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Mariana Simonetti

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Reportagem

Dá para viver de podcast?

O mercado brasileiro de podcast está em plena expansão. De grandes plataformas de áudio aos produtores independentes, todos querem uma fatia do bolo. Mas será que há espaço para tanta gente?

Daniel Vila Nova 27 de Fevereiro de 2022

Dá para viver de podcast?

Daniel Vila Nova 27 de Fevereiro de 2022
Mariana Simonetti

O mercado brasileiro de podcast está em plena expansão. De grandes plataformas de áudio aos produtores independentes, todos querem uma fatia do bolo. Mas será que há espaço para tanta gente?

Durante anos, o podcast no Brasil mais parecia uma seita. Os amantes da mídia não eram volumosos, mas dedicavam uma paixão fervorosa aos arquivos de áudio distribuídos via feed rss. Como toda seita, o mantra central dos fiéis era sedutor: “Este será o ano do podcast”, eles diziam a cada 12 meses. A fala foi repetida tantas vezes que se tornou uma espécie de piada interna entre os produtores nacionais.

Se nos EUA as produções eram bem mais profissionais e rentáveis, no Brasil a mídia sobrevivia com alguns poucos programas de sucesso. Viver de podcast no país era impensável para a esmagadora maioria. Quinze anos depois do surgimento do formato no país, o ano do podcast finalmente chegou.

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Entre 2018 e 2019, a entrada de grandes plataformas no mercado brasileiro expandiu de maneira agressiva o negócio local. Essa mídia, que sempre cresceu de maneira constante e lenta no país, deu um grande salto de popularidade nos últimos três anos. A grande exposição fez com que novos consumidores e produtores se interessassem pelo formato e o mercado cresceu como nunca havia crescido antes.

De acordo com a PodPesquisa Produtor 2020/2021, realizada pela Abpod (Associação Brasileira de Podcasters), 70,3% dos produtores de podcast no Brasil iniciaram seus programas depois de 2018. A estimativa da Abpod é de que existam até 34,6 milhões de ouvintes no Brasil. De acordo com o Spotify, o país já é o segundo maior mercado de áudio do mundo.

Em 2022, existem inúmeras maneiras de ganhar dinheiro com podcast no Brasil. De grandes plataformas de áudio aos produtores independentes, todos buscam uma fatia do bolo que não parece parar de crescer. Mas será que há espaço para todo mundo?

Entre novos formatos de programa, amadurecimento do mercado nacional e a dificuldade de monetização por parte de pequenos criadores de conteúdo, nunca se ouviu e se falou tanto sobre a o tema no país. Gama conversou com produtores para entender se é possível viver de podcast.

Do Alfa ao Lambda

Se o podcast fosse uma pessoa, ele estaria tomando seus primeiros goles de cerveja no ano de 2022. Criado em 2004, o formato existe há 18 anos e, apesar de seu recente sucesso, tem uma longa história. O debate sobre qual foi o primeiro podcast da história é cheio de nuances, mas não demorou muito para que a nova mídia fosse notada. Ainda em 2004, um jornalista inglês nomeou o novo formato como “podcast”. Em 2005, o termo foi eleito como a palavra do ano pelo Dicionário de Oxford.

Enquanto nos EUA e no Reino Unido a produção e debate sobre podcasts era feito de maneira profissional, no Brasil as coisas eram diferentes. O primeiro programa brasileiro – Digitalminds – também surgiu em 2004, mas a sua produção era caseira. “A diferença do mercado norte-americano para o nosso é que lá o podcast já nasce como negócio.” Quem afirma isso é Cris Bartis, apresentadora do Mamilos Podcast e uma das fundadoras da B9 Company, uma das primeiras produtoras de podcast no Brasil. Bartis aponta a NPR, rádio pública americana, como um dos grandes fatores para a diferenciação dos mercados. “Eles criaram, com muita estrutura e investimento, programas exclusivos para a web. No Brasil, esse movimento aconteceu de forma amadora.”

Um mero gravador de voz e uma conexão com a internet são as únicas coisas necessárias para se postar um podcast na internet. A barreira de entrada simples do formato atraiu curiosos de todo o Brasil. “A base de produtores no país sempre foi de pessoas amadoras. E eu não falo isso no sentido pejorativo, mas sim por serem pessoas que produzem a mídia por amor”, afirma Caio Corraini. Ele é jornalista e fundador da Maremoto, produtora paulista de podcasts.

Apesar do entusiasmo por parte de produtores amadores, manter um podcasts no ar dá bastante trabalho. Ao longo dos primeiros anos, foram inúmeros os programas que pararam de ser publicados devido ao fato de que seus criadores não tinham condições de continuar com o hobby. “São poucos os programas que começaram lá atrás e continuam até hoje”, diz Bartis. Os podcasts que, de alguma forma, conseguiram continuar existindo se tornaram referências. Entre os mais populares, um programa se destaca – o Nerdcast.

Criado por Alexandre Ottoni e Deive Pazos em 2006, o Nerdcast é uma mesa redonda sobre os mais variados temas geeks e nerds. “Por muito tempo, confundiu-se o formato do Nerdcast com o formato do podcast”, afirma Corraini. O sucesso do Nerdcast moldou a mídia no Brasil. Inspirados pelo sucesso do programa, outros podcasts adotavam as características do Nerdcast – o tipo de humor, o formato e a duração. Para se ter uma ideia do tamanho alcançado, em 2012 o Nerdcast recebeu o prêmio especial de hors concours de Podcast do Ano no prêmio YouPix. “A maior forma de homenagem é a cópia. O Nerdcast alcançou esse status e, quando as pessoas criavam seus podcasts, buscavam inspiração nos caras que estavam no topo”, relata Corraini.

A mesa redonda ainda é um dos formatos mais populares do país, mas as coisas começaram a mudar com o tempo. “Criamos o Mamilos em 2014 e, na época, era possível contar na mão os podcasts que existiam no país”, pontua Bartis. “Mas o Nerdcast e o Mamilos não eram o suficiente para consolidar o mercado.” Corraini aponta que, gradativamente, os produtores passaram a entender que nem todo o conteúdo precisava ser desenvolvido dessa maneira. “Havia espaço para mudar e inovar. Quando o mercado foi fomentado, ele atraiu novas pessoas e interesses. Formatos e assuntos inéditos foram consequência.”

Mariana Simonetti

2019: o ano do podcast

No mercado de edição de som há mais de 10 anos, Corraini já estava cansado de ter de explicar para clientes e colegas o que era um podcast. “Eu ia em reuniões com empresas e tinha que explicar tudo. Me sentia falando em grego antigo, ninguém entendia o que eu estava falando.” A época de falar que podcast é um “rádio online”, no entanto, chegou ao fim. A entrada de grandes plataformas como Google, Spotify e a Globo mudaram o jogo e popularizaram a mídia em uma escala nunca antes vista.

“Quando a Globo entra em um mercado, ela usa todas suas ferramentas de comunicação para impulsionar esse ecossistema”, diz Corraini. Para ele, um dos momentos mais marcantes foi o dia em que William Bonner explicou o que era um podcast em pleno Jornal Nacional. “O mercado nunca passou por crise ou por estagnação, mas a entrada de grande players como Globo e Spotify em 2019 fez com que ele explodisse. Hoje, vivemos em um período de pleno crescimento.”

Se no final de 2019 a produtora de Corraini empregava seis pessoas, os números só cresceram com o passar do tempo. Em 2020, a Maremoto tinha um quadro de funcionários de 15 pessoas. Em 2021, 27. E, atualmente, a produtora conta com 35 profissionais. O crescimento é tamanho que até mesmo profissionais de outras áreas estão sendo contratados por empresas de podcast. “Um jornalista, um roteirista, um dublador, um sonoplasta. O mercado está pedindo por profissionais com outros tipos de conhecimento”, afirma Corraini.

Quem tem um relato parecido é Cris Bartis. “Há cinco anos atrás, eu trabalhava em outro emprego e o Mamilos era um hobbie. Hoje, tenho uma empresa estabelecida, diversos programas, emprego muitas pessoas e sou parceira da Globo.” A mudança de postura das plataformas ajudou esse processo. Em 2019, o Spotify se declarou uma plataforma de áudio, não de música. O movimento deixou bem claro que o Spotify, assim como as outras empresas, brigavam para ser a “casa do podcast”.

“A aglutinação de podcasts em grandes plataformas mexe com o mercado. Como uma marca escolhe qual podcast ela deve patrocinar? A partir da curadoria de uma plataforma”, afirma Bartis. Para Corraini, a partir do momento em que o podcast passou a ser reconhecido como uma rentável mídia por plataformas e marcas, o processo de profissionalização do mercado cresceu. “Quando uma marca quer utilizar o seu serviço para promover um produto, você precisa ser profissional. Foi isso o que aconteceu”, afirma o jornalista.

Ele entende que as empresas não só sabem o que é um podcast como também são capazes de avaliar a melhor maneira de utilizar a nova mídia da forma mais efetiva possível dentro das próprias estratégias de comunicação. “Hoje, é possível encontrar os mais variados formatos abordando os mais variados assuntos”, relata Corraini.

Cris Bartis acredita que o podcast brasileiro está amadurecendo e construindo sua identidade no processo. “Os formatos de mesa redonda e de entrevista já estão consolidados, mas ainda há muito espaço para ser conquistado.”

Mas e aí, dá pra viver?

Quando o jornalista Gus Lanzetta estava escrevendo o livro “Ouvindo vozes: Como criar um podcast de sucesso e ainda ganhar dinheiro com isso” (Planeta, 2021) , seu objetivo era simples – reunir todo o seu conhecimento na área de produção de podcasts e responder as perguntas mais frequentes que ouvia quando ministrava palestras e cursos sobre o tema.

Lanzetta é criador da Half Deaf, uma das produtoras de podcasts pioneiras na produção de conteúdo nacional original para plataformas de áudio. “Hoje, o público de podcast é bem maior do que cinco anos atrás. Há também uma quantidade maior de plataformas interessadas na mídia. Isso atrai anunciantes.” Para Lanzetta, o fato do mercado atuar de forma profissional há alguns anos faz com que o ambiente seja sustentável.

Ele, no entanto, ainda acredita que existam enormes desafios para o pequeno criador. “É assim em qualquer lugar na internet, são poucos os produtores que podem viver exclusivamente do conteúdo online que produzem”, ele diz. “A grande maioria das pessoas vai gerar dinheiro para as plataformas, mas não vai ganhar nada em retorno.”

Na contramão de grandes empresas, novas plataformas de áudio utilizam uma remuneração mais generosa para os criadores de conteúdo como um chamariz para seus serviços. A Orelo, criada em 2020, é um aplicativo de podcasts que tem como missão “construir um novo modelo para o mercado criativo onde a arte, a cultura e jornalismo possam criar, publicar e se remunerar a partir das suas audiências, de suas comunidades.” A plataforma paga seus criadores de conteúdo por cada reprodução de podcast realizada no aplicativo e também oferece a oportunidade dos usuários pagos destinarem parte do valor de sua assinatura para um programa específico.

“A vantagem do podcast é que ele ainda não está preso em uma única plataforma, há diversas maneiras de monetizar esse conteúdo”, diz Lanzetta. Se o dinheiro revertido por empresas como o Spotify não é dos mais altos, o jornalista vê o financiamento coletivo como uma possível solução.

Déia Freitas, criadora do podcast Não Inviabilize, mantém uma página de financiamento coletivo. O apoio mensal custa R$ 10 e garante uma série de conteúdos exclusivos a quem assina o financiamento. “Acredito que esse seja o modelo mais rentável para um podcast. Mas é difícil, você tem que estabelecer uma conexão forte com o seu público e gerar conteúdo diário.”

De acordo com ela, o Não Inviabilize passou cerca de um ano com poucas assinaturas, ganhando notoriedade apenas depois de um bom tempo e de bastante trabalho. Hoje, Freitas reconhece que faz parte de um grupo de produtores de podcasts fora da curva. Seu programa, um dos mais ouvidos do país, não é parâmetro para a realidade do mercado. “Existem podcasts excelentes que não tem nenhum patrocínio, estamos falando de um mercado que ainda é desvalorizado”, ela pontua. “Os casos de sucesso são poucos, a maioria não consegue se sustentar.”

A falta de apoio por parte das plataformas de áudio torna a situação ainda mais difícil. Para Freitas, sem a divulgação de grandes plataformas, o sucesso de boa parte dos podcasts é relegado à sorte. Em suas redes sociais, a podcaster chegou a protestar contra o Spotify. “Por que alguns conteúdos muito bem aceitos pelo público não conseguem um retorno financeiro justo proporcionado pelas empresas, as famosas ‘pessoas jurídicas’?”, ela indagou. “Eu não tenho contrato com nenhuma plataforma de áudio, não sou remunerada por elas, nem ganho nada por play dado no meu conteúdo, mesmo tendo excelentes números, altos mesmo. Também não tenho uma procura tão grande das empresas por publicidade, mesmo performando bem e provando isso em números excelentes. É algo para se pensar…”

Para Cris Bartis, apresentadora do Mamilos, é muito difícil para quem está começando ter números para atrair anunciantes. “A pessoa que ganha muito dinheiro com o Spotify vai falar que dá para viver, mas não é assim para todo mundo.” Entre os podcasts mais escutados do Brasil e do Mundo, a esmagadora maioria é composta por programas que já tem alguns anos de estrada. “É um investimento gigante de tempo e de outros recursos, sempre tentando manter frequência e a consistência para angariar um público e se tornar atraente para um anunciante”, relata Bartis. “As pessoas só descobrem que o seu conteúdo existe quando ele aparece em uma plataforma.”

Ela entende que essa discussão, assim como a discussão de outras plataformas de trabalho digital como o Uber, é uma discussão sobre a precarização do trabalho. “O produtor de conteúdo é funcionário da plataforma. Você trabalha para uma lógica de algorítmico que não conhece. Nós precisamos de discussões novas, não dá para usar regulamentações que existem hoje para algo tão novo”, finaliza.