Como criar uma dança para viralizar no TikTok? — Gama Revista
Saudade de dançar?
Icone para abrir
Reprodução/TikTok

2

Semana

Como criar uma dancinha viral

Desde passos acessíveis até músicas com potencial de virar hits, descubra o que faz todo mundo querer imitar uma coreografia no TikTok

Andressa Algave e Leonardo Neiva 12 de Dezembro de 2021

Como criar uma dancinha viral

Andressa Algave e Leonardo Neiva 12 de Dezembro de 2021
Reprodução/TikTok

Desde passos acessíveis até músicas com potencial de virar hits, descubra o que faz todo mundo querer imitar uma coreografia no TikTok

No dia 18 de maio, a então estudante de engenharia de produção Erika Tavares (@erikatavaresss), 22, postou um vídeo de 17 segundos no TikTok em que fazia alguns passos em frente à câmera, ao som de “Não Nasceu pra Namorar”, sucesso do funkeiro MC Zaquin. A postagem até que não foi mal e hoje conta com quase 57 mil visualizações na rede social. Perseverante, no entanto, Erika não se deu por satisfeita. Dois dias depois, com algumas pequenas modificações, postou novamente a coreografia, junto com a seguinte promessa: se você “ajudou a viralizar = CRESCEU CABELO, UNHA, PEIT0 E BUND4”.

@erikatavaresss

Dc: EU // ajudou a viralizar = CRESCEU CABELO, UNHA, PEIT0 E BUND4 🗣🦋✨

♬ Não Nasceu pra Namorar dc erikatavaresss – Erika Tavares

Embora seja difícil comprovar a eficácia da profecia, fato é que o segundo vídeo viralizou, com mais de 1,6 milhão de cliques, passando depois a ser replicado por celebridades do naipe da Maisa (@maisa). Em julho, chegou até às Olimpíadas de Tóquio, nos pés da medalhista de prata e fadinha do skate Rayssa Leal.

O resultado foi um triunfo da persistência e da tática usada por Erika, que continuou postando a dança nos dias seguintes. “Eu tenho muito esse negócio de gravar muitas vezes a minha dança e postar vários dias seguidos. Dia um, dia dois, até que a dança viralize.” A alagoana de Santana do Ipanema, no sertão do estado nordestino, aproveitou que a música estava crescendo em popularidade no TikTok e ainda não tinha uma dancinha para acompanhar. Também reciclou em sua coreografia o hype nas redes os chamados passinhos de funk de BH, que consistem em dar passadas para o lado e giros sobre o próprio eixo, repletos de um gingado bem mineiro — se ficou muito difícil de entender, aí vai um tutorial.

Deu certo para Erika, embora seja difícil determinar qual o segredo do sucesso. Nem a própria criadora, aliás, sabe apontar como repetir o caminho do tesouro. “Foi muito aleatório, porque nem achava que ia viralizar. Só queria criar e fazer. Fiz, postei e começou a subir muito, foi minha dança que mais viralizou.”

“Veterana” do TikTok, a influencer Júlia Puzzuoli (@juliapuzzuoli), 18, tem quase 12 milhões de seguidores e começou de forma parecida, chegando a postar até oito vídeos dançando num mesmo dia. “Vou enfiar pela goela, tem que dar certo”, brinca a TikToker. “Constância é muito importante. Eles vão entregar muito mais os seus vídeos e, se você posta dez, tem ao menos um que vai atingir mais gente.”

Hoje um dos maiores nomes do TikTok no país, a amazonense Ruivinha de Marte (@ruivinhademarte), 24, virou hit na rede com coreografias engraçadas, gravadas na entrada do prédio onde morava, e um estilo de dançar que ela caracteriza como desengonçado. Para ela, esse estilo único explica boa parte dos 15,8 milhões de fãs que conquistou na plataforma. “Não é tão normal de se ver. Eu mesma criei tudo e não foi nada copiado.”

Criar uma dança de sucesso no TikTok não é como assar um bolo, segundo Judeilton Reis, head de redes sociais da Mynd8, agência especializada em música, entretenimento e cultura digital. Não tem receita capaz de garantir que vai sair do forno uma dancinha viral perfeita para gerar engajamento e mobilizar dezenas de celebridades na internet.

Uma boa forma de começar, porém, é estar atento ao que diz a própria plataforma. “Quando você clica na aba de busca, encontra os vídeos que são virais e as trends do momento. Ali vai ter as hashtags, as músicas, e você cria seu conteúdo a partir disso.”

Em conversa com especialistas do mercado e influenciadores, Gama reúne a seguir algumas das características que levam coreografias a viralizar e fazer sucesso na rede social das dancinhas.

Fácil, extremamente fácil

Não se sabe se há uma regra de ouro para fazer com que uma dança chame a atenção de outros influenciadores e usuários da rede, mas existe sim ao menos uma unanimidade entre quem trabalha com isso: os passos não podem ser complexos demais, já que devem ser replicados em challenges — desafios criados dentro do TikTok que os usuários devem tentar cumprir. Danças complicadas e que exigem mais preparo só poderiam, em tese, ser repetidas por dançarinos profissionais ou com mais experiência, restringindo o público de forma indesejável.

“Esse é o ponto da grande popularidade do TikTok”, afirma Reis. “Qualquer pessoa poder fazer essas danças, porque são fáceis e não exigem um preparo físico.” O que não significa que a parte estética deve ser deixada de lado. “Primeiro, a coreografia tem que ser visualmente muito bonita de assistir”, destaca Erika.

Qualquer pessoa poder fazer essas danças, porque são fáceis e não exigem um preparo físico

Vídeos mais curtos também facilitam a vida de quem, mesmo sem ser dançarino, quer mostrar que sabe requebrar como qualquer bom influencer de TikTok. “Por isso, danças com mais de 20 segundos são mais difíceis de viralizar do que aquelas que têm 20 ou 15 segundos”, acrescenta a criadora de conteúdo alagoana.

Escolher qual música usar em seus vídeos de dança é outro momento crucial na hora de criar para o TikTok. O mais óbvio parece ser correr atrás de algum ritmo que esteja crescendo no gosto popular, mas esse nem sempre é o único caminho. O primeiro sucesso de Erika, por exemplo, veio no começo de 2021 com a música “Tem que Bater”, que foi hit em 2020 e já tinha sumido das paradas online.

Depois disso, ainda é preciso selecionar o melhor trecho para gravar em cima. “Gosto de ficar escutando a música várias vezes. Boto para tocar, fico repetindo e escolho a parte em que quero fazer a dança. Aí tento encaixar os passos nela até ficar uma sequência que eu gosto”, declara a influencer. Incluir na fórmula alguns dos passos que já estão bombando no TikTok, como ela faz, certamente ajuda.

Qual é o conceito?

Em maio, Erika postou um vídeo em seu perfil como forma de se inscrever nas audições da Nice House Brasil (@nicehousebr). Febre nos Estados Unidos há alguns anos e ocasionalmente alvo de polêmicas sobre exploração, as casas que reúnem influencers em coletivos de criação para as redes já desembarcaram no Brasil faz tempo.

Localizada em São Paulo, a Nice House é uma das mais conhecidas do gênero e faz seleções de novas turmas a cada quatro meses, com influenciadores vindos de várias regiões do país. A turma atual, que se encerra em dezembro, tem um total de dez membros. Eles ficam esse tempo reunidos na chamada Mansão Nice, onde passam por cursos de preparação e enfrentam desafios com a intenção de potencializar suas habilidades e os números nas redes. Segundo o criador e CEO da Nice House, Gustavo Meira, não existe limite mínimo de seguidores. A ideia é promover a criação coletiva e o auxílio mútuo no engajamento tanto dos perfis da empresa quanto dos individuais de cada integrante.

Embora o funk, o pop e até o trap sejam alguns dos ritmos mais populares dentro da rede no momento, Meira defende que até ritmos mais lentos podem ter lugar no TikTok. Segundo ele, tudo depende do conceito e dos perfis criativos por trás dele. “A música pode ser muito boa, a cara do TikTok, mas se não fizer o lançamento certo, com esse lado criativo muito bem pensado, ela não vai desempenhar tão bem.”

Nesse caso, diz Gustavo, muitas vezes nem é só a música ou a dança o principal atrativo para uma trend — vídeos com um determinado estilo ou conteúdo que passam a ser reproduzidos à exaustão pelos usuários da rede social. Um exemplo foi a trend criada pelos influencers da Nice House em cima do refrão da música “Tipo Gin”, do funkeiro Kevin o Chris. O conceito explorava a transição de um ritmo lento para um mais animado para criar vídeos do tipo expectativa versus realidade.

“No primeiro momento, em que a música estava calminha, a pessoa preenchia a caixinha de texto com coisas que não animavam tanto. Aí, quando dava o boom, ela inseria algo que a alegrava muito.” A corrente, portanto, permitia aos usuários ser criativos em cima da música, da dança e do próprio conceito de divulgação. “Acabou viralizando e teve mais de um milhão de vídeos”, conclui Meira.

Com a palavra, as influencers

Mas, como apontado antes, seguir todas essas dicas também não é garantia de nada. “Às vezes você dá sorte de fazer um vídeo e ele viralizar. Às vezes você não dá sorte. O conteúdo próprio tem essa dificuldade: ou dá muito bom ou dá muito ruim”, conta a influencer Júlia Puzzuoli. Ao falar da ocupação, se empolga — apesar da pouca idade, ela tem o domínio típico daqueles que conhecem o próprio público. Hoje com mais de 200 milhões de curtidas na plataforma, Julia é uma das principais faces de criadores de um conteúdo pensado para criar engajamento no Brasil.

A influenciadora começou na rede no início de 2020, logo após o decreto de suspensão de atividades pelo avanço da covid-19. Os primeiros vídeos foram despretensiosos e de baixo alcance: dublava áudios em alta na rede, cantava e dançava. Foi após postar challenges de dança que o engajamento aumentou — a criadora já produziu conteúdo para marcas como Tinder, Mercado Livre e Aliexpress, e conta que a atividade é sua principal fonte de renda.

O TikTok dá um ar de que é novo, divertido, que dança, que pula

“Acho que as marcas têm um foco maior nos Tiktokers do que no Instagram. Elas querem ter os rostos dos Tiktokers atrelados porque é algo que parece geração Z, dá uma cara mais jovem”, explica, citando a geração dos nascidos do fim dos anos 1990 até meados de 2010. “O TikTok dá um ar de que é novo, divertido, que dança, que pula”.

Com vídeos que frequentemente ultrapassam os 10 milhões de visualizações, Anny Bergatin, a Ruivinha de Marte, está aproveitando todo esse engajamento para lançar sua carreira como cantora, com clipes e shows marcados pelo país. “Tenho a certeza de que vai dar muito bom, por que as pessoas querem sorrir e ouvir música também. Automaticamente, elas vão ouvir a música e lembrar das coreografias.”

Sua experiência pré-TikTok com a dança vinha de um grupo chamado Milk Shake, onde ela comandava as coreografias. Humor e carisma, segundo ela, têm que fazer parte da receita, assim como selecionar músicas com batidas marcantes e melodias engraçadas. Fora isso, o que vale é fazer do seu jeito e “ser você mesma”.

Mesmo com o enorme número de seguidores, por outro lado, hoje nem sempre os vídeos de Júlia ultrapassam um milhão de visualizações, marca que ela tirava de letra no passado. A explicação está na constante entrada de novos usuários e na necessidade de redistribuição dos vídeos produzidos, feita pelo algoritmo da plataforma. Em setembro, a rede divulgou o marco de 1 bilhão de usuários ativos, com clara influência do período de pandemia.

A principal medida para evitar que o engajamento escorra pelos dedos é apostar em colaborações e em publicações frequentes, conta a influenciadora. “Constância é importante, estar atualizado é importante. Se der para se juntar com outros Tiktokers, também é importante para haver essa troca. Quando a pessoa interage mais na rede, ela entende que você está dentro daquele círculo. Então postar mais vídeos e ficar ativo torna mais provável dar certo”.

O mercado de influência das danças

Se alguém ainda desconfia do potencial mercadológico das dancinhas, pode ter certeza de que está indo contra a própria indústria do entretenimento. Os challenges, ou desafios de dança, têm se tornado grandes ferramentas de divulgação e engajamento para marcas e músicos. “A partir do momento em que a música vira tendência no TikTok, ela começa a bombar dentro das plataformas de streaming porque atinge um número enorme de pessoas. Existe esse investimento e é uma tendência que isso cresça. Tanto que hoje o TikTok está revivendo músicas antigas, que bombaram nos anos 90 e agora estão com tudo”, conta Judeilton Reis, da Mynd8, que assessora artistas e produtores de conteúdo.

A procura por TikTokers é explicada pela popularidade do conteúdo, que é leve e fácil de render engajamento. Além disso, o próprio algoritmo da rede ajuda a chegar no público alvo — se o usuário consome mais vídeos de música, a página inicial do aplicativo dá preferência a posts com dança e dublagem.

Challenges como o da música “Coração Cachorro”, hit de Matheus Fernandes e Ávinne Vinny que rendeu um divertido acordo com o artista britânico James Blunt, têm uma coreografia focada na parte superior do corpo e são mais fáceis, mesmo para quem não se garante muito na dança. A popularidade da música no TikTok teve influência inclusive no volume de reproduções nas plataformas de streaming. Foram 30 dias consecutivos em primeiro lugar no ranking de artistas do Spotify Brasil.

E o potencial que os influenciadores têm para gerar hits só começou a ser reconhecido recentemente pelas marcas e músicos. Gustavo Meira, da Nice House, conta que a escolha do influenciador costuma ser feita de acordo com o público-alvo. “Se você pega o criador de conteúdo certo, que tem qualidade e engaja bastante, e anuncia diretamente com ele, com certeza vai ter muita gente ouvindo e replicando sua música mesmo sem nada de publicidade. As pessoas vão ouvir porque realmente gostam.”

Com seus 656 mil seguidores, Erika Tavares ainda não chegou à elite dos TikTokers no Brasil, mas já recebe convites para criar dancinhas exclusivas, especialmente para artistas que estão começando. A jovem alagoana, que mora com a mãe, não teve influência da família para aprender a dançar. Também nunca frequentou escolas de dança. As coreografias que aprendeu foram todas pela internet, vendo vídeos de hip hop e fitdance no YouTube.

Recentemente, ela decidiu trancar o curso de engenharia de produção que fazia na Universidade Federal de Alagoas, com o qual diz não se identificar, para seguir um sonho. “Meu negócio é realmente dançar, levar alegria para as pessoas. Agora eu trabalho com internet, com TikTok, Instagram e redes sociais.”