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ReportagemSem capacitismo, com diálogo: o sexo de PCDs
Ativistas e influenciadores digitais falam a Gama sobre sexualidade e relações sexuais de pessoas com deficiência
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Sem capacitismo, com diálogo: o sexo de PCDs
Ativistas e influenciadores digitais falam a Gama sobre sexualidade e relações sexuais de pessoas com deficiência
Há um tabu quando se fala de sexo e sexualidade de pessoas com deficiência (PCDs). Não deveria. São temas que poderiam ser abordados com naturalidade, sem vetos. Isso porque existe um pensamento equivocado e carregado de preconceitos de que essa parcela da sociedade — 18,6 milhões, no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) — não consegue sentir nem proporcionar prazer.
A Lei Brasileira de Inclusão diz o contrário: “a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: casar-se e constituir união estável; exercer direitos sexuais e reprodutivos; exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária”.
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As limitações de uma pessoa com deficiência variam de caso a caso. Há quem tenha, por exemplo, a coordenação motora prejudicada, dificuldade de locomoção, falta de força muscular, de visão ou de audição. Alguns usam cadeira de rodas, caminham com muletas ou com o auxílio de bengalas. Já outros precisam viver acompanhados de um cilindro de oxigênio. Nada disso, porém, deve ser impeditivo para o sexo. Desde que haja respeito, consentimento e uma boa comunicação entre as partes, vale tudo.
É o que acredita Leandrinha Du Art, 28, fotógrafa e ativista pelos direitos das pessoas com deficiência e trans. Em abril de 2020, ela estourou nas redes sociais com uma série de posts sobre a questão. “Não há nada de novidade no sexo PCD, a performance pode mudar, mas o resultado, não; sexo será sempre sexo. E a base de uma boa foda é o diálogo”, escreveu na época. Leandrinha nasceu com a Síndrome de Larsen.
Para ampliar a discussão e aumentar a inclusão, Gama conversou com ativistas e influenciadores sobre dúvidas relacionadas ao sexo e à sexualidade de PCDs.
Não seja essa pessoa: capacitista
A nutricionista Ana Bianca Sessa, 29, que recentemente participou da terceira temporada do reality show “Casamento às Cegas”, da Netflix, tem uma má formação congênita na mão esquerda. Ela se descreve como uma “mulher real com deficiência” e conta que o capacitismo — caracterizado pela discriminação e preconceito contra PCDs — pode começar desde a paquera, com perguntas do tipo: “Mas o nosso sexo seria normal?” e “Não é estranho?”. Portanto, fuja de questionamentos e expressões pejorativas. “É preciso entender que não há limitações que impeçam a pessoa com deficiência de ter prazer. Todos têm o direito de se sentir desejado e amado”, fala.
Ana Clara Moniz, 23, é jornalista e criadora de conteúdo. Bissexual, a jovem influencer que nasceu com atrofia muscular espinhal (AME), doença genética rara caracterizada pela perda de massa muscular esquelética, já ouviu que a sua bissexualidade seria, na verdade, uma desculpa, já que “homens não teriam interesse em ficar” com ela pela deficiência, e com mulheres “uma possível relação seria mais fácil”. “Também já levei foras de pessoas que não quiseram se relacionar comigo por acharem que eu dependia muito de ajuda e elas teriam grandes responsabilidades”, revela.
Um conselho da influenciadora digital para ninguém cair no capacitismo é enxergar a individualidade do outro. “Pode ser que numa relação sexual a gente precise de uma ajuda ou faça alguma coisa um pouco diferente — e tudo bem. Conhecendo as singularidades de cada um e dialogando, facilita qualquer processo”, afirma. Para ela, não existe problema algum em perguntar se determinada posição é confortável ou se é necessário algum auxílio para fazer uma movimentação.
“A primeira coisa [para não ser capacitista] é entender que os corpos são diferentes e têm limitações”, discorre o criador de conteúdo para as redes sociais, apresentador e DJ Eduardo Victor, 23, o Dudu, rapaz LGBT com paralisia cerebral. Ele frisa que o sexo pode ser diverso, variando de pessoa para pessoa, seja ela com ou sem deficiência, e também comenta sobre a importância de desconstruir as idealizações — de tipos físicos, de relações, de performances — que a sociedade impõe.
“A atração não pode vir de um ideal que a gente constrói porque a realidade não é essa [dos filmes, dos corpos curvilíneos postados no Instagram]. Vivemos num país em que parte da população tem oficialmente alguma deficiência. Então, por que à sua volta não há pessoas com deficiência? Por que PCDs não recebem o seu afeto, o seu desejo sexual?”, questiona Dudu.
Muitas vezes, de acordo com Dudu, existe um tabu maior em relação ao sexo das PCDs que, dependendo de como abordado, chega ao capacitismo. O influenciador diz que já foi perguntado sobre como iria transar tendo paralisia cerebral.
“Já escutei: ‘Como é que a gente vai fazer? Porque você tem as suas limitações’. Mas qual ser humano não tem limitações? Todo mundo tem. Por isso, eu acho que a pornografia é um grande problema porque ela cria vários padrões que os corpos não sustentam. E aí, consequentemente, os corpos com deficiência são mais excluídos ainda. Acho que se desconstruir desse ideal do que é o sexo e do que é o prazer é a grande virada de chave”, conclui.
O diálogo é essencial
Para se chegar ao ato sexual, o diálogo é fundamental. “Para que esse estágio de troca de energia aconteça, é preciso de uma conversa, de uma conexão e, nessa fase, eu já falo sobre a minha deficiência”, diz Ana Bianca Bessa. “Gosto sempre de ter uma conversa antes para que ambos se sintam à vontade naquele momento. Sem dúvidas do que pode, do que não pode. Acho importante até mesmo entre pessoas sem deficiência. Mesmo com a conversa, se algo acontecer, dá para ajustar. O importante é o resultado final.”
“Tem gente que não quer perguntar nada para as pessoas com deficiência e já vão fazendo as coisas de um jeito, pegando de outra forma, tentando ajudar com algum movimento, mas não sabemos sobre tudo, sobre como funciona o corpo do outro. Então, dialogar é o melhor caminho”, reforça Ana Clara Moniz.
Nas postagens a respeito do tema, Leandrinha Du Art também deu a dica: “PCD não tem a mesma agilidade, flexibilidade e estabilidade corporal de um ator ou de uma atriz de filmes adultos. Então, crie seu próprio Kama Sutra e descubra junto se será necessário adaptar o sexo oral. Mas como, tia? Conversando!”, escreve a ativista de forma bem-humorada.
A sociedade não espera que pessoas com deficiência tenham uma vida sexual ou que sintam atração e queiram se relacionar sexualmente com outras pessoas
Chega de tabu!
“A sociedade, no geral, não espera que pessoas com deficiência tenham uma vida sexual ou que sintam atração e queiram se relacionar sexualmente com outras pessoas”, inicia Moniz. Ela confidencia que “esse papo proibido”, acontece não só com PCDs LGBT, mas também com “PCDs heterossexuais ou de qualquer orientação sexual”. “Vejo isso nas minhas próprias relações sociais. De repente, você está num grupo de amigas conversando sobre isso, mas a conversa nunca vem para você, nunca perguntam sobre sexo para você. O tabu começa aí, a gente não fala sobre.”
Essa censura, esse medo ou essa possível falta de interesse em colocar o PCD no centro do debate sexual, até mesmo numa roda de amigos, conforme explica Moniz, causa diversas inseguranças na pessoa com deficiência.
“Eu, por exemplo, por nunca ter falado sobre, por nunca fazer parte do assunto, muitas vezes achei que não teria uma vida sexual ou que eu não poderia me relacionar com as pessoas com quem eu quisesse me relacionar. Para a gente, é muito difícil quebrar isso, porque todo mundo acredita nesse padrão. Agora, com 23 anos, eu estou começando a quebrar esse preconceito na minha cabeça de coisas que ficam no inconsciente porque existe muito, muito, muito tabu, em todos os níveis”, desabafa a influencer.
Já para Ana Bianca Sessa, o sexo não é um tabu, embora “as pessoas tenham muitos tabus sobre sexo, não só no sexo de pessoas com deficiência”. “No meu caso, a deficiência está na mão, então, nunca tive nenhuma questão ali naquele momento mais íntimo. Mas é necessário entender que entre quatro paredes, com essa troca de energia, não deve existir tabu. Ambos devem se sentir livres, amados e com prazer.”
Autoestima e autoconhecimento: dupla de milhões
Para Eduardo Victor, o fato de ele ser bem resolvido com a própria sexualidade causa um estranhamento e, por isso, é uma grande quebra de paradigmas. “Esse sentimento de afirmação serve para as pessoas entenderem que os nossos corpos também são possíveis de serem desejados e amados, e que podemos nos sentir confortáveis com o nosso corpo, assim como o outro também quer se sentir.”
Bianca Sessa conta ainda que a autoestima e o autoconhecimento em dia ajudam muito a ter uma vida sexual saudável. Para a nutricionista, é importante “saber o que você gosta, como gosta, conhecer o seu corpo, amar o seu corpo. Cuidar disso, torna o momento muito mais leve, sem tabus, sem aquela preocupação de luz acesa ou apagada, sabe?”.
Os nossos corpos também são possíveis de serem desejados e amados
“Hoje, eu busco quebrar isso, seja criando conteúdo, conversando com outras pessoas com deficiência, falando sobre a minha sexualidade abertamente, porque para mim não é uma questão. Gosto de falar sobre o meu corpo, gosto de falar sobre as coisas que eu gosto de fazer, sobre como eu gosto de me relacionar. E acho que tudo isso faz parte de uma mudança externa que vai ajudando a nos mudar também internamente, meio que paralelamente junto, expõe Dudu.
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