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ConversasA influenciadora de influencers
Sócia de Preta Gil, Fátima Pissarra conta como construiu a maior agência de artistas e influenciadores do país: “Marcas querem diversidade, respeito, credibilidade”
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A influenciadora de influencers
Sócia de Preta Gil, Fátima Pissarra conta como construiu a maior agência de artistas e influenciadores do país: “Marcas querem diversidade, respeito, credibilidade”
Há alguns meses, piadas e memes nas redes sociais brincavam sobre uma possível disputa entre as cantoras Preta Gil e Anitta para saber quem iria representar Juliette Freire, a campeã do “BBB 21”, após ela deixar o programa com milhões de seguidores. Juliette acabou aceitando a mentoria de Anitta, mas é uma exceção entre influenciadores, que massivamente dão preferência à Mynd, a onipresente agência de entretenimento e marketing de influência fundada por Preta e a sócia Fátima Pissarra.
O negócio iniciado em 2017 após uma sugestão da cantora, levou Fátima a se tornar a maior empresária do segmento no país, com mais de 200 agenciados — entre nomes que vão de Galvão Bueno a Pabllo Vittar, passando pelo também ex-BBB Gil do Vigor e o humorista Esse Menino — e um faturamento que, só em 2020, em plena pandemia, foi de R$ 130 milhões. Ela brinca ao ser questionada sobre a estratégia para atrair tanta gente:
“A gente faz o que é contratado pra fazer, o que é raro”, diz. “Nosso trabalho é ‘linkar’ o artista, o influenciador, à marca. Montamos um esquema de venda, de oferta de projetos, não esperamos o telefone tocar.”
Fátima e sua equipe, composta de 50% de pessoas negras, como se orgulha de contar, passam o dia garimpando perfis com potencial no Instagram e no TikTok, um trabalho que não leva em conta apenas o grande número de seguidores. “A Camilla de Lucas veio com 80 mil seguidores, a Pepita, com 50 mil”, cita ela para afirmar que não há uma fórmula única de sucesso nas redes sociais.
Não é só uma questão de volume de seguidor, mas mensagem, diversidade, respeito. As marcas estão procurando muito por isso e nós buscamos perfis dentro do que a gente sabe que dá endosso, credibilidade
Autodefinida como “hard worker”, a empresária que diz estar em quase 250 grupos de WhatsApp dos agenciados, conversou com a Gama também sobre o que mudou na produção de conteúdo, cancelamento e o futuro da influência.
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G |Como você se tornou a maior empresária de influenciadores digitais do país? Você é formada em jornalismo e psicologia. Essas duas áreas ajudaram de alguma maneira a conquistar esse mercado?
Fátima Pissarra |Com certeza. Fiz psicologia já depois de formada, mas o jornalismo é uma área ampla, a gente aprende a falar com todo mundo. A minha faculdade era a Universidade Federal de Santa Catarina e na época, em 1996, ainda estavam fazendo testes de internet. Eles soltaram uns cartazes na faculdade perguntando se alguém conhecia pessoas fora do Brasil que tivessem e-mail. Eu tenho um irmão, que na época trabalhava na Microsoft, e entrei no grupo de teste. Me deram um disquete, um modem e eu tinha que conectar e ir em encontros periódicos. Comecei a trabalhar com internet desde o dia 1, praticamente. Trabalhei numa agência de marketing digital na Bahia, fiz intranet na Telemar e depois na BCP, em São Paulo. A história com a música começou na Nokia, onde lancei produtos digitais e ringtones. Meu chefe na Nokia, que ficava em Nova York, foi para a Vevo e me chamou para abrir a operação no Brasil. Foi quando comecei a empreender. A gente colocou o Luan Santana para fazer um ensaio num avião da Gol, trouxemos a Demi Lovato, Fifth Harmony, Adam Levine, Steven Tyler… Nessa época, já trabalhava com a Preta Gil em vários projetos e um dia ela falou: “Por que você não agencia artistas também?” Ela disse que não tinha quem fizesse isso no universo de música. Eu falei: “Só se você for minha sócia”, e ela topou. Abrimos a Mynd para agenciamento de cantores. Seis meses depois, a Preta disse que tinha vários amigos não cantores querendo vir para a agência e que devíamos ampliar. Hoje somos a maior agência de projetos de música do mercado, de entretenimento e marketing de influência também.
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G |A sua primeira cliente na Mynd foi a Pabllo Vittar e o primeiro grande evento um show fora do line-up oficial do Rock in Rio para um banco, em 2017. Foi uma aposta ou vocês já tinham mapeado ali que havia uma lacuna desse tipo de ação?
FP |Estávamos no palco do Itaú, o que já era uma quebra de paradigma, um banco colocar uma drag queen para cantar. Era para ser um pocket show, uma marca fazendo uma ação com a Pabllo no dia do show da Lady Gaga, quase como uma homenagem. Quando a Lady Gaga cancelou o show, as 100 mil pessoas que estavam no palco principal viraram para o palco do Itaú. Foi uma coisa que eu nunca vi na vida! E a Pabllo é aquela explosão, né? Virou a atração, explodiu para além do nicho e depois disso a gente só colecionou hits.
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G |De lá pra cá, já são quase 250 artistas e influenciadores agenciados. Qual é a estratégia da Mynd para atrair tanta gente?
FP |A gente faz o que é contratado para fazer, o que é raro. Nosso trabalho é “linkar” o artista, o influenciador, à marca. Montamos um esquema de venda, de oferta de projetos, não esperamos o telefone tocar. O que a gente fecha para o artista, 98% é proativo. Acho que isso é um dos carros-chefes. A gente dá muito treinamento, temos contato direto com o Instagram, TikTok, Facebook, Twitter, para que eles cresçam em engajamento e vendam mais. Eles podem recusar job, óbvio, não são obrigados. Nós trabalhamos com um modelo muito inovador, os nossos agenciados são exclusivos, mas por contrato podem sair a qualquer momento. Como somos muito transparentes com o artista, é um lugar em que ele se sente seguro. Acho que isso é a chave do sucesso. São pouquíssimos os casos de pessoas que saíram.
A gente é muito transparente com o artista, é um lugar em que ele se sente seguro. Acho que isso é a chave do sucesso
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G |Com a pandemia, passamos a ouvir falar muito num tipo diferente de influência, em que as muitas “publis” e a vida de ostentação nas redes dariam lugar a posicionamentos e discursos mais genuínos. Mudou a maneira de fazer conteúdo?
FP |O que aconteceu é que, presas em casa, as pessoas começaram a produzir mais conteúdo, mas [a cobrança] sobre posicionamento é como antes. É claro que aí tem questões que causam mais polêmica pelo momento que estamos vivendo. Com a pandemia, essa cobrança do dia a dia se intensificou porque você podia pegar a doença e passar para alguém que podia morrer, né? As cobranças aumentaram em ser contra certas atitudes e em defesa da saúde. Ao mesmo tempo, vimos um crescimento do mercado imobiliário, da construção, ou seja, o consumo continuou bombando. As pessoas ficaram mais dentro de casa e perceberam que as cadeiras que elas sentavam não eram agradáveis para passar o dia inteiro trabalhando, então compraram outra, em vez de ficar ostentando roupa nova. Foi um aprendizado mais inerente ao momento.
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G |Você já disse que não teria rompido o contrato com a Karol Conká após a rejeição que ela enfrentou no “BBB”. Todos os cancelamentos de artistas são contornáveis?
FP |Não tenho como afirmar que são, depende da gravidade. Um caso como o do DJ Ivis, por exemplo, acho que é incontornável. Mas de qualquer forma a nossa postura não é a de abandonar a pessoa caso tenha algum problema e, sim, de tentar ajudar, desenvolver, ensinar. A gente tem um trabalho prévio muito grande de entender quem são as pessoas e sobre o cuidado com certas falas, atitudes, relacionamentos. Na Mynd, somos especialistas em gestão de crise. A gente começou com a Pabllo e logo na sequência veio a Cleo. Ela foi um grande aprendizado porque, quando ainda nem existia Instagram, já tinha crise para administrar. Você começa a ver como as pessoas são taxadas, como são canceladas vítimas de opiniões erradas, mentirosas, fake news… E ela é muito experiente em lidar com essas coisas, ensinou muito pra gente. Depois, temos Luisa Sonza, GKay, um cast de diversidade muito grande.
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G |Por falar em elenco diverso, vocês têm agenciados que vão de Galvão Bueno a Pequena Lô. Existe alguma habilidade indispensável para se tornar um influenciador?
FP |A gente é apaixonado por todos os agenciados, seja os que chegaram por mim ou pelos diretores artísticos. Alguém começa a seguir e fala: “É muito bom esse conteúdo, me convenceu”. A Preta manda post e diz: “Olha essa menina, ela vai explodir, a gente tem que pegar, é muito criativa”. A gente brinca que temos que nos apaixonar pra pessoa vir pra Mynd. Quando a gente trouxe o Esse Menino e a Karen Kardasha, as pessoas dentro da Mynd seguiam eles com 30 mil, 40 mil seguidores. A Camilla de Lucas veio com 80 mil seguidores, a Pepita, com 50 mil. A gente abraça a pessoa, se envolve emocionalmente para junto com ela fazer explodir. Estamos falando sobre a vida das pessoas, o que elas querem fazer. Se a gente não se apaixonar, não faz sentido. Temos que olhar o conteúdo e falar: “Nossa, ele é muito inteligente, inovador, pensa na frente, sabe se comunicar com o target…” Vemos esses fatores e dá certo.
Não tenho como afirmar que todo cancelamento é contornável, depende da gravidade. Um caso como o do DJ Ivis, por exemplo, é incontornável
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G |No ambiente tão polarizado que vivemos hoje, inclusive com personalidades que se posicionam contra a vacina, vocês recusam clientes?
FP |Nunca aconteceu sermos buscados por pessoas que não têm a ver com os nossos valores e a nossa cultura. Acaba que, como a Preta é sócia da empresa, tem muita procura de pessoas afins, que já conhecem como a Preta se posiciona e nos procuram por causa dela. Então, até hoje, não aconteceu de alguém vir e a gente falar: “Você não tem nossos valores, não vai ser aceito”.
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G |A empresa se orgulha muito de fazer ações sobre diversidade e de ter uma composição diversa, com 50% dos funcionários negros. Num período de tantos retrocessos, essa é uma tendência de mercado irreversível?
FP |A gente fez essa mudança logo que a Preta entrou porque entendemos que era importante ser uma empresa diversa não só da porta pra fora. Não adiantava ter Pabllo Vittar, ter a Preta, se na empresa todos os colaboradores eram branquinhos, héteros, padrão. É uma tendência, mas não foi uma tarefa fácil. Partimos para um modelo de contratação americano, que é voltado para skills [habilidades] e não para experiência anterior no segmento. Não podíamos querer contratar pessoas pretas com experiência em agências de publicidade porque não tinha. Se fizesse isso, eu não iria contratar ninguém. Então fomos por características, que é o modelo que eu acredito mais. Se você é bom vendedor, vende remédio, sofá, bala, qualquer coisa. Tem uma pessoa que trabalha com a gente no financeiro que eu conheci na academia, fazendo inscrição. Ela era tão organizada que eu falei: “Você não quer trabalhar comigo?” É uma tendência que deveria ser irreversível e deveria acontecer cada vez mais, não só na questão de raça como na de gênero, de ter mulheres em altos cargos, de regionalidade… Estamos preocupados em não só ter essa representatividade como levar para o mercado essa realidade e ajudar que se desenvolva.
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G |Você já comentou que está em todos os 250 grupos de WhatsApp dos clientes. É possível atender todos e ainda ter uma vida offline?
FP |Estou em todos os grupos. Em 15 minutos, junta umas 400 mil mensagens, mas eu consigo sim. Acabei criando uma leitura dinâmica, sei o que está acontecendo nos grupos. E tenho três filhos, consigo levar na escola, ajudar na lição. A questão é que eu sou muito apaixonada pelo meu trabalho. Então o exemplo que eu quero passar para eles é que trabalho não é uma coisa ruim. Sempre me questionei, desde jovem: “Por que eu tenho que assistir à novela e não posso ficar trabalhando?” Eu tinha prazer, para mim descansar era trabalhar, fazer powerpoint, criar projeto. Era isso que eu queria passar para meus filhos: que é possível você estar realizado com o que está fazendo. Se eu estou falando com um artista às 23h, estou feliz fazendo isso com dois filhos pendurados, um gritando. Eu vou falando nos grupos e o povo fica impressionado. Criei uma dinâmica. Não sei como, mas criei.
Sempre me questionei, desde jovem: ‘Por que eu tenho que assistir à novela e não posso ficar trabalhando?’ Para mim, descansar era fazer powerpoint, criar projeto
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G |O que te influencia hoje em dia? Você contrata pessoas que conhece como seguidora?
FP |Sim. Por exemplo, tem uma influenciadora, a Cris Castro, de make e skincare. Eu fui impactada por ela em algum momento de pesquisa e queria comprar tudo o que ela falava. Falei: “Tenho que trazer ela pra cá, é muito boa!” A minha sobrinha falou que eu tinha que conhecer o Ivan Baron, que é um influenciador PCD que ensina o certo e o errado sobre deficiência. Comecei a seguir e mandei mensagem dizendo como ele é incrível. E vira agenciado, todo mundo. Agora mesmo, nas Olimpíadas, vi uma notícia de uma velocista que estava recebendo metade do salário do clube por conta da pandemia, sem nenhum patrocínio e aí você entra e vê que a menina tem um perfil incrível, linda, atleta e fala: “Por que não?” Então é um pouco de toda informação que passa no nosso radar, não só quem eu sigo, mas por quem eu sou impactada. São histórias legais, de gente que podemos ajudar a fazer uma diferença na vida. Não é uma questão de volume de seguidor, é mensagem, diversidade, respeito. As marcas estão procurando muito isso e nós buscamos perfis dentro do que a gente sabe que dá endosso, credibilidade.
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G |Que futuro você vê na carreira de influenciador? O que vem depois do Instagram e do Tik Tok?
FP |Acho que a gente está no começo ainda do digital. Estamos num país que não tem inclusão digital. Você sai de São Paulo, o celular não pega mais, praticamente. Eu sou do interior do Paraná e não tem 4G lá. As verbas de digital são muito pequenas. A notícia boa é: só vai crescer. Enxergamos um futuro de grande crescimento do mercado e estamos sempre prestando atenção nas tendências, acompanhando as inovações, buscando informação. Acredito em uma igualdade dos meios para investimentos publicitários, que hoje ainda estão muito concentrados na televisão. Claro, com uma propaganda no intervalo do “BBB” você fala com quase 100% do país, não tem uma pessoa que não saiba o nome da Juliette no Brasil hoje. Mas com o tempo, a inclusão digital e o desenvolvimento tecnológico, a gente vai ter uma maior equiparação.
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