Conheça 8 cientistas negras brasileiras que fazem história — Gama Revista
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Repertório

Oito cientistas negras que fazem história

Da primeira física negra a se formar doutora no país, a pesquisadoras da nova geração, elas são grandes cientistas que quebram estereótipos e preconceitos ao ocupar lugares antes não destinados a elas

Dandara Franco e Daniel Vila Nova 31 de Janeiro de 2021

Oito cientistas negras que fazem história

Dandara Franco e Daniel Vila Nova 31 de Janeiro de 2021
Isabela Durão

Da primeira física negra a se formar doutora no país, a pesquisadoras da nova geração, elas são grandes cientistas que quebram estereótipos e preconceitos ao ocupar lugares antes não destinados a elas

“A exceção só serve para confirmar a regra. E que regras são essas, sociais e raciais, dentro da sociedade brasileira que, para alguns vencerem determinadas barreiras, é muito fácil? Aliás, alguns nem barreiras têm.” O questionamento é da escritora e professora Conceição Evaristo, e é facilmente aplicado a qualquer área onde mulheres negras atuem, principalmente em espaços majoritariamente representados de forma masculina e embranquecida. O próprio IBGE confirma: 68,6% dos cargos gerenciais são ocupados por pessoas brancas, mesmo que as pessoas negras ou pardas constituam a maior parte da força de trabalho no Brasil.

“Existem muitos modos de militância. E uma delas é estar em lugares em que não somos previstos”

De acordo com o instituto, as mulheres são mais do que a metade da população brasileira, também são maioria no ambiente de graduação e pós-graduação e têm a autoria de 72% dos artigos produzidos no país. Apesar da boa soma, o resultado não é sempre positivo: estudos sugerem que disciplinas com alta presença feminina não garantem às pesquisadoras vantagem para chegar ao topo da carreira ou ao quadro docente das universidades públicas.

Mesmo com o aumento de diálogo e debates sobre as desigualdades étnico-sociais e de gênero, ainda é notório a dificuldade do reconhecimento de mulheres negras no espaço científico. “Minha mãe sempre falava para mim e para a minha irmã que existem muitos modos de militância. E uma delas é estar em lugares em que não somos previstos. Falar isso com todas as letras quando se é tão novo acaba criando uma identidade que traz resiliência”, afirma a cientista Maria Augusta Arruda, brasileira que há 10 anos atua como pesquisadora na School of Life Sciences da Universidade de Nottingham, na Inglaterra, que — como as outras que listamos a seguir, que ajudou a abrir o caminho para tantas jovens que sonham em ser cientistas.

Maria Augusta Arruda

Bióloga e pesquisadora na School of Life Sciences da Universidade de Nottingham

“Queria muito fazer biotecnologia porque um dia vi no jornal uma matéria sobre engenharia genética. E fiquei ‘eu quero fazer isso!’. Um vizinho meu falou que o caminho mais rápido seria fazer biotecnologia na escola técnica. Fiz a prova, entrei. Então desde os 14, 15 anos eu estou dentro de um laboratório”, conta Maria Augusta Arruda. Ela é vencedora do prêmio para Mulheres na Ciência, na área de Ciências Biológicas, em 2008, e desenvolvedora de pesquisas na School of Life Sciences da Universidade de Nottingham.

Maria Arruda luta para que o ambiente científico possua cada vez mais representatividade, mas, antes de chegar em sua atual posição, passou por algumas complicações. “Sempre senti o racismo na academia, e continuo sentindo até hoje, mesmo que esteja mais distante e observando. Quando você é uma das primeiras, não tem conhecimento anterior das restrições que existem.”

Sempre senti o racismo na academia, e continuo sentindo até hoje, mesmo que esteja mais distante e observando

A maternidade também foi uma passagem presente na vida da cientista, que lidou com as questões que a própria academia tem com o tema. “Essa coisa de ir para congresso com filho embaixo do braço não existia. Hoje em dia é bonito, muitas amigas minhas tiveram filhos mais tarde e começou aquela coisa de ‘mães pela ciência”. Na minha época, onde eu passava era gente olhando de cara feia. Mas muitas pessoas começaram a mostrar que a mulher na academia não é um robô, ela não precisa se descaracterizar das suas prerrogativas.”

Para Maria, algumas etapas foram essenciais para uma transformação e para o aumento da visibilidade de mulheres negras na ciência. “Acho que duas coisas são primorosas no Brasil: as ações de democratização de espaços acadêmicos e científicos e o programa de iniciação científica. Dei aula quando a UERJ lançou o sistema de cotas. Tive o privilégio de dar aula para as primeiras turmas”, lembra.“Ouvia coisas horríveis dos meus colegas: ‘A gente vai ter que baixar os níveis das aulas’, queriam me cooptar a acreditar que essas pessoas vinham sem formação nenhuma. Hoje tenho várias ex-alunas que fizeram doutorado, são professoras da UFRJ, da UERJ”

Nina da Hora

Cientista da computação e hackerativista

“Nós, pessoas negras, fizemos e ainda fazemos parte da construção do pensamento acadêmico. Mas esse ambiente sempre é colocado como se não fosse pra nós. Logo na escola, comecei a me incomodar com a falta de representatividade, fiz um diário reunindo os cientistas negros e guardava comigo para entender qual era o nosso lugar. Acabou que eu juntei mais de 400 cientistas e, hoje transformei esse conteúdo em podcast, onde vou contando a história aos poucos.”

Nina da Hora, cientista da computação, pesquisadora na área de pensamento computacional, hacker antirracista, professora e podcaster no Ogunhê Podcast. Moradora da baixada fluminense, a jovem de 25 anos utiliza as suas habilidades para ampliar o universo de inclusão digital.

Nascida em uma família formada por mulheres professoras, Nina teve o apoio e estímulo necessários para seguir seu caminho.”Lembro que na infância e adolescência não faltaram livros em casa. Minha mãe me dava liberdade pra fazer os experimentos para que eu pudesse ir entendendo na prática os conceitos que aprendia na escola. Tinha a liberdade de abrir o aparelho de DVD em casa, por exemplo, para saber o que tinha dentro. A partir daí, fui entendendo cada vez mais desse lugar.”

Sobre a presença de pessoas negras na universidade, ela reforça que ainda há muito o que conquistar: “Hoje eu vejo algumas melhorias, principalmente em termos de ter mais professores negros, mais artigos e trabalhos sobre o nosso povo e toda a contribuição. Mas ainda sinto muita falta de acadêmicos negros nos espaços de decisão desses ambientes”.

Sônia Guimarães

Professora do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e primeira brasileira negra a se tornar doutora em física

“Quando eu estava na minha graduação da Federal de São Carlos, descobri que existia uma bolsa cientista remunerada. Na hora, fui correndo atrás da moça da bolsa e falei: ‘eu quero uma bolsa dessas!’ e a resposta dela foi ‘não! Você nunca vai usar física para nada, por que vou desperdiçar uma bolsa de iniciação científica com você?”

O relato é de Sônia Guimarães, 63 anos, a primeira mulher negra brasileira a ter doutorado em física e primeira a lecionar no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) que, até hoje, luta pela equidade racial no espaço acadêmico.

Antes de fazer história, precisou pausar sua presença na academia por ter sofrido perseguições de outros professores que não aceitavam uma mulher negra lecionando. “Na academia as coisas são complicadas. Mas eu tenho dado muitas palestras pelo Brasil e encontrado acadêmicos negros incríveis. Infelizmente, vejo algumas histórias de preconceito que aconteceram e acontecem comigo, se repetindo com eles. E olha que as minhas histórias são de 20 anos atrás!”

Há 32 anos, ela finalizou seu doutorado em materiais eletrônicos pelo Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade de Manchester, na Inglaterra, e retornou ao Brasil.

“Está em nossas mãos. Cabe a gente mudar essa realidade de desigualdade porque do jeito que as coisas estão caminhando, não dá para ficar.” E deixa um conselho para futuros cientistas: “Não desistam! Corra atrás e pesquise o máximo sobre bolsas e alternativas”.

Katemari Rosa

Física e professora adjunta da Universidade Federal da Bahia

“Ser inspiração é muito engraçado e muito emocionante, mas hoje eu começo a ver mais como uma realidade. Não é uma coisa que eu tenha imaginado na vida, não é um desejo do meu trabalho, mas acabou acontecendo. Me dá uma sensação de responsabilidade.”

De Porto Alegre, Katemari Rosa sonhava em ser astrônoma. A paixão que surgiu aos 8 anos cresceu e alcançou trajetórias admiráveis, como o seu doutorado na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

O encantamento pela física ainda gerou novos conhecimentos, como a filosofia da ciência. “Vi um programa sobre esse tema na Bahia, fui lá, fiz a seleção para o mestrado, passei e cursei em uma cidade completamente diferente. Sair de uma cidade totalmente branca e indo para uma totalmente negra eu comecei a perceber as diferenças raciais dentro da física. E a pesquisar sobre isso, quem eram as físicas negras.” Foi aí que ela construiu um programa de pesquisa com essa temática e foi aceita na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, para cursar seu doutorado. De lá voltou para o Brasil para dar aula na Universidade Federal da Bahia.

Rosy Isaias

Bióloga e professora titular do Departamento de Botânica da UFMG

Rosy Isaias estudou sua vida inteira em escola pública. Da periferia do Rio de Janeiro, a cientista de 55 anos se apaixonou pela biologia. Na faculdade, a botânica fascinou a cientista, que decidiu explorar o universo dos seres vivos vegetais. Mas esse universo não foi a única coisa com o qual Rosy teve de se preocupar. À medida que foi subindo a hierarquia acadêmica, o machismo e o racismo começaram a ficar mais palpáveis.

“Na periferia do Rio de Janeiro não conseguia perceber o preconceito, mas quando saio da minha zona de conforto e entro na universidade fica óbvio para mim que sou sempre a única pessoa negra naquele espaço”, afirma a professora.

O sobrenome Isaias, utilizado como nome científico e de divulgação da professora, também foi fonte de problemas. “Meu nome denota uma figura masculina e eu já fui abordada muitas vezes por cientistas que liam os meus artigos e acreditavam que eu era homem. Meu currículo tem sempre que falar mais alto pois minha figura ainda causa espanto no mundo acadêmico. Uma mulher negra não pode ser boa, ela tem que ser a melhor.”

O panorama, entretanto, parece estar mudando. A UFMG se tornou um exemplo na adoção de cotas e ações afirmativas em faculdades federais e hoje parece colher os resultados. “Atualmente, entro em classe e encontro pessoas que se parecem comigo. Sei que minha presença é importante e costumo falar que se eu estou ali, eles também podem estar.”

Taynara Alves

Química, empreendedora e fundadora da startup “InQuímica”

Taynara Alves, 30 anos, sempre gostou de estudar. A família, que sonhava com o primeiro ingresso à faculdade, queria que ela cursasse direito e se tornasse advogada, mas a paixão da menina estava em outro lugar. A primeira aula de química no ensino médio, segundo a própria Taynara, é definida como “amor à primeira vista”.

O interesse pela área lhe fez cursar o ensino técnico em química e, em pouco tempo, Taynara estava fazendo iniciação científica na USP. Ali, cercada de mestrandos e doutorandos, a cientista percebeu uma coisa que passou a lhe incomodar profundamente: as descobertas e inovações científicas não saiam do universo acadêmico.

“Isso não é um problema só da USP, mas sim do Brasil como um todo. Falta incentivo, tanto financeiro quanto acadêmico. Quando percebi isso, me desanimei para seguir a carreira acadêmica.”

A solução encontrada por Taynara foi a de optar por um caminho novo, o do empreendedorismo. A cientista fez uma segunda graduação no curso de gestão de negócios e inovação e fundou sua própria startup, a InQuímica.

“Me especializei em gestão e empreendedorismo para fazer o que eu sempre quis: tirar os produtos da bancada do laboratório e levá-los para a sociedade.” Ao decorrer de 2021, Taynara planeja lançar o primeiro produto da InQuímica: “Puro e Bom”. A solução líquida retira até 85% dos metais pesados provenientes de agroquímicos e fertilizantes de frutas, verduras e legumes.

Para a cientista, ciência é a resolução de problemas e por isso precisa ser diversa. “Cada pessoa, bairro, cidade, estado ou comunidade tem suas questões e suas prioridades. Só uma pessoa que vive aquela realidade é capaz de entender quais são os problemas daquele ambiente. Não podemos continuar fazendo ciência só com pessoas que são parecidas, moram em lugares parecidos e têm acesso a lugares parecidos.”

“É importante falar isso para os jovens e mostrar que aquela imagem do cientista velho, branco e homem não precisa ser a regra. Ter mulheres negras na ciência retira esse rótulo e, quando isso acontece, nós abrimos novas portas e possibilidades para a resolução de problemas.”

Jaqueline Goes de Jesus

Biomédica e uma das cientistas responsáveis pela sequenciação do primeiro genoma do vírus SARS-CoV-2

Apenas 48 horas foram necessárias para que um estudo, liderado por Jaqueline Goes de Jesus e Ester Sabino, fosse capaz de sequenciar o genoma do coronavírus no Brasil. A rapidez dos resultados, realizado pelo Instituto de Medicina Tropical da USP em parceria com o Instituto Adolfo Lutz e a Universidade de Oxford, chamou a atenção do Brasil e do mundo.

Mas a biomédica Jaqueline, de 30 anos, afirma que o velocidade da pesquisa não é tão surpreendente. À Vogue Brasil, Jaqueline afirmou: “Conseguimos esse resultado porque já estávamos trabalhando com uma plataforma específica para sequenciar este vírus.

Formada em biomedicina na Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, a biomédica teve a oportunidade, em 2016, de acompanhar o trabalho de pesquisadores ingleses que sequenciaram o genoma do zika virus no Brasil.

Esse conhecimento, aprofundado em uma estadia de seis meses na Universidade de Birmingham em 2018, foi essencial para o sequenciamento do coronavírus no Brasil. Hoje internacionalmente famosa, Jaqueline ainda está aprendendo a lidar com a fama, mas já planeja voltar à Inglaterra para retomar seus estudos.”

“Resolvi aceitar o que a vida tem me trazido e virar dona da minha trajetória de mulher, negra e nordestina”, afirma à Vogue Brasil.

Enedina Alves Marques

A primeira engenheira negra do Brasil

Nascida em 1913 em Curitiba, Enedina Alves Marques era a única menina entre nove irmãos. A mãe, Dona Virgília, era empregada doméstica e trabalhava na casa do delegado e major Domingos Nascimento Sobrinho. Enedina foi matriculada na mesma escola que as filhas do major estudavam e lá aprendeu a ler e escrever.

Posteriormente, a engenheira se formou na Escola Normal, um centro de formação de professores para o ensino primário brasileiro. A carreira de professora a levou a diversas cidades no interior do Paraná, mas foi em Curitiba, no bairro de Juvevê, que Enedina se estabeleceu em 1935.

Aos 27 anos, a jovem decidiu que mudaria de vida e alçaria voos até então impensáveis para pessoas como ela. Em 1940, matriculou-se na Faculdade de Engenharia do Paraná — hoje parte da Universidade Federal do Paraná — e passou a ser a única mulher negra em um ambiente dominado por homens brancos.

Para se ter uma ideia do tamanho do feito, a escravidão no Brasil havia sido abolida há cerca de 50 anos e o direito ao voto feminino não tinha mais de 10 anos de idade. Para pagar a faculdade, a engenheira trabalhou como empregada doméstica e cinco anos após entrar no curso fez história como a primeira mulher negra a se tornar engenheira no Paraná.

Enedina dedicou-se à engenharia pelo restante da sua carreira, participando de importantes obras como a projeção da usina hidrelétrica Parigot de Souza, no Paraná. Ela faleceu em casa, aos 68 anos, vítima de um ataque cardíaco.

“As pessoas passaram a ver a matemática de outra forma com meus vídeos”

Conhecida como CatMat nas redes sociais, Catarina Xavier, 12 anos, [e aluna do 8º ano, ama matemática e utiliza o YouTube para explicar a matéria de uma forma mais fácil e engraçada.

“O meu gosto por ciências vem desde que eu era muito pequena, com uns cinco anos de idade”, conta, animada em compartilhar seu sonho de ser uma grande influenciadora digital compartilhando matemática. Com 26 mil seguidores inscritos em seu canal, a youtuber utilizou o tempo vago criado pela quarentena para produzir ainda mais material para as suas redes.

Suas principais inspirações vem do dia a dia: suas professoras e a mãe, que também ama matemática. O canal ainda ajuda a entender mais os conteúdos que aprende nas aulas. “Eu tenho aprendido e me aperfeiçoado muito produzindo os meus vídeos. Recebo mensagens de alunos e professores, muitas pessoas comentam que passaram a ver a matemática de outra forma.”