Conheça histórias de professores que mudaram vidas — Gama Revista
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Depoimento

Professores que mudaram vidas

O neurocientista Sidarta Ribeiro, o escritor Fabrício Corsaletti, o advogado Thiago Amparo, a atriz Amanda Lyra e outros contam sobre mentores extraordinários que alteraram seus caminhos

Manuela Stelzer 10 de Outubro de 2021

Professores que mudaram vidas

Manuela Stelzer 10 de Outubro de 2021
GraphicaArtis via Getty Images

O neurocientista Sidarta Ribeiro, o escritor Fabrício Corsaletti, o advogado Thiago Amparo, a atriz Amanda Lyra e outros contam sobre mentores extraordinários que alteraram seus caminhos

Talvez um dos mais memoráveis professores da ficção seja John Keating, interpretado por Robin Williams no longa “Sociedade dos Poetas Mortos” (1990). Ao subir em cima de mesas, declamar poemas e brincar com os alunos em sala, Keating não era apenas uma crítica viva dos métodos ortodoxos utilizados em escolas preparatórias da época — era também um exemplo de que professores transformam vidas.

No mundo real, os mestres inspiradores são aqueles que incentivam, apoiam, transmitem segurança. Pesquisas comprovam a tese: um psicólogo de Harvard, em um experimento feito em uma escola da Califórnia, nos EUA, descobriu que quanto maior a expectativa de um professor sobre um aluno, melhor seria seu desempenho. Isso se dá porque a expectativa do professor fazia com que ele tivesse mais paciência para ouvir as respostas do aluno, além de dar feedbacks específicos, sorrir mais e prestar atenção às crianças. “Não é mágica”, disse o psicólogo que conduziu a pesquisa, em 2012.

Gama perguntou a diferentes personalidades qual foi o professor que marcou suas vidas e porquê. As respostas estão em linha com os resultados da pesquisa de Harvard: mentores que confiam, aconselham e estimulam seus alunos reservam, em cada um deles, uma herança e um apreço sem tamanho.

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    Arquivo pessoal

    Descer do pedestal e ensinar com paixão

    Christian Dunker, psicanalista

    “Estudei no colégio Visconde Porto Seguro, de tradição alemã. Era um colégio austero, rígido. Era péssimo aluno, repeti de ano, pegava recuperações. E encontrei uma pessoa que mudou minha vida naquele momento: a professora Isa Maria Aparecida. Vendo que lia muito Jorge Amado, que depois se transformou num gosto por títulos policiais também, ela estimulou que eu e outros amigos começássemos um clube de leitura. Trocávamos e escrevíamos opiniões sobre o que líamos. E para aquele cara que só tirava notas vermelhas, como se dizia na época, me lembro de um momento inesquecível em que ela pegou uma redação minha e disse que estava bacana. Sabe aquela pessoa que te tira do buraco com duas palavras? Continuamos nos encontrando ao longo do colegial, ela sempre tinha uma palavra amiga, perguntava o que estava lendo. Era uma professora que saía do pedestal, mostrava para os alunos que era tão ser humano quanto qualquer um deles.
    Já na faculdade, o professor César Ades, que estudava psicologia comparada aos animais, me encantou. Era especialista em aranhas. Nunca fui fascinado por bichos, mas eu era fascinado pelo César. Ele conseguia transmitir para a turma, e para mim em particular, um gosto pela ciência, a alegria pela pesquisa, coisa que raramente vi em outros lugares. Mostrou que a ciência não combina com arrogância, orgulho. Ele ensinava de forma simples, carregava esse espírito da investigação. Aprendi a dizer sim para a vida e para a pesquisa com ele.”

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    Divulgação/Arquivo pessoal

    Acalmar e compreender

    João Pedrosa, professor e participante da última edição do BBB

    “Na maioria dos casos, pessoas se tornam professores por causa de uma inspiração. E na minha história existe algo bem parecido. Não consigo afirmar que uma figura em específico seja a responsável. Muitas pessoas, durante a minha trajetória, contribuíram para o profissional que me tornei hoje. Desde minha família, repleta de professores, até aqueles que me incentivaram a gostar de Geografia, dez anos atrás. Mas devo deixar um carinho especial à professora Carla, que no Ensino Médio, enquanto respirava insatisfação por muitas coisas do mundo, me ajudou a ter calma e a compreender nossa realidade. Algo que hoje faço e exercito em todos os momentos do meu dia.”

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    Tuanny Medeiros/Arquivo pessoal

    Lutar por uma história

    Cleissa Regina, roteirista

    “Na quarta série, a vice-diretora da minha escola, Denise, reuniu alguns alunos para dar aulas de preparação para provas. Na época, a escola em que estudava, uma pública de bairro, iria acabar naquele ano, e precisávamos aplicar para outras instituições. No Rio, temos algumas públicas muito boas, as federais, como o Colégio Militar e o Pedro II. Estudei e fiz essas aulas preparatórias com a Denise, e prestei para o Militar, mas não passei. Fiquei muito chateada, disse que não iria mais prestar. Mas ela disse que eu deveria tentar, que sentia que eu iria melhor na prova do Pedro II. E no fim, me inscrevi, passei. Pode parecer pequeno, mas estudar lá fez toda a diferença na minha vida, e foi por conta dessa professora.

    Também tive uma professora de ballet, Aline, por volta dos meus 7 anos. Era uma mulher negra, e ensinava postura, como deveríamos nos portar, nos apresentar. Na época, não se falava sobre representatividade como hoje, mas ela foi, inconscientemente, uma referência. Até hoje as pessoas comentam da minha postura, e lembro da Aline.

    Por fim, em 2014, tive um professor de roteiro cubano, Antonio Molina, que me deu aulas no Centro Afro Carioca de Cinema. Tínhamos um trabalho final no curso, e eu queria produzir um documentário, enquanto meus colegas queriam fazer ficção. Nem queria apresentar minha ideia, porque achava que ninguém ia querer seguir com ela. E esse professor me mostrou que eu poderia transformá-la. ‘Você tem que lutar pela sua história’, ele disse. Ali a chave virou. Como roteirista hoje, é isso que faço todos os dias: luto pela minha história.”

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    Arquivo pessoal

    Fazer da escrita um ofício

    Thiago Amparo, advogado e professor

    “A professora que mais impactou minha vida foi Sandra Viana, professora negra de português no meu colégio em Osasco, chamado Instituto Pio X, entre 2000-2003, se eu não me engano. Rígida, e extremamente competente, Sandra sempre me motivou a escrever além das atividades em sala, e me fez crer que era possível fazer da escrita um ofício. Deu no que deu. Lembro uma vez em que escrevi um soneto, depois de aprender sobre métrica na poesia. Sandra colocou o poema na lousa como exemplo de texto aos alunos. Até hoje eu guardo aquele momento com carinho e admiração.”

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    Arquivo pessoal

    Confiança e proximidade

    Fabrício Corsaletti, escritor

    “Maria Aparecida de Campos foi minha professora de gramática no Ensino Médio, durante três anos. Logo que entrei no colegial, em 1994, comecei a escrever poesia. Acabei mostrando alguns poemas meus numa aula de redação, acho, e as professoras de português vieram conversar comigo depois, a de literatura, a de redação, e essa de gramática. Imediatamente ali, a Maria Aparecida virou minha amiga. Passou a me emprestar livros, como a obra completa do Drummond e do Manuel Bandeira. O primeiro livro de poesia que ganhei de presente foi a obra completa da Adélia Prado, um presente dessa professora. Nossa relação dura até hoje, nos falamos sempre. Na época, escrevia cartas para ela, e entregava na escola, com muitos poemas, que escrevia todos os dias. Ela lia tudo, e ainda comentava. Marcávamos encontros, dentro e fora da escola, conversávamos sobre literatura e questões pessoais também. Ela me ouvia muito, acho que viu que eu estava numa fase de angústia e, ao mesmo tempo, fascínio pela escrita. A sensação que tenho é que ela é uma pessoa que jamais duvidou de mim, mesmo quando eu mesmo duvidei. É uma pessoa muito séria, no melhor sentido, inteligente e sensível. Competente como leitora, e muito delicada também. Ela nunca me tratou como alguém que estava começando — sempre me tratou como poeta. Essa ausência de dúvidas da parte dela me deu segurança. Fiquei mais forte em relação ao meu trabalho, e em fazer da escrita o eixo da minha vida. Meu primeiro livro de poesias [‘Movediço’ (Labortexto, 2001)], que publiquei aos 23 anos, dediquei à ela.”

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    Reprodução/Instagram: @camilaachutti

    Jamais desistir dos sonhos

    Camila Achutti, empreendedora e cientista da tecnologia

    “Ana Cristina Vieira de Mello, do Instituto de Matemática e Estatística da USP, foi minha professora na faculdade e me mostrou como podemos ensinar nos importando prioritariamente com o aprendizado dos alunos. Ela era extremamente capaz e cuidadosa com os estudantes e o conteúdo. Foi uma figura feminina que me mostrou possibilidades, poder e, mais do que isso, abraçou meus sonhos comigo, ainda que não necessariamente fossem ideias. Ao meu lado, criou uma área de pesquisa, sobre educação de tecnologia, que sequer existia no instituto, simplesmente por acreditar em mim. Apoiou minhas principais decisões profissionais, e me incentivou a perseguir meus sonhos.”

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    Jonathan Brasil/Arquivo pessoal

    Um novo olhar para o próprio trabalho

    Aline Chermoula, chef

    “Em um evento do Sesc, o Grite-me Negra, conheci dona Angélica Moreira. Ela foi convidada como docente para o evento, e eu mediei uma mesa de diálogos em que ela era a personalidade principal, para falar sobre comida e memória. Quando conheci a Angélica, eu já trabalhava com comida afro-contemporânea, que usa ingredientes africanos e valoriza histórias do continente, mas ainda não a chamava de afro-diaspórica. E foi ela quem lançou esse olhar para o meu trabalho. Para ser quem eu sou hoje, considero os ensinamentos da dona Angélica essenciais. Conversamos quase cotidianamente, apesar da distância, e ela me ensina a todo momento. É uma pessoa por quem tenho um apreço gigante. Minha homenagem é a ela, que transformou a forma como enxergo meu trabalho. Ela me abraçou como mentora. Disse que fortaleceríamos nossa cultura trabalhando juntas. Nunca recebi tamanho carinho e orientação.”

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    Luiza Mugnol Ugarte/Arquivo pessoal

    A importância da alegria

    Sidarta Ribeiro, neurocientista

    “Tive muitos mestres e mestras importantes, muitas referências. Mas a pessoa que eu gostaria de evocar aqui é a Tia Jô, minha professora na quarta série. Ela foi a pessoa que me estimulou, ao lado da minha mãe, a entrar em concursos literários. Comecei aos dez anos, e foram vários, ganhava menção honrosa. Depois, ganhei um prêmio, ganhei uma viagem. E isso criou em mim uma relação com a literatura que não era só de ler, mas também de escrever. Ela me incentivava demais. É uma pessoa maravilhosa, muito querida, positiva, e que me transformou. Durante a adolescência continuei escrevendo, até a vida adulta. Hoje sou um cientista que gosta muito de escrever e fazer literatura também. Com certeza Tia Jô foi fundamental para isso. Um episódio que me marcou foi quando ela me incentivou a entrar num concurso da então TV Brasília. Recebi o primeiro prêmio na redação e na prova, e fui selecionado para uma entrevista com um apresentador. Apareci na televisão, depois tive uma viagem para São Paulo. Tudo isso me marcou, já que eu tinha só dez anos, e de repente criei uma relação com a literatura que me trazia coisas muito legais. A sensação que ficou é de que eu poderia escrever, me expressar, e aquilo ser de interesse dos outros, que as pessoas iriam gostar. Foi uma época muito alegre da minha infância.”

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    Vitor Vieira/Arquivo pessoal

    Imaginar mundos e ter prazer com a literatura

    Amanda Lyra, atriz

    “Tive uma professora de literatura na oitava série, a Silvana, que foi uma das grandes responsáveis pelo amor que tenho pela área hoje. Lembro que ela tinha uma abordagem completamente diferente de como normalmente os professores abordavam o assunto, que era algo maçante, chato, aqueles livros de vestibular. E ela era uma apaixonada por literatura, era jovem, tinha outra energia para dar aula, um brilho no olhar. Ela realmente gostava de lecionar e isso era cativante. Lembro de algumas aulas em que ela pegou diversos poemas de amor, de Vinícius de Moraes a Florbela Espanca, e trabalhava isso com os alunos, um monte de adolescentes, apaixonados, com os hormônios à flor da pele. Ela aproximou a literatura da nossa vida. Todos tínhamos paixões avassaladoras e ela trazia a literatura para perto disso. Não venho de uma família de leitores, quase não tinham livros em casa, e lembro de começar a frequentar sebos e livrarias nessa época, atrás de títulos que me interessavam. Ela despertou em mim o prazer de ler, de imaginar mundos, e trazê-los para perto.”