do caminho”, explica, fazendo um paralelo.

Ou seja, sem confiar no trabalho alheio e mirar nos resultados finais — já dizia Nicolau Maquiavel que “os fins justificam os meios” —, esses superintendentes se concentram em minúcias que impedem o desenvolvimento natural dos colaboradores.

Muitos líderes não estão preparados para delegar e acabam fazendo um controle excessivo das tarefas

Maria Eduarda Silveira, headhunter e fundadora da Bold HRO, empresa de recrutamento para executivos, comenta que o microgerenciamento pode estar relacionado à insegurança da pessoa que gere determinado grupo. “Muitos líderes não estão preparados para delegar e acabam fazendo um controle altamente excessivo das tarefas cotidianas. Isso reflete uma falta de confiança no time ou até mesmo um despreparo em liderar”, afirma.

Segundo ela, a gestão de pessoas é um dos maiores desafios nas organizações, e o microgerenciamento surge quando o líder não tem um entendimento nítido sobre como passar funções a alguém ou apoiar adequadamente a equipe.

Falta de autonomia e muito estresse

O impacto desse gerenciamento microscópico é sentido tanto pelos membros da equipe quanto pela própria chefia. Funcionários submetidos a essa prática — que ganhou força na pandemia, durante o trabalho remoto — frequentemente relatam altos níveis de estresse, desmotivação e falta de autonomia. A sensação de que estão sempre sendo vigiados e cobrados reduz a proatividade e a criatividade, tornando os trabalhadores pouco engajados.

“O resultado é um time extremamente estressado e desmotivado. As pessoas acabam ficando mais preocupadas em responder o chefe e mostrar que estão online, fazendo algo, que não sobra tempo para realmente contribuir com soluções inovadoras”, analisa Mattos.

A professora Ana Carolina Queiroz cita que a pessoa que microgerencia e tem “sede de controlar tudo e todos” também se exige demais, às vezes sem se dar conta, e uma das consequências finais desse conjunto de ações é o burnout. “Esses comportamentos são perniciosos no longo prazo, e o corpo vai dar sinais”, salienta.

Fernanda Mattos, do Home Office sem Filtro, frisa, no entanto, que não significa que o líder não pode cobrar os seus liderados nem organizar métodos de trabalho. “As cobranças fazem parte do dia a dia, mas cobrar coisas que nem sempre são úteis ou cobrar sem incentivar e sem cuidar da equipe só traz pontos negativos para todos.”

O microgerenciamento também é inimigo da produtividade, o que, por si só, contraria a lógica do trabalho. Maria Eduarda Silveira observa que a prática de gerenciar nos mínimos detalhes, na rédea curta, impede que os funcionários desenvolvam habilidades. “Quanto mais você microgerencia, menos os profissionais se sentem desafiados a tomar iniciativa. Isso pode, inclusive, prejudicar o desenvolvimento de novos líderes dentro da empresa”, sinaliza.

Outro efeito negativo grave do microgerenciamento é o aumento da rotatividade nas companhias, que perdem pessoas talentosas — sentindo-se frustradas em ambientes controladores, elas saem à procura de crescimento e autonomia. Com o LinkedIn ativo, a busca é por novas oportunidades em locais com uma cultura mais flexível e que promovam a confiança entre líderes e colaboradores.

Eu microgerencio, tu microgerencias

O famigerado microgerenciamento, entretanto, não é uma exclusividade de quem ocupa uma posição de liderança. Apesar de não ser tão comum, colaboradores também podem ter comportamentos microgerenciadores em relação a colegas do mesmo nível hierárquico, de acordo com Mattos, muitas vezes por causa dela, a falta de segurança.

“Existem funcionários que ficam preocupados com o trabalho dos outros, talvez por quererem mostrar que podem fazer melhor ou até mesmo para gerar um desconforto. Mas, na minha percepção, isso vem de uma insegurança”, reflete ela.

Para lidar com o microgerenciamento e, quem sabe, escapar dele, as especialistas consultadas pela Gama sugerem uma abordagem focada em conversa, escuta, apontamento para onde se deseja chegar — quais resultados são esperados, portanto — e confiança mútua.

“A melhor maneira de evitar o microgerenciamento é acreditar no time e estabelecer uma comunicação clara sobre expectativas”, aconselha Mattos. A publicitária e criadora de conteúdo enfatiza a importância de envolver os funcionários no processo de tomada de decisões, ao invés de apenas delegar tarefas sem permitir espaço para autonomia.

Já Maria Eduarda Silveira, da Bold HRO, complementa com a ideia de que a liderança precisa ser flexível e adaptada à maturidade — ou a falta dela — da equipe. “O microgerenciamento pode ser necessário em alguns casos, quando a equipe é muito júnior, por exemplo. Mas o líder precisa ter clareza sobre quando esse acompanhamento é essencial e quando está se tornando um controle excessivo e prejudicial.”

Transformar esse estilo de liderança requer esforço por parte das empresas e dos gestores, mas é possível, com investimento em treinamentos, realização de assessments — relatórios que identificam traços comportamentais, de desempenho e de potenciais de chefes e colaboradores —, promoção do desenvolvimento pessoal dos líderes, com foco no autoconhecimento, e a criação de uma cultura corporativa que valorize a autonomia e a confiança nas equipes.

Os gestores, ao aprenderem a delegar de maneira eficaz, confiando na competência de funcionários e funcionárias, dão espaço a um ambiente mais produtivo, criativo e saudável, onde todos se sentem valorizados e têm espaço para crescer — livres do microgerenciamento.