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ConversasMaria Mello, do Alana: "É uma geração que está completamente exposta"
O compartilhamento de fotos de crianças e adolescentes nas redes é responsabilidade não só dos pais, mas das redes sociais e de anunciantes, afirma coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana
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Maria Mello, do Alana: “É uma geração que está completamente exposta”
O compartilhamento de fotos de crianças e adolescentes nas redes é responsabilidade não só dos pais, mas das redes sociais e de anunciantes, afirma coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana
Desde que o mundo é mundo, é comum que pais e mãe se derretam com a fofura de seus filhos. Especialmente naquele auge, quando eles falam frases espirituosas e inimagináveis para sua pouca experiência ou imitam gestos dos adultos com uma interpretação digna de Oscar. Até os anos 2000, era comum que as histórias fossem compartilhadas de maneira oral com as imagens estáticas trazidas na carteira. Hoje, temos o apoio da tecnologia para nos gabar dos nossos descendentes. Mas bem menos controle também.
Quem está vendo o vídeo fofo do seu filho? O que ele vai fazer com isso? Seu filho sabe que você está compartilhando? Ele entende o que isso significa? Que tipo de reações ele pode receber de quem vê as postagens?
Com base nessas preocupações e em outras, tem gente decidindo não mostrar nada do filho. É o caso da cantora Sandy, que nesta semana declarou que não posta o rosto do filho Theo, de 9 anos, porque quer que a decisão de aparecer ou não seja dele.
Segundo a coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, Maria Mello, estamos deixando a infância das crianças e adolescentes completamente rastreável. “Esse rastro digital gera muitos dados que podem ser usados para milhões de coisas, inclusive no futuro”, afirma em entrevista a Gama.

Divulgação
Mello afirma que a discussão sobre o “sharenting”, neologismo que une share (compartilhar) a parenting (parentalidade), envolve o debate sobre liberdade de expressão, segurança de dados e até o modelo capitalista das redes sociais: afinal, quanto mais os posts engajam, mais as plataformas ganham dinheiro. E nem sempre a responsabilidade é só dos pais, mas das redes e até dos anunciantes. Ela aponta ainda para uma relação complexa entre a presença nas redes sociais e o trabalho infantil:
“Vale refletir sobre como algo que começa como uma brincadeira daqui a pouco leva a criança a receber produtos para expor na sua rede. De repente ela está trabalhando sem que ela ou a família perceba”, afirma na entrevista abaixo.
Crianças e adolescentes têm uma hipervulnerabilidade no ambiente digital
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G |Como resolver a vaidade de pais e mães que querem mostrar seus filhos nas redes sociais?
Maria Mello |Há uma discussão relativa à liberdade de expressão das famílias e ao direito de imagem das crianças. E é importante humanizar esse debate: o desejo do compartilhamento é inerente aos seres humanos. Agora, o problema é que esse fenômeno ganha escala por ser respaldado por um modelo de negócios (das plataformas digitais), que faz com que a gente o repita muito. É aí que mora o problema. Há uma série de riscos que já são discutidos, a OCDE até os elencou, de quando as crianças são expostas, como a exploração comercial, o bullying e o uso inapropriado de imagem. São fenômenos extremamente preocupantes e nós precisamos nos cercar de informações a respeito deles. A premissa fundamental é entender que crianças e adolescentes têm uma hipervulnerabilidade no ambiente digital. A discussão deveria ser então também sobre o modelo de negócios do capitalismo de vigilância, que faz com que a gente hipercompartilhe para que esses conteúdos gerem engajamento.
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G |Por que pode ser perigoso compartilhar fotos dos filhos em redes sociais?
MM |Há ameaças à privacidade deles e eles estão lá sem saber como é que os dados deles estão sendo usados. Muitas vezes isso não está descrito em nenhum lugar ou está escrito de uma forma muito difícil de ser acessar. E há ainda os problemas mais explícitos, os casos de uso de imagem para exploração sexual; a exploração comercial; as questões de segurança e até sequestro, quando você posta a imagem da criança que mostra onde é a escola em que ela estuda; a pedofilia; o roubo de identidade, em que há o uso da imagem da criança para se passar por outra e praticar interações diversas, às vezes ilegais. Os outros riscos têm a ver com o uso de dados para fingir publicidade, notar um padrão de comportamento, e começar a receber um conteúdo superdirecionado. Isso afeta as crianças de uma forma muito mais nociva e maléfica por conta da sua hipervulnerabilidade. Os dados dessas crianças passam a ser usados para fins diversos.
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G |Há diferentes níveis de vulnerabilidade entre as crianças?
MM |A pesquisadora britânica Sonia Livingstone da Inglaterra traz muitas problematizações para esse debate e fala, por exemplo, de pais e mães de crianças com algum nível de deficiência. Aqui há uma sobreposição de vulnerabilidades. É uma situação bastante complexa quando pensamos nas famílias que querem discutir, por exemplo, as questões de Síndrome de Down e que querem mostrar que seus filhos são sujeitos de direitos que podem ter autonomia sobre uma série de aspectos da vida. Eles querem discutir isso a partir de um lugar político legítimo. Por isso é importante afirmar que há diferentes demandas e muitas questões éticas. É uma responsabilidade compartilhada, não se pode colocar somente nas costas de mães e pais a responsabilidade por esses riscos.
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G |Além das plataformas e dos pais, quem mais pode responder pela segurança de dados e de imagens de crianças no caso do sharenting?
MM |A responsabilidade é das plataformas digitais sobretudo e muitas vezes dos anunciantes, porque esse compartilhamento excessivo pode desaguar no fenômeno de influenciadores digitais mirins, que acabam tendo relação com anunciantes, quando os perfis são usados como veículos de publicidade, as crianças fazendo unboxing por exemplo. Então as empresas também precisam se responsabilizar. Nas redes sociais, nos termos de uso, há uma vedação para o acesso a pessoas com menos de 13 anos, mas há pesquisas que mostram que há vários anos, no Brasil, crianças de 9 a 17 anos estão nas redes sociais.
Estamos sendo justos com as nossas crianças e adolescentes, fazendo com que tenham uma infância inteira rastreável?
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G |Que novos riscos a inteligência artificial pode trazer para as crianças?
MM |Já temos denúncia de inteligência artificial que se utiliza de imagem de criança para fins de pedofilia. Precisamos olhar com muita urgência para padrões regulatóri